"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Silêncio Forçado do Docente ("A maior covardia de uma sociedade é deixar que a voz do oprimido seja abafada." — Martin Luther King Jr.)

 



O Silêncio Forçado do Docente ("A maior covardia de uma sociedade é deixar que a voz do oprimido seja abafada." — Martin Luther King Jr.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O professor não pode falar a verdade sobre o comportamento de uma criança, pois corre o risco de ser mal interpretado, julgado ou até processado em um parecer descritivo. Imagine um docente diante da tarefa de descrever um aluno inquieto: sabe que a criança não é “desobediente”, mas que precisa de atenção e apoio emocional. Ao tentar registrar isso no papel, porém, se perde em rodeios, trocando a clareza pela sutileza, como quem escreve com medo de acender um pavio invisível. A verdade se encolhe entre adjetivos amenos, porque uma palavra mal colocada pode se transformar em munição contra quem apenas quis ajudar.

Ao escrever, precisa escolher “palavras aceitáveis”, pois, se disser a verdade de forma direta, os pais podem não gostar — e, então, crucificá-lo. Muitas vezes, o professor enxerga que a criança necessita de apoio emocional, mas não pode declarar isso com todas as letras, já que qualquer observação pode soar como acusação. Ele ouve gritos, críticas e exigências, mas, se levanta a voz, é tachado de despreparado. Cobra-se que ensine valores, mas não há respaldo quando os pais não colaboram ou, pior, desautorizam seu trabalho.

Entre regras, protocolos e burocracias, o professor precisa lidar com dezenas de alunos que carregam realidades distintas. E, no fim, ainda escuta que “trabalha pouco” e “tem férias demais” — palavras de quem nunca entrou em uma sala de aula lotada e desconhece o peso de sustentar o dia a dia da educação.

É nesse ponto que a contradição se revela com mais crueldade: cobra-se do professor que seja psicólogo, conselheiro e herói, mas nega-se a ele o direito de dizer o óbvio. Como nomear o bullying sem ser acusado de exagero? Como alertar sobre a negligência sem ser tachado de ofensivo? O silêncio imposto, que deveria proteger, apenas adoece e isola. Talvez seja hora de inverter o jogo: oferecer aos pais e à sociedade oficinas de escuta, espaços de diálogo real, onde a palavra do professor não seja sentença, mas ponte. Enquanto isso não acontece, a verdade permanece refém — dita às escondidas, engasgada nos corredores.

Essas são as verdades silenciosas da vida docente, aquelas que quase ninguém sabe — ou prefere não saber. Porque, no fundo, o professor não pode falar a verdade.


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O texto que lemos nos provoca a pensar sobre as complexidades da vida docente para além do que vemos em sala de aula. Ele nos mostra um professor que se sente silenciado e desautorizado, enfrentando desafios que vão além do conteúdo a ser ensinado. Para a nossa aula, preparei 5 questões que nos ajudarão a analisar esse cenário de um ponto de vista sociológico.


1. A Burocracia e a Perda de Autonomia: O autor sugere que o professor, ao escrever um parecer descritivo, se perde em "rodeios" para não correr o risco de ser processado. De que forma as regras e burocracias de uma instituição (a escola, neste caso) podem limitar a autonomia do profissional e influenciar a forma como ele age e se comunica?

2. A Contradição do Papel Social: O texto afirma que se espera que o professor seja "psicólogo, conselheiro e herói". Como a sociologia explica essa acumulação de papéis? Por que essa multiplicidade de funções, somada à falta de respaldo, pode gerar um conflito de papéis e levar à frustração profissional?

3. O Silêncio como Estratégia de Sobrevivência: O autor descreve o silêncio como uma estratégia de defesa do professor. Analise como esse silenciamento imposto não apenas protege o profissional de conflitos, mas também pode isolá-lo e impedir que os problemas reais dos alunos e da escola sejam resolvidos de forma aberta e eficaz.

4. A Desvalorização do Trabalho: O texto cita a percepção popular de que o professor "trabalha pouco" e "tem férias demais". Discuta como essa visão estereotipada reflete uma desvalorização da profissão na nossa sociedade. Quais as consequências desse tipo de julgamento para o trabalho diário e a motivação dos educadores?

5. A Relação Família-Escola: A crônica aponta para um cenário em que os pais "desautorizam" o trabalho do professor. De que maneira essa falta de colaboração entre a família e a escola impacta o desenvolvimento do aluno e o processo de ensino-aprendizagem?

domingo, 14 de setembro de 2025

A falsa promessa da inclusão ("A inclusão só é verdadeira quando o lugar do outro, com a sua diferença, não é apenas tolerado, mas desejado." — Marcelo Gleiser)



 

A falsa promessa da inclusão ("A inclusão só é verdadeira quando o lugar do outro, com a sua diferença, não é apenas tolerado, mas desejado." — Marcelo Gleiser)

Por Claudeci Ferreia de Andrade

           Sempre que me manifesto contra a chamada educação inclusiva, percebo os olhares de reprovação se voltarem para mim. A frase soa estranha e até cruel, como se eu fosse contra o acolhimento e a solidariedade, mas não é isso. O que me incomoda não é a ideia de inclusão, e sim o modo como essa política foi imposta sem ouvir quem vivia a realidade do dia a dia.




           Lembro-me de um vídeo em que um pai de Porto Alegre relata a experiência de sua filha em uma escola especial. Ele atravessava a cidade todos os dias para levá-la a esse refúgio, no bairro Intercap. Lá, a filha, que tem a síndrome de Williams, era respeitada e compreendida, pois a escola era um local próprio para crianças com diversas condições. O pai encontrava ali um ambiente de acolhimento e troca de experiências. Nesse espaço, a diferença não era um peso; era o ponto de partida para o desenvolvimento.



           O depoimento desse pai mostrou que a escola especial era exatamente o que as famílias desesperadas precisavam: professores qualificados, uma comunidade de pais que se entendiam, e crianças que, por fim, encontravam um lugar de pertencimento.



           A mudança começou com a “educação inclusiva”, uma política do governo do PT que parecia irresistível. O objetivo era extinguir as escolas especiais e colocar todas as crianças juntas, como se a simples convivência pudesse dissolver o preconceito. A justificativa era que, convivendo lado a lado, os alunos aprenderiam a enxergar a diferença como algo positivo.



           No entanto, a prática se mostrou bem diferente. Eu e meus colegas, sem a formação adequada, recebemos alunos com necessidades especiais sem nenhum preparo. A insegurança dos pais faz com que muitos proíbam seus filhos de se aproximarem desses colegas, como se fossem contagiosos. E as próprias crianças, na sua inocência cruel, reagem com piadas, bullying e exclusão.



           A filha daquele pai, que antes era acolhida, passou a se sentir invisível. Já enfrentava a dificuldade de uma condição genética e, agora, também lidava com a rejeição de quem deveria ser seu colega. A escola, que deveria proteger, acabou por reforçar a exclusão.



           A promessa de acompanhamento pedagógico exclusivo, tão repetida nos discursos oficiais, na maioria das vezes, não existe. O que se vê são professores exaustos, tentando equilibrar uma sala inteira sem conseguir atender plenamente a todos, nem os que avançam mais rápido, nem os que precisam de mais apoio.



           O resultado é que todos aprendem menos. O ritmo das aulas se arrasta, o conteúdo é diluído e forma-se uma geração que termina o ensino médio sem saber interpretar um texto ou resolver um cálculo básico. No papel, a inclusão virou uma exclusão disfarçada.



           O depoimento do pai mostrou a dor silenciosa de perceber que a promessa de igualdade, no fundo, se tornou um atalho para o abandono. Ele queria apenas ter o direito de escolher entre uma escola especial ou uma escola regular. Mas ninguém o ouviu.



           Eu, que vejo essa realidade de perto nas minhas turmas, digo sem receio: a educação inclusiva, como foi implementada, não melhorou nada. Na verdade, piorou. Quando se finge incluir, faz-se algo ainda mais cruel do que excluir: “deixa-se alguém acreditar que pertence, apenas para descobrir que, no fundo, nunca lhe deram lugar de verdade.”

https://www.facebook.com/share/v/1619HA3DMV/ (Acessado em 14/09/2025)


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O texto que vocês leram é um depoimento forte e complexo sobre a educação inclusiva no Brasil. Ele nos convida a ir além do senso comum e a analisar criticamente as políticas públicas e suas consequências na vida real. Como futuros sociólogos, é fundamental que vocês consigam identificar os conflitos, os papéis sociais e as estruturas presentes nesse debate. A partir da leitura, pensem sobre as seguintes questões:


1 - O autor do texto se sente julgado por sua posição. De acordo com a Sociologia, como podemos analisar a "reprovação" que ele percebe nos olhares das pessoas? Qual o papel da moral social nesse tipo de situação?

2 - O texto aborda a diferença entre o que é "inventado no papel" e o que é imposto "na prática". Discuta como essa desconexão entre a teoria da política pública e a realidade pode gerar conflitos sociais, utilizando o exemplo da educação inclusiva.

3 - O depoimento do pai mostra a busca por um "espaço de pertencimento" para sua filha. Explique, com base na sociologia, o que significa a "diferença não ser peso" e a importância de um ambiente que promova o pertencimento para a identidade e o desenvolvimento social de um indivíduo.

4 - A política de "educação inclusiva" é apresentada como uma forma de dissolver o preconceito. Analise criticamente essa premissa, considerando o que o texto relata sobre a falta de preparo dos professores e a reação de pais e alunos. Como a Sociologia do Conflito pode nos ajudar a entender essa situação?

5 - O autor afirma que a inclusão, "no papel", se tornou uma "exclusão disfarçada" na prática. Discorra sobre como a implementação de uma política, mesmo com boas intenções, pode inadvertidamente reforçar processos de exclusão social.

domingo, 31 de agosto de 2025

Avaliação de desempenho que se transforma em perseguição (“Se um sistema educacional é um fracasso, a culpa é dos educadores, não dos educandos.” — Carlos Drummond de Andrade)

 

Avaliação de desempenho que se transforma em perseguição (“Se um sistema educacional é um fracasso, a culpa é dos educadores, não dos educandos.” — Carlos Drummond de Andrade)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

É isso que, no fim das contas, acaba acontecendo — e está acontecendo agora na rede estadual de educação. Professores estão sendo perseguidos, assediados e até expostos a divisões artificiais entre estudantes e docentes. O absurdo chegou ao ponto de alunos avaliarem seus professores, como se fossem juízes de um processo sem critério algum. O que deveria ser um instrumento de melhoria virou mecanismo de intimidação.

Enquanto isso, gestores e autoridades que descumprem a legislação permanecem impunes. Prefeitos, governadores e até o presidente escapam sem qualquer responsabilização. Queremos, sim, uma reforma administrativa, mas que puna os gestores que não cumprem seu papel e não aqueles que estão na linha de frente, ensinando em salas de aula sucateadas. Essa é a luta por justiça social que precisamos travar juntos, pelo Brasil.

Mas se a palavra é avaliação, que seja feita com seriedade e justiça. Em países como Finlândia e Canadá, por exemplo, o desempenho docente é acompanhado por equipes pedagógicas qualificadas, com foco em formação contínua e não em punição. Avaliações por pares, feedback construtivo e planos de desenvolvimento individuais mostram que é possível conciliar rigor e respeito. “A crítica sem proposta é apenas ruído”, dizia Paulo Freire — e talvez seja hora de lembrarmos que a educação precisa de políticas de apoio, não de linchamentos simbólicos. Um modelo equilibrado poderia transformar a avaliação em instrumento de crescimento, e não em arma de perseguição.

E aí surge a pergunta inevitável: que competência tem o estudante para avaliar o professor? Como disse um dos colegas: “É o poste mijando no cachorro!” Muitos alunos ainda não dominam plenamente a leitura, mas já se arrogam o direito de julgar a formação de seus mestres. Em algumas escolas, diretores chegam a orientar os alunos nas provas a portas fechadas, proibindo a presença dos professores. Outro docente resumiu: “É o mesmo que o bandido avaliar o policial pelas costas...”

Claro que o professor precisa ser avaliado — pela postura, pela dedicação, pela responsabilidade. Mas não por mecanismos distorcidos. “Não são todos, mas há professores que não dão aula e apenas enrolam”, reconheceu um educador. O problema é que, nesse modelo atual, o professor que exige mais pode ser punido, enquanto o que pouco ensina, paradoxalmente, recebe melhor avaliação.

Como desabafou uma professora: “Não desista de derrubar essa resolução de avaliação! Estamos sendo ameaçados e humilhados.” O retrato não poderia ser mais claro: em 2009, uma docente foi avaliada por alunos do 8º ano do estado. Sua comparação diz tudo: “É a banana comendo o macaco.”


https://www.instagram.com/reel/DMga1bMJU7h/?utm_source=ig_web_copy_link (Acessado em 31/08/2025)


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Para nossa aula de sociologia, vamos analisar este texto que aborda a polêmica avaliação de professores. Ele levanta pontos importantes sobre poder, educação e justiça social. Leiam-no com atenção e respondam às questões a seguir para aprofundarmos a discussão.


1 - O autor critica a avaliação de desempenho que se tornou um "mecanismo de intimidação" e "perseguição". Com base no texto, explique como essa prática reflete um problema maior de responsabilização no setor público brasileiro.

2 - O texto compara a avaliação de professores por alunos a situações como "o poste mijando no cachorro!" e "o bandido avaliar o policial pelas costas...". Analise sociologicamente o que essas metáforas revelam sobre as relações de poder dentro da escola.

3 - O autor aponta que o atual modelo de avaliação pode premiar o professor que "enrola" e punir o que "exige mais". De que maneira essa crítica questiona a justiça e a eficácia do sistema de avaliação?

4 - O texto sugere que, em países como Finlândia e Canadá, a avaliação é feita por "equipes pedagógicas qualificadas". Qual a diferença fundamental entre esse modelo e o criticado no Brasil, no que diz respeito ao objetivo da avaliação?

5 - A frase de Paulo Freire, "'A crítica sem proposta é apenas ruído'", é citada. De que forma o autor usa essa ideia para argumentar que a luta dos professores não é contra a avaliação em si, mas contra a falta de apoio e critérios justos?

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O Fim da Educação? ("Uma sociedade que não se preocupa com a educação de seus jovens, condena a si mesma à ignorância, pobreza e violência." — Mário Quintana)

 



O Fim da Educação? ("Uma sociedade que não se preocupa com a educação de seus jovens, condena a si mesma à ignorância, pobreza e violência." — Mário Quintana)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Uma professora de Curitiba, no Paraná, morreu de infarto dentro da escola. Um caso que, longe de ser isolado, escancara uma realidade assustadora na educação brasileira: ser professor se tornou uma profissão de risco, sinônimo de insalubridade. A violência, o estresse e a desvalorização estão matando os docentes de forma fulminante, por infarto ou agressão, ou gradualmente, sufocados pelo peso diário do ofício. Não à toa, especialistas preveem um enorme déficit de profissionais até 2040. Afinal, quem aceitaria arriscar a própria vida por um salário tão baixo e em condições tão precárias?

A responsabilidade por esse cenário tem nome e endereço: governos que reduzem a educação a meros números e secretarias que maquiam estatísticas. Políticos e gestores, por sua vez, fingem inclusão e valorização em um ambiente de abandono, criando políticas públicas que são uma farsa. A realidade é que não há inclusão de verdade, nem valorização real. O sistema trata alunos e professores como estatísticas, forçando a aprovação de estudantes sem condições de avançar, o que invalida o aprendizado.

As escolas cívico-militares, por exemplo, são apenas mais uma ilusão que maqueia os problemas reais. A disciplina e o respeito não dependem da presença de um militar. Essa é uma solução superficial para um problema que continua intocado: a falta de estrutura, de planejamento e de atenção aos profissionais.

A solução é mais profunda, e eles não querem que você saiba. É preciso reduzir o número de alunos por sala, pois uma sala com 40 estudantes não tem a mesma eficiência de uma com 15. É fundamental garantir a hora-atividade real, pois planejamento exige tempo, estudo e formação. É urgente investir em estrutura mínima — merenda, ventilação e materiais de qualidade — e oferecer acompanhamento psicológico aos professores, exaustos pela sobrecarga e pela pressão constante.

Essas medidas, embora não resolvam tudo, podem devolver dignidade ao ofício e permitir que o ato de ensinar volte a ser sinônimo de vida. É preciso que a sociedade e os governos entendam que, enquanto tratarem professores e alunos como números, a educação brasileira continuará caminhando para a extinção.


https://web.facebook.com/share/r/171YeaMKLo/ (Acessado em 27/08/2025)


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Como seu professor de sociologia, preparei cinco questões simples e discursivas para ajudar a refletir sobre as ideias presentes no texto. O objetivo é que você analise criticamente a relação entre educação, sociedade e o papel do Estado.


1 - O texto afirma que o professorado no Brasil está se tornando uma profissão de risco. Discuta, com base na sociologia do trabalho, quais fatores sociais e econômicos contribuem para essa insalubridade e perigo no ambiente escolar.

2 - A aprovação automática de alunos sem o devido aprendizado é apontada no texto como uma falha do sistema. Analise essa prática do ponto de vista sociológico, explicando como a maquiagem de estatísticas pode mascarar problemas sociais e impactar a formação da juventude.

3 - O autor do texto critica a visão das escolas cívico-militares como solução para os problemas educacionais. De que forma a presença de militares pode ser vista como uma resposta superficial a questões estruturais da educação, como a falta de recursos e planejamento?

4 - O texto sugere que a educação está "caminhando para a extinção". Explique, usando o conceito de instituição social, por que a desvalorização do professor e a falta de investimento podem levar ao colapso de todo o sistema educacional.

5 - Segundo o texto, a solução para a crise na educação passa por medidas como a redução de alunos por sala e o aumento da hora-atividade. Discuta a importância dessas propostas, sob uma perspectiva sociológica, para a qualidade do ensino e a valorização do profissional da educação.

sábado, 23 de agosto de 2025

As Facadas na Professora ("A violência é a linguagem do não-escutado." — Martin Luther King Jr.)

 


As Facadas na Professora ("A violência é a linguagem do não-escutado." — Martin Luther King Jr.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há momentos em que a realidade rasga o véu da normalidade com uma brutalidade que nos deixa sem voz. Foi assim que me senti ao saber do que aconteceu na Escola Municipal Monteiro Lobato, em Valparaíso de Goiás, naquela sexta-feira que jamais esquecerei.

Era uma tarde comum de agosto. O sol se deitava sobre o bairro Valparaíso II, tingindo de dourado as janelas da escola onde tantas crianças descobrem suas primeiras letras. Dentro daqueles muros, que deveriam ser abrigo do conhecimento, uma professora preparava suas aulas vespertinas, alheia ao fato de que sua rotina seria atravessada pelo frio corte de uma faca.

M.A.S., apenas 14 anos, cabelos ainda adolescentes emoldurando um rosto prematuramente marcado por fardos invisíveis, chegou à escola com o coração transbordando de uma dor sem nome. O irmão mais novo havia chegado em casa chorando – lágrimas que escorriam como acusações silenciosas contra a professora pela manhã.

Imagino o turbilhão de emoções dentro daquela menina: a indignação fraterna, o senso de justiça deformado pela imaturidade, a impotência diante de um sistema que não a escutava. Ela buscou a educadora, tentou dialogar, pediu explicações. Mas suas palavras se perderam no ar como gritos no deserto. O silêncio da professora deve ter soado em seus ouvidos como o ruído mais ensurdecedor do mundo.

E então, em dois gestos bruscos e definitivos, a faca rasgou não apenas as costas da vítima, mas também a inocência daquele lugar. Dois golpes que ecoaram além dos corredores da escola, reverberando nas consciências de todos nós que ainda acreditamos na educação como transformação.

Talvez aquele gesto tenha sido menos um ataque e mais um grito que não encontrou outra forma de existir. O silêncio que ela carregava não era apenas a falta de palavras, mas o acúmulo de frustrações e feridas invisíveis que ninguém percebeu. A faca foi apenas o instrumento de um desespero antigo, moldado pela negligência de adultos que não souberam ouvir. Esse silêncio – o não-dito, o engasgado, o ignorado – deveria nos assombrar mais do que a própria violência.

Imaginei a menina permanecer ali, em estado de choque, como se despertasse de um pesadelo apenas para descobrir que era real. O SAMU chegou, a polícia chegou, o mundo inteiro pareceu convergir para aquela escola onde o impensável se tornou palpável. A professora, felizmente, sobreviveu. Seus ferimentos não colocaram sua vida em risco, mas que cicatrizes invisíveis carregará para sempre?

Soube depois que M.A.S. já dava sinais. Os registros de indisciplina estavam lá, clamando por atenção. As convocações aos pais, o Conselho Tutelar, toda uma rede de proteção que funcionou tarde demais – como uma ambulância que chega depois da morte.

Hoje, enquanto escrevo, penso em quantas M.A.S. estão sentadas em nossas salas de aula neste exato instante. Quantos gritos de socorro disfarçados de indisciplina passam despercebidos? Quantos pedidos de atenção se transformam em atos desesperados?

A violência escolar não brota do nada; ela germina no terreno fértil da negligência emocional, da comunicação interrompida, do diálogo que nunca acontece. Naquela tarde de sexta-feira, não foi apenas uma faca que feriu; foi o silêncio coletivo que finalmente gritou.

E esse grito ecoou pelo país inteiro, lembrando-nos de que educar é muito mais do que ensinar matemática ou português. É olhar nos olhos, escutar o que não se diz, perceber que por trás de cada ato de rebeldia pode estar um coração em desespero, implorando apenas para ser visto.

Que esta tragédia não seja em vão. Que nos ensine, de uma vez por todas, que o diálogo é a única arma capaz de desarmar todas as outras.

https://portalcerradonoticias.com.br/professora-e-esfaqueada-por-estudante-em-escola-municipal-de-valparaiso-de-goias/ (Acessado em 23/08/2025)


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O texto que compartilho é uma excelente base para discutirmos temas fundamentais da Sociologia. Como um professor de Sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundar a reflexão e a análise do texto.

1 - O texto sugere que a violência escolar é um reflexo da negligência emocional e da falta de diálogo. Discuta como a ausência de comunicação entre família, escola e alunos pode contribuir para a escalada de conflitos.

2 - A crônica menciona que o ataque foi um "grito que não encontrou outra forma de existir". Analise essa ideia a partir do conceito sociológico de anomia social, discutindo como a falta de normas e a percepção de abandono podem levar a atos extremos.

3 - O texto aborda a falha das instituições de apoio, como o Conselho Tutelar, que "funcionou tarde demais". Reflita sobre a responsabilidade de diferentes instituições sociais na prevenção da violência e no suporte aos jovens em situação de risco.

4 - Considere a frase "educar é muito mais do que ensinar matemática ou português". Explique, sociologicamente, o papel da escola como um espaço de socialização, e não apenas de ensino formal, e por que a dimensão emocional é tão crucial.

5 - O autor fala do "silêncio coletivo que finalmente gritou". Discuta o que essa metáfora significa em termos de responsabilidade social. De quem é a responsabilidade de ouvir os sinais de desespero dos alunos antes que se transformem em violência?

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O Silêncio da Sala dos Professores ("A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele." — Hannah Arendt)

 



O Silêncio da Sala dos Professores ("A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele." — Hannah Arendt) 

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sempre imaginei a sala dos professores como um refúgio. Lá, eu acreditava que poderia respirar depois do turbilhão da sala de aula, trocar confidências, dividir risadas ou ao menos silêncios cúmplices. Mas, com o tempo, descobri que nem sempre é assim. Há dias em que esse espaço, em vez de acolher, sufoca. Às vezes, a sala dos professores adoece mais do que a própria sala de aula.

Vejo colegas que preferem nem descer até lá. Escolhem ficar sozinhos, cercados de provas para corrigir, diários para preencher, relatórios intermináveis. Talvez seja uma forma de escapar daquele ambiente pesado, em que o cansaço se acumula nos olhares e o desânimo se espalha pelas conversas interrompidas. Não é questão de antipatia pessoal ou de uma escola em particular. É o sistema, esse grande mecanismo impessoal, que nos desgasta de tantas maneiras.

As cobranças não cessam. Os índices, as metas, a pressão para “inovar” sem recursos, a sensação de competição entre nós — tudo isso nos distancia quando, na verdade, precisávamos estar mais próximos. Penso, muitas vezes, que os gestores e secretários de educação não percebem a gravidade dessa realidade. Fala-se de currículo, de tecnologia, de rendimento, mas raramente de inteligência emocional. Como se cuidar do coração e da mente fosse luxo. E não é. Pesquisas já mostram: cerca de 70% dos professores admitem algum nível de adoecimento emocional.

Eu mesmo sinto na pele o peso dessa estatística. Tratar da saúde do educador não é capricho, é urgência. É questão de vida, de permanência, de resistência. Quando não se cuida do professor, pouco a pouco ele desiste. Não de repente, mas no silêncio das pequenas renúncias: menos brilho no olhar, menos energia em sala, até que um dia não volte mais.

É por isso que acredito que precisamos de uma mudança cultural, mais profunda que qualquer plano de metas. O primeiro passo talvez seja devolver humanidade ao ofício: transformar as formações em espaços de escuta, abrir brechas para o diálogo real e, sobretudo, ensinar que antes de números, lidamos com pessoas. Curar a sala dos professores significa reaprender a olhar uns para os outros, reconhecer fragilidades, partilhar forças. Só assim poderemos resgatar a dignidade de nossa profissão — e a alegria de ensinar sem carregar o peso de uma solidão adoecida.

E então, o que resta? Uma profissão esvaziada, corredores sem entusiasmo, escolas que sobrevivem sem professores saudáveis. Porque, afinal, "todo mundo tá doente". E quando a sala dos professores deixa de ser lugar de encontro para se tornar espaço de desistência, não é apenas o professor que adoece — é a educação inteira que começa a ceder.

https://www.instagram.com/reel/DNI7CrRRJxe/?igsh=MTdqbm1sbzY5b2tw


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O texto que acabamos de ler nos faz pensar sobre o dia a dia na escola e o papel do professor. Como vimos, a sala dos professores, que deveria ser um lugar de apoio, pode acabar se tornando um ambiente de adoecimento. Vamos refletir sobre isso a partir da Sociologia.


1 - O texto afirma que a sala dos professores adoece mais do que a sala de aula. Explique qual a principal causa desse adoecimento, segundo o autor.

2 - A crônica menciona que o sistema educacional impõe "cobranças incessantes" e uma "sensação de competição". Discuta como essa competição pode afetar a solidariedade e a colaboração entre os professores.

3 - O autor defende que a "saúde do educador não é capricho, é urgência". Qual a relação, de acordo com o texto, entre a saúde emocional do professor e a qualidade da educação oferecida aos alunos?

4 - A frase "todo mundo tá doente" é uma generalização forte. Explique o que o autor quer dizer com isso e por que ele acredita que o adoecimento dos professores pode levar ao "esvaziamento" da profissão.

5 - O autor propõe uma "mudança cultural" na educação. Cite as propostas dele e explique por que ele as considera essenciais para resgatar a alegria de ensinar.