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MINHAS PÉROLAS

sábado, 23 de agosto de 2025

As Facadas na Professora ("A violência é a linguagem do não-escutado." — Martin Luther King Jr.)

 


As Facadas na Professora ("A violência é a linguagem do não-escutado." — Martin Luther King Jr.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há momentos em que a realidade rasga o véu da normalidade com uma brutalidade que nos deixa sem voz. Foi assim que me senti ao saber do que aconteceu na Escola Municipal Monteiro Lobato, em Valparaíso de Goiás, naquela sexta-feira que jamais esquecerei.

Era uma tarde comum de agosto. O sol se deitava sobre o bairro Valparaíso II, tingindo de dourado as janelas da escola onde tantas crianças descobrem suas primeiras letras. Dentro daqueles muros, que deveriam ser abrigo do conhecimento, uma professora preparava suas aulas vespertinas, alheia ao fato de que sua rotina seria atravessada pelo frio corte de uma faca.

M.A.S., apenas 14 anos, cabelos ainda adolescentes emoldurando um rosto prematuramente marcado por fardos invisíveis, chegou à escola com o coração transbordando de uma dor sem nome. O irmão mais novo havia chegado em casa chorando – lágrimas que escorriam como acusações silenciosas contra a professora pela manhã.

Imagino o turbilhão de emoções dentro daquela menina: a indignação fraterna, o senso de justiça deformado pela imaturidade, a impotência diante de um sistema que não a escutava. Ela buscou a educadora, tentou dialogar, pediu explicações. Mas suas palavras se perderam no ar como gritos no deserto. O silêncio da professora deve ter soado em seus ouvidos como o ruído mais ensurdecedor do mundo.

E então, em dois gestos bruscos e definitivos, a faca rasgou não apenas as costas da vítima, mas também a inocência daquele lugar. Dois golpes que ecoaram além dos corredores da escola, reverberando nas consciências de todos nós que ainda acreditamos na educação como transformação.

Talvez aquele gesto tenha sido menos um ataque e mais um grito que não encontrou outra forma de existir. O silêncio que ela carregava não era apenas a falta de palavras, mas o acúmulo de frustrações e feridas invisíveis que ninguém percebeu. A faca foi apenas o instrumento de um desespero antigo, moldado pela negligência de adultos que não souberam ouvir. Esse silêncio – o não-dito, o engasgado, o ignorado – deveria nos assombrar mais do que a própria violência.

Imaginei a menina permanecer ali, em estado de choque, como se despertasse de um pesadelo apenas para descobrir que era real. O SAMU chegou, a polícia chegou, o mundo inteiro pareceu convergir para aquela escola onde o impensável se tornou palpável. A professora, felizmente, sobreviveu. Seus ferimentos não colocaram sua vida em risco, mas que cicatrizes invisíveis carregará para sempre?

Soube depois que M.A.S. já dava sinais. Os registros de indisciplina estavam lá, clamando por atenção. As convocações aos pais, o Conselho Tutelar, toda uma rede de proteção que funcionou tarde demais – como uma ambulância que chega depois da morte.

Hoje, enquanto escrevo, penso em quantas M.A.S. estão sentadas em nossas salas de aula neste exato instante. Quantos gritos de socorro disfarçados de indisciplina passam despercebidos? Quantos pedidos de atenção se transformam em atos desesperados?

A violência escolar não brota do nada; ela germina no terreno fértil da negligência emocional, da comunicação interrompida, do diálogo que nunca acontece. Naquela tarde de sexta-feira, não foi apenas uma faca que feriu; foi o silêncio coletivo que finalmente gritou.

E esse grito ecoou pelo país inteiro, lembrando-nos de que educar é muito mais do que ensinar matemática ou português. É olhar nos olhos, escutar o que não se diz, perceber que por trás de cada ato de rebeldia pode estar um coração em desespero, implorando apenas para ser visto.

Que esta tragédia não seja em vão. Que nos ensine, de uma vez por todas, que o diálogo é a única arma capaz de desarmar todas as outras.

https://portalcerradonoticias.com.br/professora-e-esfaqueada-por-estudante-em-escola-municipal-de-valparaiso-de-goias/ (Acessado em 23/08/2025)


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O texto que compartilho é uma excelente base para discutirmos temas fundamentais da Sociologia. Como um professor de Sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundar a reflexão e a análise do texto.

1 - O texto sugere que a violência escolar é um reflexo da negligência emocional e da falta de diálogo. Discuta como a ausência de comunicação entre família, escola e alunos pode contribuir para a escalada de conflitos.

2 - A crônica menciona que o ataque foi um "grito que não encontrou outra forma de existir". Analise essa ideia a partir do conceito sociológico de anomia social, discutindo como a falta de normas e a percepção de abandono podem levar a atos extremos.

3 - O texto aborda a falha das instituições de apoio, como o Conselho Tutelar, que "funcionou tarde demais". Reflita sobre a responsabilidade de diferentes instituições sociais na prevenção da violência e no suporte aos jovens em situação de risco.

4 - Considere a frase "educar é muito mais do que ensinar matemática ou português". Explique, sociologicamente, o papel da escola como um espaço de socialização, e não apenas de ensino formal, e por que a dimensão emocional é tão crucial.

5 - O autor fala do "silêncio coletivo que finalmente gritou". Discuta o que essa metáfora significa em termos de responsabilidade social. De quem é a responsabilidade de ouvir os sinais de desespero dos alunos antes que se transformem em violência?

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