"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinicius de Moraes

sábado, 14 de setembro de 2019

MINHA CRISE EXISTENCIAL (Abaixo a "pedagogia" da facada)




Crônica

MINHA CRISE EXISTENCIAL (Abaixo a "pedagogia" da facada)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O dia começou como qualquer outro, mas logo se transformaria em um pesadelo. A escola, que deveria ser um espaço de aprendizado e crescimento, tornou-se palco de um ato de violência brutal. Um aluno, movido por uma fúria inexplicável, atacou o coordenador do Programa Mais Educação, desferindo-lhe uma facada fatal no abdômen. Era 30 de agosto de 2019, e a banalidade do motivo por trás desse crime evidenciava a crescente desvalorização da vida.

Lembro-me de outros incidentes semelhantes, cada um mais perturbador que o anterior. Em 28 de agosto de 2018, um adolescente de 14 anos esfaqueou outro de 13 no Centro de Ensino Fundamental 19, em Ceilândia. A discussão entre os dois escalou rapidamente, resultando em ferimentos graves no peito e no pescoço da vítima. Pouco tempo depois, em 24 de setembro do mesmo ano, um jovem de 17 anos foi baleado na Escola Classe Vila Nova, em São Sebastião. A briga começou próximo ao colégio, e a vítima foi atingida no braço, no peito e no tórax. E como esquecer a tragédia de 3 de dezembro de 2018, quando uma desavença entre duas mulheres terminou em morte na Escola Municipal do Pedregal, em Novo Gama? Jéssica Oliveira invadiu a escola e assassinou Fernanda Xavier a facadas, após uma briga iniciada nas redes sociais.

A violência nas escolas tornou-se um triste reflexo da nossa sociedade. Em 30 de abril de 2019, o professor e coordenador Júlio César Barroso de Sousa foi baleado e morto por um aluno no Colégio Estadual Céu Azul, em Valparaíso. O aluno o atacou após uma briga com uma professora, prometendo vingança e cumprindo sua ameaça de forma cruel. Esses incidentes, cada vez mais frequentes, transformaram as escolas em verdadeiros campos de batalha, onde a educação e a segurança são constantemente ameaçadas.

Enquanto isso, dentro das salas de aula, as cenas são igualmente perturbadoras. Professores amarram alunos às cadeiras; outros colocam caixas de papelão sobre suas cabeças para evitar que colem nas provas. Houve até um caso em que uma comemoração festiva terminou com vários alunos no hospital, vítimas de "boa noite Cinderela" na bebida. A pergunta que fica é: como chegamos a esse ponto?

O que testemunhei e vivi nas escolas vai além da minha compreensão. Ninguém merece uma facada, mas até o presidente Bolsonaro foi alvo de um ataque por motivos políticos. Eu mesmo carrego uma cicatriz no abdômen, resultado de uma cirurgia para remover um câncer no intestino (mas esta foi de alguém bem-intencionado). No entanto, a escola, ao aceitar marginais comprovados como parte de seu corpo discente, provoca a ira da comunidade escolar com futilidades didáticas, como a proibição de bermudas, bonés e celulares, tentando disciplinar o indisciplinável.

A cada novo caso de violência, questiono o futuro da educação. A Secretaria de Educação obriga as escolas a matricular e paparicar reincidentes, transformando a vida escolar em um verdadeiro inferno. As consequências disso são advogados caros e indenizações para os "inocentes". E nós, os educadores, apenas lamentamos e recolhemos os mortos, tanto física quanto emocionalmente.

"Condutores cegos! que coais um mosquito e engolis um camelo." Estas palavras de Mateus 23:23-24 ecoam em minha mente enquanto reflito sobre as injustiças e a hipocrisia que permeiam nosso sistema educacional. A raiva e o estresse minaram minha saúde, e o câncer, um adenocarcinoma, fez seu ninho em meu corpo já exausto. Minha persistência é uma prova da minha dedicação. Mas agora, só posso esperar que meu fim seja melhor do que o de outros professores que já morreram nas escolas.

Abaixo a pedagogia da facada! Não preciso disso para ser o que Deus quer que eu seja: professor de quem não quer estudar. Não sei no que me tornei, apenas sou. E minha esperança é que Deus não precisa de mim para fazer algo por mim, então peço-Lhe socorro. As pessoas insistem em ajudar o Deus delas, defendendo-O com argumentos humanos. Que suas preces, também, servissem para me curar.

E assim, resta-nos refletir sobre o preço da indiferença e da violência. A sociedade precisa olhar para dentro e se perguntar: como tratamos os mais vulneráveis entre nós? Como podemos transformar a educação em um verdadeiro instrumento de paz e crescimento? Essas são as perguntas que deixo, esperando que, um dia, encontremos as respostas.


***


Questões Discursivas sobre Violência nas Escolas e o Futuro da Educação:


1. Violência nas Escolas: Reflexo da Sociedade e Ameaça à Educação

a) A partir do texto e de seus conhecimentos sociológicos, analise os seguintes pontos:

A banalização da violência: Como a banalização da violência na sociedade se reflete no ambiente escolar, culminando em atos brutais como o assassinato do coordenador do Programa Mais Educação?


A escola como campo de batalha: Quais os fatores sociais e culturais que contribuem para a transformação das escolas em ambientes de insegurança e medo, onde a educação cede espaço à violência?


A culpabilização das vítimas: De que forma a culpabilização das vítimas de violência, como a punição com medidas disciplinares rigorosas, contribui para a perpetuação do ciclo de violência nas escolas?


b) Propondo soluções:

Prevenção da violência: Que medidas podem ser tomadas no âmbito escolar, familiar e social para prevenir a violência nas escolas, promovendo um ambiente seguro e acolhedor para todos os alunos?


Educação para a paz: Como a educação pode ser utilizada como ferramenta para promover valores como o respeito, a tolerância e a resolução pacífica de conflitos, combatendo a cultura da violência na sociedade?


O papel do Estado: Quais as responsabilidades do Estado na garantia da segurança nas escolas e na promoção de uma educação de qualidade para todos os cidadãos?


2. O Desafiante Papel do Educador em um Cenário de Violência e Injustiças

a) A partir do texto e de seus conhecimentos sociológicos, explore as seguintes questões:

A sobrecarga e o desamparo dos educadores: Como a sobrecarga de trabalho, a falta de recursos e o desamparo institucional contribuem para o sofrimento dos educadores, como no caso do autor do texto que enfrenta um câncer e ainda precisa lidar com a violência nas escolas?


A hipocrisia e as injustiças no sistema educacional: De que forma a hipocrisia e as injustiças no sistema educacional, como a obrigatoriedade de matricular alunos reincidentes em atos de violência, afetam a saúde mental e emocional dos educadores?


A busca por um futuro melhor: Que medidas podem ser tomadas para valorizar a profissão docente, garantir melhores condições de trabalho e criar um ambiente educacional mais justo e humanizado?


b) Reflexões sobre o papel do educador:

A missão do educador: Qual o papel fundamental do educador em um contexto social marcado pela violência e pelas desigualdades? Como os educadores podem contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica?


A importância do autocuidado: Como os educadores podem cuidar de sua saúde mental e emocional para lidar com os desafios da profissão e manter a força para continuar sua missão?


A busca por apoio e solidariedade: Quais os mecanismos de apoio e solidariedade que podem ser disponibilizados aos educadores para que se sintam amparados e acolhidos em sua árdua missão?

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sábado, 7 de setembro de 2019

INCONGRUÊNCIA PEDAGÓGICA ("A maior incongruência do Universo é gastar tanto tempo disciplinando o FOCO e não FAZER nada a respeito do que se QUER." — Douglas Liandi).




Crônica

INCONGRUÊNCIA PEDAGÓGICA ("A maior incongruência do Universo é gastar tanto tempo disciplinando o FOCO e não FAZER nada a respeito do que se QUER." — Douglas Liandi)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O sol ainda estava nascendo quando cheguei ao colégio, carregando comigo o peso de mais um dia de aula e todas as frustrações que acumulei ao longo dos anos. O silêncio dos corredores vazios me dava uma breve sensação de paz, mas eu sabia que, em breve, essa calmaria seria substituída pela rotina exaustiva e desafiadora que me aguardava na sala de aula.

Ao me aproximar da porta, a cena já era familiar: os mesmos alunos problemáticos, aqueles que só apareciam no final do bimestre, empurravam-se e riam alto. Eles vinham pelo lanche gratuito e pela necessidade de evitar as faltas que os condenariam à perda dos benefícios. Eram figuras previsíveis, sempre presentes quando pouco se podia fazer para salvar seu desempenho acadêmico.

Entrei na sala, disposto a ignorar o tumulto da entrada. Mas não demorou muito para que a coordenadora pedagógica, com seu salto ecoando nos corredores, surgisse como sempre, atraída pelo caos. Ao vê-la, os alunos bagunceiros correram para dentro, fingindo uma obediência que duraria apenas o tempo necessário para escapar de qualquer reprimenda mais séria.

Ela iniciou seu discurso habitual sobre responsabilidade e comportamento. Eu, já cansado desse teatro, observei a reação dos alunos. Os menos ruins olhavam com tédio, forçados a ouvir lições que não eram para eles. Já os bagunceiros fingiam arrependimento, sabendo que, assim que a coordenadora saísse, tudo voltaria ao que sempre foi. E foi exatamente o que aconteceu. Mal a porta se fechou, os risos e cochichos retornaram, e o clima de desrespeito instaurou-se novamente.

Tentei retomar a aula, mas era como tentar remar contra uma maré implacável. Senti o peso de um sistema falho sobre meus ombros. Como ensinar em meio a um ambiente que sabotava a própria ideia de educação? Como manter o desejo de transmitir conhecimento quando a desordem era constantemente premiada com estatísticas manipuladas e notas forjadas?

Naquele momento, pensei nas palavras de Napoleão Bonaparte: “Nunca interrompa o seu inimigo enquanto ele está cometendo um erro.” No entanto, era difícil aplicar essa máxima quando o erro não era apenas dos alunos, mas do próprio sistema que permitia e incentivava tal comportamento. A única arma que me restava eram as notas, um recurso cada vez mais insignificante frente à pressão para elevar índices e embelezar relatórios com números falsos.

Nos conselhos de classe, era sempre o mesmo roteiro. A expectativa era que eu, como professor, ajustasse as notas daqueles que mais haviam causado problemas. As coordenadoras, ansiosas por manter a aparência de uma escola eficiente, exigiam que todos os alunos passassem, independentemente de seu real desempenho. Enquanto isso, eu via minha autoridade ser corroída pela conivência com o erro.

E o que restava? Seguir em frente, aula após aula, dia após dia, acreditando que, em meio a esse cenário desolador, ainda havia alunos que queriam aprender. Era por eles que eu continuava, por aqueles poucos olhares que se iluminavam quando algo novo era ensinado, por aqueles que, silenciosamente, ainda acreditavam no poder transformador da educação.

No fim das contas, a verdadeira batalha não era contra os alunos desinteressados, mas contra o sistema que, ao punir o professor e premiar a desordem, minava a própria essência da educação. E, apesar de tudo, eu me recusava a desistir. Porque, no fundo, eu sabia que cada pequena vitória — cada aluno que se importava — era uma semente plantada em solo difícil. E, quem sabe, um dia, essas sementes floresceriam em um mundo mais justo e sábio.

Por ora, seguimos assim, resistindo. Cada aula é uma nova chance, uma nova oportunidade de fazer a diferença. Porque, apesar de tudo, ainda acredito que a educação, mesmo em meio ao caos, tem o poder de transformar.


Com base nesses temas, proponho as seguintes questões discursivas:


O texto destaca a dificuldade de manter a disciplina em sala de aula. Quais os principais fatores que contribuem para a indisciplina escolar e como eles se relacionam com o contexto social mais amplo?

A pressão por resultados é um tema recorrente no texto. De que forma essa pressão impacta a qualidade do ensino e a relação entre professores e alunos?

O professor descreve um sistema educacional que, muitas vezes, parece mais preocupado com números e estatísticas do que com a aprendizagem dos alunos. Quais as consequências dessa visão quantitativa da educação?

O texto aborda a questão da motivação dos alunos. Quais os fatores que podem contribuir para a falta de interesse e desmotivação dos estudantes? Como os professores podem estimular a participação e o engajamento dos alunos?

A escola é retratada como um microcosmo da sociedade. De que forma os desafios enfrentados pelos professores refletem os problemas mais amplos da nossa sociedade?

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sábado, 31 de agosto de 2019

ALTERNÂNCIA ("Na vida não temos só sonhos ou só pesadelos, a alternância entre ambos é que faz a realidade". — Charles Chaplin)



Crônica

ALTERNÂNCIA ("Na vida não temos só sonhos ou só pesadelos, a alternância entre ambos é que faz a realidade". — Charles Chaplin)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há dias em que a escola parece um palco de tragédias e comédias improvisadas. Eu já deveria saber, mas, teimoso que sou, entro em cena acreditando que o roteiro será seguido. Naquela tarde, tudo parecia dentro da normalidade – ou, pelo menos, da normalidade escolar, essa entidade volúvel que muda de forma conforme o vento sopra.

Meu plano era simples: os alunos escreveriam e encenariam pequenas peças. Uma forma de trabalhar literatura de maneira viva, dando-lhes protagonismo. Expliquei as diretrizes, distribuí os grupos, observei um ou outro bocejo disfarçado. Mas era cedo demais para cantar vitória. O teatro verdadeiro aconteceria em outra parte.

De repente, o professor de Educação Física entrou sem cerimônias e, como um diretor autoritário, dissolveu metade do elenco. Os convocados para o ensaio da quadrilha saíram e, com eles, esvaiu-se a concentração dos que ficaram. Em instantes, a janela tornou-se palco de um espetáculo muito mais interessante do que o meu. Os olhos que deveriam estar nas páginas dos roteiros estavam vidrados no pátio, onde o mundo parecia muito mais animado.

Não demorou muito para que a coordenadora, sempre à espreita, surgisse trazendo a diretora. Vieram me pressionar a passar qualquer coisa do livro. Qualquer coisa. A finalidade era simples: fazê-los sentar. O aprendizado era irrelevante, o conteúdo, dispensável. Fiquei ali, parado, refletindo sobre a pobreza do propósito, sobre a afronta ao meu profissionalismo. A grosseria que ouvi me amedrontou, mas segui com meu teatro.

O problema maior era outro: se eu passasse qualquer atividade, teria que prometer nota, pois, sem isso, ninguém sequer pegaria o lápis. Assim, os que ficaram fariam a tarefa – não por interesse, mas por obrigação. Os que estavam no pátio, por sua vez, ficariam isentos. Uma injustiça didática, um tiro no pé da lógica, e eu, no meio desse fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem.

Depois do tumulto e de minhas reclamações, providenciaram o retorno dos alunos. O ensaio foi interrompido, os fanfarrões voltaram a contragosto e, enfim, a aula aconteceu – para o descontentamento dos dançarinos frustrados e o evidente constrangimento do professor de Educação Física. O saldo do dia? Duas perguntas martelavam minha mente: quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?

Mas a escola tem dessas ironias. No dia seguinte, a cena mudou de tom. Antes mesmo de distribuir a prova da OBMEP, um aluno do fundo da sala, com um ar excessivamente sério, levantou a mão:

— Professor, qual é a resposta da primeira questão?

Se fosse um dia ruim, eu teria suspirado. Mas era um dia bom, e a resposta me veio como um relâmpago:

— Coloque “Idiota útil”.

Risos abafados. Ele insistiu, agora com um brilho travesso nos olhos:

— E o que é um idiota útil?

Pensei por um segundo.

— Não sei conceituar a expressão, mas posso dar um exemplo.

O colega da frente, num misto de curiosidade e cumplicidade, se intrometeu:

— Então dá um exemplo, professor!

Eu sorri.

— Olhe no espelho.

A classe explodiu em gargalhadas. O aluno, é claro, não deixou barato. Disse algo que não ouvi, mas que arrancou um riso debochado da colega ao lado.

Ali, entre risos, provocações e pequenas vinganças verbais, lembrei-me de um velho ditado: “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”.

A escola, no fim, é um grande palco. E, seja em tragédia ou comédia, sou sempre personagem e espectador desse espetáculo que nunca termina.


Preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundarmos nossa reflexão sociológica sobre o cotidiano escolar:


1. A crônica descreve um dia em que a aula do professor é interrompida por decisões administrativas e outro dia em que a interação com os alunos é marcada pelo humor. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a relação de poder entre professores, alunos e administração escolar presente na narrativa?

2. O texto relata a pressão da coordenação e da diretora para que o professor "passasse qualquer coisa do livro" com o único objetivo de manter os alunos sentados e em silêncio. Como essa situação reflete a visão da escola como uma instituição focada no controle e na disciplina, em detrimento de outros objetivos pedagógicos?

3. Em um momento da crônica, o professor se sente "no meio de um fogo cruzado, equilibrando pratos para manter uma frágil ilusão de ordem". De que forma essa metáfora ilustra os desafios enfrentados pelos professores no cotidiano escolar e as tensões entre diferentes expectativas e demandas?

4. A crônica utiliza a expressão "Teatro do Absurdo" para descrever o ambiente escolar. Em que medida essa metáfora do "absurdo" nos ajuda a compreender as situações contraditórias e por vezes ilógicas que podem ocorrer nas instituições sociais, como a escola?

5. No final da crônica, o professor questiona: "quem, afinal, causou prejuízo a quem? E onde estava o apoio pedagógico quando precisei?". Considerando a perspectiva sociológica da educação, quais seriam os possíveis "prejuízos" causados pelas situações descritas na crônica para os diferentes atores envolvidos (professores, alunos, administração)? E qual o papel do "apoio pedagógico" em um contexto como esse?**

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sábado, 24 de agosto de 2019

CONVITE versus CONVOCAÇÃO ("Em nenhum cargo você encontrará na lista de deveres a prática do assédio moral, mas há quem pratique como sendo uma das atribuições inerentes a ele". — Ednete Franca)



Crônica

CONVITE versus CONVOCAÇÃO ("Em nenhum cargo você encontrará na lista de deveres a prática do assédio moral, mas há quem pratique como sendo uma das atribuições inerentes a ele". — Ednete Franca)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Naquela tarde de quarta-feira, na escola municipal, enquanto organizava meus planos de aula, deparei-me com mais um daqueles comunicados no mural da sala dos professores. O papel timbrado, com sua fonte austera característica do imperativismo reinante, anunciava uma "capacitação imprescindível" no turno matutino. Suspirei profundamente, reconhecendo o peso daquele dilema tão familiar a nós, professores concursados, que dividimos nossa jornada de 60 horas aula semanais entre as redes municipal e estadual.


Há uma década, quando prestei os concursos, a possibilidade de trabalhar nas duas redes parecia a solução ideal para compor uma carga horária digna. Organizei minha vida profissional: manhãs no colégio estadual, tardes na escola municipal. O que ninguém nos advertiu é que seríamos eternamente divididos, como equilibristas em uma corda bamba administrativa, tendo que lidar com exigências muitas vezes incompatíveis.

"Professor, o senhor vai participar da capacitação?", perguntou-me Maria, a coordenadora, com aquele olhar que mesclava compreensão e constrangimento. A pergunta ecoou em minha mente, trazendo à tona uma questão ainda mais profunda: como uma organização que verdadeiramente respeita seus funcionários pode exigir que abandonemos um compromisso profissional em favor de outro, sem sequer apresentar a relevância do evento ou o currículo do palestrante?

O mais perturbador é o teor desses comunicados, sempre finalizados com aquela frase que soa como uma sentença: "É imprescindível a presença de todos. Aqueles professores que trabalham em outra rede no horário citado, favor trazer declaração." Uma exigência que revela a arrogância institucional, tratando nossa realidade profissional — legitimada pelos próprios sistemas de ensino — como uma inconveniência a ser tolerada mediante comprovação.
Folheando diários e corrigindo redações em minha mesa, reflito sobre a incongruência do sistema. Se aceitam professores para turnos independentes, por que não repetir eventos em horários alternados, contemplando todas as jornadas? Por que não consideram que somos profissionais comprometidos com ambas as redes, e não malabaristas de declarações? E mais: que obrigação teria o colégio estadual de fornecer uma declaração para justificar minha ausência em função de um evento de interesse particular da rede municipal?

A campainha toca, anunciando o início de mais uma aula. Guardo o comunicado na gaveta, junto com tantos outros semelhantes que já recebi, pensando em como esse ciclo de assédio institucional vai, pouco a pouco, corrompendo os princípios éticos que deveriam nortear a educação. Em sala, diante dos alunos, procuro ser apenas professor — não um funcionário dividido entre redes, não um colecionador de declarações.

Enquanto caminho pelos corredores, reflito que talvez seja hora de nós, educadores, ensinarmos também às nossas instituições uma lição fundamental: a de que respeito e bom senso deveriam ser prerrogativas básicas na gestão educacional, não moeda de troca em jogos administrativos. Pois uma educação construída sobre o assédio moral e irregularidades administrativas só pode resultar em uma deseducação que contradiz todos os valores éticos necessários ao verdadeiro progresso social.
No fim do dia, o que permanece é a certeza de que a educação se constrói com diálogo e respeito mútuo, não com imposições e declarações. E que nós, professores, merecemos ser tratados com a mesma dignidade que nos exigem transmitir em sala de aula, para que possamos, efetivamente, contribuir para uma educação transformadora e eticamente comprometida.


Questões Discursivas sobre o Texto


1. O texto descreve um dilema vivenciado por um professor que trabalha em duas redes de ensino. De que maneira esse dilema revela tensões e contradições na organização do sistema educacional brasileiro, especialmente no que se refere à gestão de recursos humanos e à valorização dos profissionais da educação?

2. A crônica destaca a frase presente no comunicado: "É imprescindível a presença de todos. Aqueles professores que trabalham em outra rede no horário citado, favor trazer declaração." Como essa frase pode ser interpretada à luz dos conceitos sociológicos de poder institucional e assédio moral no ambiente de trabalho? Discuta.

3. O professor questiona a falta de diálogo e a imposição de decisões unilaterais por parte da gestão escolar. Na sua opinião, como a ausência de diálogo e a imposição de decisões afetam o clima organizacional e a qualidade do trabalho docente? Utilize conceitos sociológicos para fundamentar sua resposta.

4. Em sua reflexão, o autor menciona a "corrosão dos princípios éticos" e a "deseducação" como resultados de um sistema que negligencia o respeito e o bom senso. De que maneira a sociologia compreende a relação entre ética, educação e progresso social? Explique, relacionando com o contexto apresentado no texto.

5. O texto conclui que "a educação se constrói com diálogo e respeito mútuo, não com imposições e declarações". Considerando essa afirmação e os desafios da contemporaneidade na educação, quais seriam, na sua perspectiva sociológica, os caminhos para promover uma gestão educacional mais humanizada e que efetivamente valorize os professores?

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domingo, 18 de agosto de 2019

MAIS VANTAGENS AINDA ("A bondade excessiva confina com a fraqueza; a paciência ilimitada não é virtude, mas covardia disfarçada." — Khalil Gibran)

MAIS VANTAGENS AINDA ("A bondade excessiva confina com a fraqueza; a paciência ilimitada não é virtude, mas covardia disfarçada." — Khalil Gibran)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Cheguei à escola naquela tarde abafada de novembro, o sol castigando minhas costas. O ventilador do corredor girava preguiçosamente, como se compartilhasse do cansaço acumulado ao longo do ano letivo. Na sala da diretoria, um homem de mãos calejadas segurava o boletim do filho como quem segura uma sentença.

— "Reprovado de novo", murmurou, mais para si mesmo do que para os outros.

Eu estava ali por motivos burocráticos, mas a cena diante de mim capturou minha atenção. O homem, rosto marcado pelo sol e pelo trabalho, olhava para a diretora com uma mistura de decepção e resignação. — "Há três anos, vem repetindo a mesma série, mas ele não quer"! Desabafou, a voz embargada. — "Pode cortá-lo da escola. Para que ele ainda ocupa inutilmente essa vaga?" A diretora ajeitou os óculos, buscando tempo para formular uma resposta. Sabia que enfrentava mais do que um caso isolado; via-se diante de um dilema recorrente, onde os pais sob o peso do cansaço da rotina, já não confiam na escola como antes, e a esperança de um futuro melhor para os filhos se esvaiu. — "Ele é uma criança saudável, não é violento" — respondeu num tom conciliador. — "Deixe-o, não está causando dano algum!" O pai soltou uma risada seca, carregada de anos de desilusão. — "Sem dano? A senhora sabe quanto custa um aluno para o Estado? Cem dólares por dia! Ele ocupa uma vaga que poderia ser de outro que quer estudar de verdade. E o que ganha em troca? Um diploma vazio e a ilusão de que foi educado." Eu, encostado na parede amarelada da secretaria, fingi ler um cartaz sobre a importância da leitura, mas absorvia cada palavra daquele diálogo. Pensava nas estatísticas educacionais que transformam histórias humanas em números frios: meninos que não se encaixam, pais oscilando entre a rigidez e o abandono, um sistema que prega inclusão, mas opera com a lógica da produtividade. O calor na sala pareceu aumentar quando a diretora decidiu mudar de estratégia. — "Deixe-o ainda este ano" — sugeriu, inclinando-se sobre a mesa. — "Vamos conceder-lhe uma recuperação especial. Podemos inscrevê-lo no programa bolsa escola, garantir materiais, lanche... Se tiver boa frequência, a família recebe os benefícios." A menção aos incentivos financeiros transformou lentamente o semblante do pai. De repente, a permanência do filho na escola não era apenas sobre aprendizado, mas também sobre sobrevivência econômica. — "Poderíamos tentar mais uma vez" — concedeu, agora mais sereno. Naquele dia, saí da escola com mais perguntas do que respostas. Do ônibus lotado, observei o menino no pátio, um garoto magricela chutando pedrinhas sozinho enquanto os outros jogavam bola. Pensei em como nossa educação opera em um paradoxo cruel: concede chances infinitas aos alunos, enquanto o mundo real, aquele para o qual os preparamos, é implacável em seus cortes. No mercado de trabalho, uma falha, uma crise ou uma automação bastam para uma demissão. Mas na escola, mantemos um sistema de permanência a qualquer custo, que prioriza presença física sobre desenvolvimento real. Criamos uma bolha de misericórdia e favorecimentos, esquecendo que, um dia, essa bolha estourará. Anos depois, ainda me pergunto o que aconteceu com aquele garoto. Teria encontrado sentido nos estudos? Ou seria apenas mais um número nas estatísticas de inclusão que mascaram o abismo entre permanecer e participar? A misericórdia do nosso sistema educacional é, paradoxalmente, sua maior crueldade. Permitimos que jovens avancem pelos anos escolares sem encontrar propósito, sem desenvolver habilidades, acumulando frustrações que desaguarão em um mundo que não os poupará. Toda vez que passo por aquela escola, lembro com carinho do menino e do pai. Penso nas árvores que plantamos com tanto cuidado, confiando que cresceriam de maneira forte e saudável. A cada novo olhar, vejo nelas o potencial de florescer, mesmo sem pressa. Penso nos jardineiros que, apesar da impaciência, são guiados pela esperança de que o tempo trará os frutos esperados, e que, mesmo sem ver resultados imediatos, sua dedicação irá se transformar em algo belo e duradouro.
Entre o cuidado e a paciência, talvez estejamos, na verdade, descobrindo a melhor forma de nutrir nossas sementes humanas, com carinho e dedicação, para que floresçam com força e propósito.



Questões Discursivas Detalhadas sobre o Texto:


A Crônica da Reprovação: Uma Análise Multifacetada da Educação: O texto apresenta a história de um aluno repetidamente reprovado, revelando um sistema educacional que parece oscilar entre a "misericórdia" e a "crueldade". Discuta como essa dicotomia se manifesta na crônica, explorando os seguintes pontos:

A visão do pai sobre o filho e a escola: Que expectativas e frustrações o pai expressa? Como a escola responde a essas expectativas?

O papel da diretora: Qual a postura da diretora diante da situação? Ela representa a "misericórdia" ou a "crueldade" do sistema?

A lógica do sistema educacional: Como o sistema é descrito no texto? Ele prioriza o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos ou outros fatores, como a presença física e os benefícios sociais?

O paradoxo da "misericórdia": De que forma a "misericórdia" do sistema educacional pode ser vista como uma "crueldade"? Que consequências essa lógica pode gerar para os alunos?

Ao final, reflita sobre o papel da escola na vida dos alunos. A escola deve ser um espaço de "chances infinitas" ou precisa preparar os alunos para a "implacabilidade" do mundo real? Qual o papel da família e da sociedade nesse processo?

O Abismo entre Permanecer e Participar: Uma Reflexão sobre a Inclusão: O texto menciona a diferença entre "permanecer" e "participar" na escola. Discuta essa distinção, explorando os seguintes aspectos:

O que significa "permanecer" na escola? Que exemplos do texto ilustram essa ideia?

O que significa "participar" da escola? Que elementos indicam a falta de participação do aluno na crônica?

Qual o impacto da falta de participação na vida dos alunos? Como essa situação pode afetar seu futuro?

Que medidas podem ser tomadas para garantir que os alunos não apenas "permaneçam" na escola, mas também "participem" ativamente do processo de aprendizado?

Ao final, reflita sobre o conceito de inclusão na escola. A inclusão se limita à presença física dos alunos ou envolve outros aspectos, como o desenvolvimento de suas habilidades, a participação em atividades e a construção de um projeto de vida?

Jardineiros Impacientes e Sementes Humanas: Uma Metáfora da Educação: A crônica utiliza a metáfora do "jardineiro impaciente" e das "sementes humanas" para ilustrar a relação entre pais, alunos e escola. Discuta essa metáfora, explorando os seguintes pontos:

Quem são os "jardineiros impacientes" na história? Qual sua visão sobre a educação dos filhos?

Quem são as "sementes humanas"? Que desafios elas enfrentam para "crescer retas"?

Qual o papel da escola nesse processo? A escola oferece o "cuidado" necessário para que as "sementes humanas" se desenvolvam?

Que tipo de "cuidado" seria necessário para garantir que as "sementes humanas" floresçam?

Ao final, reflita sobre a importância da paciência e da persistência no processo educativo. A metáfora do "jardineiro impaciente" nos convida a repensar nossas expectativas em relação aos alunos e a buscar formas mais eficazes de "cuidar" de seu desenvolvimento.

A Lógica da Produtividade na Educação: Uma Análise Crítica: O texto critica a lógica da produtividade que parece reger o sistema educacional. Discuta essa crítica, explorando os seguintes aspectos:

Como a lógica da produtividade se manifesta na crônica? Que exemplos ilustram essa ideia?

Quais os impactos da lógica da produtividade na vida dos alunos? Como essa lógica pode afetar sua autoestima e seu futuro?

Que valores deveriam nortear a educação? A produtividade deve ser o único objetivo ou a escola deve se preocupar com outros aspectos, como o desenvolvimento integral dos alunos?

Que medidas podem ser tomadas para superar a lógica da produtividade na educação? Como podemos construir um sistema educacional mais humano e justo?

Ao final, reflita sobre o papel da escola na formação de cidadãos críticos e conscientes. A escola deve ser um espaço de reprodução da lógica do mercado ou um espaço de transformação social?

O Paradoxo da Misericórdia e a Crueldade do Sistema Educacional: A crônica apresenta um paradoxo interessante: a "misericórdia" do sistema educacional, que concede "chances infinitas" aos alunos, pode ser vista como sua "maior crueldade". Discuta esse paradoxo, explorando os seguintes pontos:

De que forma a "misericórdia" do sistema educacional se manifesta na crônica? Que exemplos ilustram essa ideia?

Por que essa "misericórdia" pode ser vista como uma "crueldade"? Que consequências ela pode gerar para os alunos?

Que tipo de "misericórdia" seria mais adequado para os alunos? A escola deve oferecer "chances infinitas" ou precisa encontrar outras formas de "cuidar" de seus alunos?

Como podemos construir um sistema educacional que seja misericordioso sem ser cruel? Que valores e princípios devem nortear a ação da escola?