"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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terça-feira, 30 de junho de 2009

GRAMÁTICA É SÉRIO (O alfabetizado é escravo e o analfabeto é miserável e o semianalfabeto tolo)




Crônica

GRAMÁTICA É SÉRIO (O alfabetizado é escravo e o analfabeto é misirável e o semianalfabeto tolo)

terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade

          Era de costume, a professora pedagoga de formação parcelada, como "boa profissional" que era, sempre chegava mais cedo para escrever os recados da semana no quadro de avisos da sala dos professores. Apesar de serem recados úteis, ninguém os lia; um ou outro passava apenas os olhos e ria porque, quase sempre, estavam subscritos: à direção. Planejei usar, como desculpa, a crase mal empregada e dizer que o recado não era para mim, mas para a direção. Achei que os outros pensavam o mesmo. De tão cansada e desestimulada por não vê nada, do planejado acontecendo, ela então foi ao extremo quando, numa segunda-feira, ao me aproximar para ler os anúncios daquela semana, deparei-me com um forte apelo, em letras garrafais, colocado na parte superior do quadro, bem destacado: “LEIÃO”. Foi em um instante, enquanto fui ao bebedouro dos alunos tomar um copo d’água, que quando retornei, logo aquele quadro de avisos chamou-me a atenção novamente, agora com mais força. Um colega havia interpretado o então atrevido apelo, com uma boa pitada de humor, usando uma conjugação verbal um tanto estranha: “Se não puder leiar então leiam”. Disseram-me que a frase foi arte do professor Joaquim. Eu já tinha visto a conjugação do verbo Xerocar e, mais artisticamente, eu Tvjo que significa: ver televisão na primeira pessoa do presente do indicativo, mas naquele momento, tive que refletir um pouco mais sobre aquela locução verbal numa espécie de futuro do subjuntivo: “...puder leiar...”! Porém, para chegar alguma conclusão, precisei pensar em outra direção, não gramaticalmente. Questionei, para mim mesmo, a qualidade da formação acadêmica do profissional da educação, ou melhor, questionei minha qualidade profissional. Ao sair da sala dos professores, perguntei ao professor coordenador de turno Joaquim: Por que um bom número de profissionais da educação pública mantém seus filhos nas escolas particulares? Você não acha incoerente? Eu queria saber se esse comportamento tinha a ver com a qualidade de ensino público.
          — Eu colocaria minha filha para estudar numa escola pública sem receio algum! E você Rapelle?— pergunta ele para a coordenadora pedagógica em questão, na busca de apoio.
          — Meus filhos estudam em uma escola municipal e minha conclusão final é: não existe escola ruim e/ou professor ruim, mas, aluno ruim.
          Então me perguntei novamente: E o que é aluno ruim? Fui resmungando até a sala em que eu ia ministrar minha primeira aula daquela noite. Era uma turma de 8a série que tinha aluno cujo seu próprio nome não sabia escrever corretamente. Nessa turma, propus-me, com a ajuda da coordenadora pedagógica, ensinar os tipos de redação; no final do mês, então, pedi um texto dissertativo para somar nota àquele primeiro bimestre. Investi muito esforço e paciência para corrigir, folha por folha, os textos que me entregaram.
          No dia seguinte, ao devolvê-los corrigidos para que eles tomassem consciência das deficiências textuais, fui coroado com um abaixo assinado, contendo muitas assinaturas, reprovando-me como professor deles. Pelas conversas informais no pátio e pelas confidências até pensava que tinha alguns bons estudantes, ali! Fui traído!
          Passaram-se os dias; não pude me esquecer daquele dia, no qual, bem intencionado, havia decidido ensiná-los melhor, motivado pela reflexão feita sobre os erros ortográficos da professora coordenadora, responsável pelos os anúncios para os professores. E então, me perguntei quem era o ruim: eu, ou a escola, ou o aluno?
          Hoje depois de seis meses, retornei àquela escola para rever os amigos que ali deixei. O quadro de funcionários já não é o mesmo, mas o professor Joaquim continua lá com o mesmo espírito de humor, agora está lecionando matemática, contudo me contou um fato interessante, pareceu-me que ainda se lembrava da teoria de Rapelle: “... ruim é o aluno”.
           — Professor, tenho uma novidade para lhe contar, — disse-me ele entusiasmado — este ano vieram duas moças bonitas do colégio vizinho, ambas as moças acabaram de concluir o terceiro ano do Ensino Médio, magistério, foram colegas na mesma sala: uma veio para assistir aulas de reforço na 8a série porque se sentia fraca; a outra veio lecionar matemática para a mesma 8a série porque se achava muito forte.
          Não me convenceu. Ele, no final, se contradisse sem sentir. Já na saída, depois de termos cruzado com um senhor distinto.
          — Você viu esse senhor educado que passou aqui agora por nós! — disse Joaquim — É o pai da jovem professora de matemática da 8a série, minha colega. Ele é um político muito influente na cidade e consegue muitas coisas para nossa escola!
          Lamento pela evidente conclusão que o alfabetizado é escravo e o analfabeto é miserável e o semianalfabeto tolo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 15/08/2009
Código do texto: T1755025

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

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MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)




Crônica

MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

           Em nome da beleza, faz-se de tudo até passar fome! Porém, existem pessoas que pensam que é “bonito ser feio” e se valem de seus traços naturais para tirar proveito em algumas situações da vida. Como se não bastasse sua feiura tridimensional, um determinado sujeito levantou-se da cadeira de espera, com um ar ríspido e nervoso, usando passadas largas e pisadas fortes, dirigiu-se ao balcão da clínica que estávamos há horas e perguntou à moça recepcionista:
          — Que hora vou ser atendido?
          — Já lhe falei, – disse a moça enfadadamente – o atendimento aqui é por ordem de chegada.
          — Pois é por isso mesmo, – retrucou ele – por ordem de minha “chegada”, pois mudo o critério de atendimento, agora é por grau de beleza, não vê que sou o mais bonito aqui! (risos).
           — Eu falei de chegada e não de sua “chegada” – brincou a moça, jogando com as palavras, mas ele não estava para brincadeira.
          Foi aí que olhei mais atentamente para o sujeito. Queria ver se algum traço, daquele que se dizia lindo, se assemelhava com algo em mim, queria me sentir bem as suas custas.  Mas que 
figura mal traçada! Olhei seus cabelos lambidos, nada! Sua cara avolumada, nada! Suas roupas mascadas, nada! Enfim, seu aspecto pipa, nada! Era mesmo desalinhado de cima a baixo! Desejei que ele se virasse de perfil, mais uma vez, para que eu pudesse confirmar minha estética superior, esguia. Todavia, o homem apesar de muito querer ser atendido rapidamente, não discutiu mais e fez finca-pé para sair, quando a moça esbofou em um grito:
            — Espere, seu Claudeci, nós vamos atendê-lo, agora é sua vez.
           Mexi-me na cadeira novamente para aquela direção, pois ouvi meu nome, a palavra mais doce que meus ouvidos já provaram, porém foi difícil digerir. Ele voltou ao balcão com rapidez, enquanto eu conferia seu andar gravemente cambaleante, porque puxava da perna direita. O cara tinha o meu próprio nome! Então comecei refletir melhor, como um artesão diante de uma porção de massa de modelar disforme, querendo construir uma obra perfeita. Agora era uma questão de honra ao nome. De repente um raio de luz convenceu-me; é verdade, o nome Claudeci tem o mesmo morfema lexical de Claudicar, que significa manquejar, por isso, este nome é mais dele que meu! Assim, nessa introspecção, esforcei-me para me desvencilha totalmente daquela figura mal educada, porém não pudia, uma força moral nos unia. E agora já consigo ver que seus olhos tinham o formato dos meus! Seus sapatos eram tão grandes quanto os meus! E não é que ele pisava um pouco para fora como faço quando caminho! O médico dele era exatamente o meu médico! O seu problema deveria ser semelhante ao meu! Ele demorou ali, ao meu alcance visual, por apenas mais dois minutos, mas o suficiente para eu perceber, também, que a sua camisa era do mesmo vermelho que a minha. Agora eu como um artista comecei a trabalhar sua própria imagem, e meu olhar salvador restaurou-me também a alma, porque já admitia sua lógica. Ele tinha razão quando disse que era o mais bonito, pois estava me elogiando também, por extensão. O que não entendi até hoje, é por que fui atendido só depois dele se cheguei primeiro, e o atendimento era por ordem de chegada?! Tudo se acomoda a um ponto de vista cativo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 14/08/2009
Código do texto: T1754328


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A BABILÔNIA DE BRANCO (O pecado justificado)




Crônica

A BABILÔNIA DE BRANCO (O pecado justificado)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

          Por que está assim impecável, toda no linho branco?!
          — Hoje sou a pregadora oficial em minha igreja, é santa ceia! Não estou bem assim?
          Claro, é que a última vez que vi alguém todo vestido de linho branco, fiquei impressionado, esse não poderia ser uma pessoa comum porque não era Réveillon; talvez um fantasma! Porque de longe me parecia muito estranho, mas era meio-dia, na porta de um dos restaurantes mais movimentados de Goiânia! O que um fantasma faria ali em pé, escorado no portal, olhando para a rua? Seria um pagodeiro! Não, pagodeiro geralmente é negro, ele era loiro de olhos claros!
          À medida que fui me aproximando, reconsiderei, pode ser um Anjo! Por que não? Hoje, nos tempos finais, os Anjos visitam nosso meio! Ou não é assim que diz a Bíblia? Mas, as asas que vi eram apenas os reflexos da luz da porta desajustada. Por um instante, subiu-me às narinas um cheiro de incenso, então, agora me pareceu um pai-de-santo! Não, não podia ser, era muito jovem para isso! O cheiro vinha do detergente da lavanderia ao lado, foi fácil descobrir. Um garçom? Também não seria, pois eles não gostam de sair à rua uniformizados! Era um marinheiro que havia deixado o quepe na mesa do almoço, enquanto dava uma olhadinha aqui fora? Não, não tinha nenhuma divisa nos ombros! Eu vi quando se virou para sair. Então, desceu em direção ao açougue, do mesmo lado da rua, um pouco abaixo, mas, também, não era açougueiro porque ele vestia linho, e os seus sapatos estavam polidos! Na outra quadra, do outro lado da rua, avistei a enfermaria do Hospital São Lucas, que ficava nos fundos, desta vez, pensei que poderia ser um enfermeiro ou médico, as chances diminuíram quando levei em conta sua maleta preta na mão direita e óculos pretos no rosto, e, por último, também não entrou lá. Ele tirou do bolso da camisa um cigarro e continuou descendo a rua fumando. Não, um agente de saúde fumante não é coerente! Lembrei-me que os cabeleireiros também usam branco, porém não era o caso aqui, apesar do homem ter uns movimentos bastante delicados, ele era alto.
          E agora?! Diminuiu os passos, eu já estava a quase três metros atrás dele, quando olhou para mim, tentei disfarçar, olhando para baixo, todavia entendi que ele, apenas, queria se certificar que não estava sendo observado, nada percebendo, entrou rapidamente em uma porta de vaivém e desapareceu.
          Entretanto, para mim, a identificação daquele homem seria uma confirmação que o branco significa pureza e transmite paz, podendo o uniforme ser coerente com a função do indivíduo. Sentei-me em um banco da praça, de onde pudesse ver quem entrava e saia daquela porta que não parava de abanar. O local era um motel com placa de hotel, isto é, um lugar de encontros amorosos camuflados. Entravam e saiam constantemente pessoas acompanhadas. Por que o homem de branco entrou sozinho e até agora ninguém saiu sozinho?
          Às quinze horas, duas horas depois, quando já me preparava para desistir, de repente, uma mulher alta, mais ou menos da mesma estatura do referido homem, saiu de lá, sozinha, usando óculos pretos no rosto e uma maleta preta na mão direita, e com a outra mão empurrava um carrinho de bebê, contudo, a moça trajava-se como babá de família rica, vestia-se de branco; mas era uma saia tão curta e transparente que julguei ser uma prostituta Moderna, ou melhor, como dizem na gíria delas, uma delivery girl! Seus cabelos curtinhos, como costumam usar os homens, completaram os itens que me confirmavam a impressão de que tudo aquilo não passava de um cuidadoso disfarce. Caminhou fazendo o percurso de volta, ela andou tão rapidamente que não tive condições de acompanhá-la de perto! Porém, consegui, de relance, avistá-la quando entrou no mesmo restaurante, ali se misturou às outras mulheres que se trajavam mais ou menos parecidas. A cor branca predominava.
          Agora, quando vejo alguém vestido de branco me pergunto: Quem era o homem de branco e qual a sua ocupação profissional? Neste mundo negro, ainda tem professor que veste jaleco branco para disfarçar o pó de giz, quem dera fosse a carapuça, pois o que é branco não é sujo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 13/08/2009
Código do texto: T1752519


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Processador de Dinheiro Estragado PDE




Texto

Processador de Dinheiro Estragado (PDE)

Claudeci Ferreira de Andrade

          Meu companheiro, trabalhei como líder da segunda repartição dessa empresa por dois anos, só este ano, fui remanejado para cuidar deste museu que é da própria empresa e ali está o primeiro objeto de estimação, quero mostrá-lo. Desde quando chegou aqui, tem provocado grande admiração! Não sei quem o inventou, só sei que veio do Paraguai. Colocaram-no para funcionar por apenas um ano, em caráter experimental. Era um empréstimo, depois iria para outro lugar. Foi segundo as estatísticas do ano retrasado que ele foi reprogramado. No final do ano passado, preparamos a despedida: uma festinha, depois, uma reunião de avaliação das multiutilidades do tal objeto, na verdade ele é um processador. A mesma mulher que o trouxera, pretendia levá-lo. Do discurso que fizera quando o processador chegou, lembro-me, como se fosse hoje, de quase todas as palavras! Ela levantou-se da plataforma devagarzinho e pensativa, adiantou-se e disse:

           — O Processador é um instrumento gerencial de planejamento estratégico(...). O objetivo do equipamento é aprimorar a qualidade do produto final(...). Com esta tralha, a empresa ganhará autonomia para projetar o seu futuro(...). O acessório auxiliará as repartições da empresa a se organizarem de maneira eficaz e eficiente, concentrará esforços e recursos para promover melhoria, resolver seus problemas e realizar suas aspirações(...).

           Era uma senhora de aparência comum e pacata, porém ríspida em suas palavras, um tanto grosseira! Ela conduziu aquela reunião com muita destreza na qual cada um dos dezesseis departamentais relatava sua melhor experiência de trabalho com o Processador, recebia a apreciação e sentava-se. Eu permaneci, até o fim, em pé: todas as cadeiras estavam ocupadas; o anexo da secretaria estava lotado. Foram confirmadas as reservas por telefone e, como eu não tinha telefone fixo, fiquei sabendo já em cima da hora, porque um colega levou-me a tal simpósio. Tudo aconteceu no final do expediente, sob o comando da senhora IRATELY. A reunião foi iniciada às 20h. Logo após a abertura com um texto de autoajuda, ela ordenou a primeira departamental EXHIBITIVE, da repartição central, para se levantar e falar. EXHIBITIVE disse:

           — No dia em que bati meu carro, fui avisada de que não teria conserto, então depositei no gavetão da Parafernália o retrovisor, as rodas, correias, faróis, enfim todas as partes que sobraram do carro. A Parafernália devolveu-me um micromecanismo com 10.000 partes, apelidei-o de estranho projeto. Meu principal prazer é divertir a quem vem me ver com minha atividade. Ligo um interruptor e entretenho os visitantes com o toque de campainhas, a cintilação de luzes e o giro de centenas de rodas.

           — Muito bem, – disse a apreciadora – embora seu estranho projeto produza intensa e complicada atividade, ele não realiza nada que seja de fato útil!

           Tudo estava correndo muito bem! Achei que aquele momento seria o melhor para eu me manifestar, preparei-me mentalmente, respirei fundo e soltei a voz, dizendo:

           — Atenção, meu nome é CONJURER, o Processador devolveu-me um canário em uma gaiola coberta de forma que impedisse a entrada de toda luz, não posso dizer o que depositei no gavetão, segredo profissional! Mas o canário se tornou uma ave canora excepcionalmente bela. Aí percebi que as trevas que o cercavam lhe habilitaram a concentrar-se melhor na música.

           — Certo! – arriscou a apreciadora – Fica entendido que quando você fecha os olhos para as virtudes, seus sentidos, especialmente o da audição, se tornam muito mais aguçados para apurar e espalhar “desvirtudes”!

           Em seguida, a responsável pela terceira Divisão, a unidade do interior, SANDY falou:

           — Eu depositei na Tralha um saco de areia, e ela me devolveu um copo cristalino, límpido, com o qual dei a beber ao presidente geral da empresa, depois o coloquei numa redoma protetora para lembrar a visita do ilustre à nossa Divisão.

           — Ok! – fala a apreciadora animosamente – Esse copo se tornou para você uma coisa muitíssima preciosa historicamente. Muitos irão ver, ali, o copo na redoma protetora de vidro e ouvir a história de como havia dado de beber ao presidente, mas ninguém mais beberá nele da mesma forma.

           Esse copo está também neste museu, ali na exposição de objetos pequenos. Depois irá vê-lo.

           Sim, voltando ao assunto referente ao processador, a responsável pela quarta Divisão MOLTEN, num momento de desespero, fez uma loucura, e queria contar sua experiência. Ficou, então, em pé e disse:

           — Joguei-me dentro do gavetão do equipamento como uma pedra bruta, áspera e sem brilho, logo fui sugada para uma fornalha de alta temperatura, mas não perdi a consciência, senti meu corpo diluir e escorrer para uma fôrma com minhas medidas, depois fui empurrada para fora, purificada e reluzente, onde, as coisas ao meu redor, refletiam-se em meu ser!

           — É!!! – persiste a apreciadora em mostrar seu modo de ver – No ponto de fundição, as escórias foram tiradas, mas foi mentalmente tão doloroso como fogo literal. Não vale a pena ser espelho para os outros, porque tira-se-lhes a originalidade, destrói-se-lhes a personalidade e perde-se-lhes o equilibro emocional.

            A quinta participante da reunião SINGE, meio tímida, criou coragem.

           — Eu precisei de algumas cópias de uma carta de demissão para alguns funcionários pobres de espírito, mas quando coloquei estêncil e álcool no gavetão do Instrumento, imediatamente, fui lambida por uma baforada de fogo, porém sem maiores danos, apenas queimou o original da carta e a intensidade da luz cegou-me completamente. Depois o próprio Instrumento encarregou-se de fazer o milagre de reabilitação. Quando dissipou a fumaceira, voltei a enxergar.

           — Quero dizer, – a apreciadora tartamudeou — você correu grande risco de perder a vida e, por cima, terá que conviver, em todos os lugares, com os pobres, até o fim! Não é proveitoso discriminá-los.

           Nessa hora, sentir-me um pouco amparado, não que eu seja pobre de espírito, mas, é que nunca se sabe o dia de amanhã, não é verdade? Então, a apreciadora virou-se para tomar um gole d’água, enquanto isso, a sexta participante FEEDER ajeitava seu rascunho. Ela veio de longe para a reunião, como o processador ficava em uma sala nos fundos da empresa e tinha hora certa para funcionar, ela entrou por trás. Aí começou falando assim:

 — Eu não queria ser vista almoçando naquele dia, por isso escondi-me num canto da sala onde o acessório fazia sombra. Foi quando o aspirador dele recolheu os restos de comida que deixei cair, mesmo antes que eu terminasse, então em seguida, ele fez um barulho estridente, e um cheiro de massa assando incidiou o ar no ambiente. Não demorou nada, o acessório começou lançar pão por todos os lados, encheu a sala. Foi uma multiplicação maravilhosa! A partir daí, as pessoas foram atraídas para a empresa.

 — Parece-me maravilhoso! – disse a apreciadora – Todos se fartarão de pão quentinho, mas virão à empresa só para comer. Não é um bom motivo.

           Continuemos, quando da última fileira falou, quem havia acabado de chegar: FANATICALLY! Representante da sétima Divisão, ela era muito dedicada à religião, talvez por isso se atrasou, e falou como se ainda estivesse na igreja:

           — Eu desafiei a máquina, dei cinco minutos para que ela me provasse a existência de Deus! Tirei o meu relógio do pulso e joguei-o no gavetão e esperei enquanto algumas pessoas nos arredores cochicharam: “Deus nunca permitirá que ela leve a melhor nessa questão!” Mas, à medida que os minutos iam passando, eu comecei a assevera que a crença em Deus não era nada mais que uma superstição. Decorrido os cinco minutos, eu disse exultantemente: Ó Máquina, ainda estou esperando! Não aconteceu nada! Apenas perdi meu tempo e meu relógio.

           — Boa justificativa para o seu atraso, – bradou a apreciadora – agora terá que comprar outro relógio e aprender a contar melhor o seu tempo.

           Meu companheiro, você está entendendo minha explicação?

           — Estou hipnotizado com a beleza de sua narrativa e só agora entendi que os fatos são multíplices!

           É verdade, nessa seqüência vou lhe falar agora da oitava Divisão. Era a unidade de divulgação e sua responsável HELPER queria saber notícias do filho da vizinha que tinha ido para os EE.UU.

           — Solicitei ao aparelho que ele fizesse contato com o rapaz ausente. Coloquei mais dinheiro no gavetão até a quantia de mil reais. Não me importava com o dinheiro que teria que gastar, só queria encontrar o jovem. O Aparelho levou duas horas para encontrá-lo e projetá-lo na parede caiada, o qual pôde responder as perguntas dos presentes através do vídeo-fone.

          A apreciadora disse:

           — Esta pode ser a solução para se encontrar as pessoas perdidas, mas não poderá encontrar o mundo perdido! Agora, encontre o meu mundo e o traga de volta para mim.

          Meu companheiro, parece-me está um pouco distraído? O melhor reservei para o final. A nona representante TRINKET, no mesmo ritual, disse:

          — Um dia eu me aproximei do gavetão sem nada para fazer e/ou dizer. Tirei da bolsa uma laranja, descasquei-a e comecei a chupá-la. O Material intrigado com minha indiferente atitude censurou-me, abrindo uma janelinha onde atrás de uma tela, estava uma luz piscando e com uma voz metálica, perguntou: “O que podes me oferecer”? Continuei chupando a laranja sem dizer nada, fiz de conta que não ouvi nada. Quando acabei meu disfarce, volvi-me para o Material e interroguei calmamente: diga-me, a laranja era doce ou azeda? “Como posso saber, tu quem chupaste a laranja, não eu!” Então não pode adivinhar? Continuei perguntando. “Não, transformar é tudo.” Assim respondeu ele e fechou a janelinha.

          A apreciadora não suportou aquele depoimento arrastado e interrompeu:

         — Minha amiga, nunca zombe de alguém por não ter provado alguma coisa.

          Assim, como os iguais se protegem, um depoimento atrai outro semelhante. Foi então, sem que ninguém solicitasse, a responsável da décima Divisão GREEDY manifestou, cabisbaixa e lentamente, sua experiência:

           — Eu trouxe da pesquisa de campo, um punhado de pedras, carreguei-as com muito sacrifício. Coloquei-as no gavetão e o petrecho devolveu-me diamantes, rubis e outras gemas. Agora estou de fato alegre e triste: alegre por haver carregado alguns seixos, e triste por não haver carregado quantidade maior!

           — Bom investimento! – fala a apreciadora – Os que se esvaziam inteiramente da ganância permanecerão alegres para sempre. Os que não puderam receber a plena medida da alegria, por causa da ganância em sua vida, ficaram tristes, muito tristes.

          Nessa hora, fez finca-pé e levantou-se como se tivesse pressionada. Era a LUKEWARM e antão disse:

           — Descobri que fortes e estranhas correntes de vento sopravam para dentro do Utensílio quando a temperatura caia e dele para fora quando a temperatura aumentava. Então coloquei barras de gelo no gavetão; antes mesmo que eu terminasse a tarefa, elas foram sugadas para dentro do mesmo. Com o funcionamento, pouco tempo depois, a temperatura subiu no interior do Utensílio, mas o gelo não derreteu e foram sopradas para fora curiosas estruturas de cristal de gelo em coloridos tão belos que vão desde o brilhante amarelo, até o rosa, o marrom e o azul escuro. Verdadeiras obras de arte!

           — Vento simboliza profeticamente poder, – considerou a apreciadora – e, ganha-se poder ou se perde, com a variação da temperatura do mercado, porém o homem é morno socialmente. Não há quem mude!

          Meu companheiro, vire-se para cá, veja, esse C.P.F era o documento da representante da décima segunda Divisão MORTGAGER, ela tinha muitos problemas com ele. Foi assim o que ela disse:

          — Eu me sentia presa com meu nome no SPC, pensei em fugir para um país onde tivesse liberdade de consumir, mas primeiro, busquei a ajuda do Mecanismo, depositei meu documento no gavetão, decorreram 24h, estava ansiosa para receber os primeiros resultados. Quando finalmente rompeu a alvorada na cidade, mesmo cansada aventurei-me a subir ao compartimento de cima e olhar para dentro do Mecanismo. O que vi não foi tranquilizador: os números estavam lutando desesperadamente e todos os que se encontrassem àquela posição correriam o risco de perder a vida, então tratei de descer rapidamente. Por volta das onze horas da manhã do outro dia, eu, prisioneira, fui convocada ao principal vestíbulo de nosso edifício, onde o ar era muito rarefeito, para um anúncio importante. O Mecanismo comunicava que eu estava livre, contudo, tecnicamente estivesse livre, levou ainda mais nove horas para que afinal, me encontrasse em poder de mãos amigas. E foram essas últimas horas que me requereram maior paciência.

          A apreciadora dá seu parecer:

          — Essa demora destinou-se a lhe ensinar a ter paciência, e o paciente não faz dívida.

          Já a NOSEY participou de modo diferente:

           — Eu me agachei – disse ela – diante da abertura inferior para ver como a Ferramenta se comportava. E se desse algumas cutucadinhas com um cabo de vassoura? Foi quando as rodas arrebataram-no em fração de segundo e me surrou sem piedade com centenas de pedaços de madeira que quando não acertavam em mim faziam buracos na parede.

           — Então esse dia foi um dia de vitória! – ironizou a apreciadora – A Ferramenta estava indicando apenas sua ineficiência.

           E digo, meu companheiro, que com a mesma formalidade de outras mais conservadoras, participou a representante da décima quarta Divisão LANGIVITE, dessa forma falou:

           — No meu plantão de guarda para cuidar da Engrenagem nas horas noturnas, levei uma rede, pois era fácil de conduzi-la. Armei-a em uma haste móvel da Engrenagem, a outra ponta a um gancho fixado na parede que estava no lado oposto. Assim que deitei, a haste disparou em movimentos de vaivém que impeliram a rede num balanço cada vez mais alto. Perto do auge de uma oscilação, a Engrenagem, sem razão aparente, empurrou-me para fora da rede. Fui arremessada pelo ar, mas em vez de cair, planei por sobre o corredor e pousei sobre o tórax e o abdômen sem sofrer o menor arranhão!

           Fala a apreciadora:

           — É, pular naquelas circunstâncias para uma mera apresentação, isso seria presunçoso. Eis a razão por que você não se machucou, enquanto outras pessoas normais ficariam gravemente feridas ou até perderiam a vida! Isto é tudo que precisamos saber para o momento.

           Para você vê, companheiro, uma coisa puxa a outra. PURETA levanta-se inspirada na fala anterior:

           — Fui à meia-noite para uma execução com o Estrupício, pois minha atitude tinha a ver com reputação. Tirei toda a minha roupa e coloquei-a no gavetão, pois reconhecia a decadência de minha aparência, que recomendava uma reforma total. Vi, pelos vidros das pequenas aberturas do corpo do Estrupício, uma substância informe que terminaria em novas peças de roupa. Logo que me troquei, meus hábitos, planos, sonhos e perspectivas mentais sofreram alterações. Meus pensamentos concentraram-se na nova roupagem. No começo só eu, depois meu marido e então meus costureiros ficaram inteirados de que eu estava com uma nova vestimenta. Dentro de algum tempo, outros ficarão sabendo desse fato sem que lhes seja contado. Com uma nova vestimenta, nunca mais mereci um minuto de solidão.

           — Quando se recebe uma roupagem nova, – fala a apreciadora – os hábitos, as aspirações, as atitudes tomam outra direção. Os pensamentos concentram-se na aparêcia, e à medida que o caráter continua a se desenvolver, outros ficam cientes do processo.

 Todos nós já estávamos estressados, mas ainda faltava a BLINDNESS, então às apalpadelas se locomoveu até o corredor da sala, preparando-se para a saída e disse:

           — Em uma das vezes em que vim de carro para trabalhar com a Estrovenga, quando eu estava dirigindo o automóvel em alta velocidade, algo penetrou nos meus olhos e por isso me apresentei diante dos receptores da Estrovenga onde tinha espelhos que eu pudesse ver melhor os meus olhos, como se me consultasse ao médico, e um médico idoso de cuja visão já estava em declínio, depois de alguns minutos de exame, recebi um esguicho de colírio nos olhos, sentir intensa dor cauterizante e gritei! Não vi mais nada. A última imagem gravada em minha memória visual foi a do meu próprio rosto. A investigação posterior revelou que a Estrovenga velha pegou, por engano, uma outra substância que não tencionava usar.

           Fecha a apreciadora:

           — Todo o cuidado com os olhos é pouco, – admitiu ela distraidamente – quer suas intenções fossem boas ou não, o fato é que você ficou totalmente cega.

           Meu companheiro, gostaria de poder lhe contar mais sobre o PDE, porém o expediente encerrou, volte sempre, o museu estará totalmente ao seu alcance.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 12/08/2009
Código do texto: T1749610

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RECREIO INTERDISCIPLINAR (Conhecendo minhas medidas e limitações, reafirmo que gastar mais do que ganho é mera “burrice”.)




Crônica

RECREIO INTERDISCIPLINAR (Conhecendo minhas medidas e limitações, reafirmo que gastar mais do que ganho é mera “burrice”.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

          Certa vez, participei de uma conversa muito instrutiva na sala dos professores do Colégio Estadual Porfírio de Sousa. Começou quando, a professora de Língua Portuguesa perguntou ao professor de matemática:

           — Por que você escolheu matemática?

          — Porque a matemática é, já em si, divina – disse ele com um sorriso angelical – mesmo antes de ser representada pelos números, os seus signos abstratos já davam ao homem usufruto mensurável da existência. Então, essa ciência que trata das medidas, agora representada pelos algarismos, facilitou aos humanos suas relações, dando-lhes a oportunidade de representar as noções de quantidade e qualidade; promoveu o desenvolvimento dos seus raciocínios e tão necessariamente facilitou-lhes a justiça.

          A linguista, meio sem jeito, procurando fazer valer seu raciocínio, escolheu as palavras certas para mostrar seu aspecto de visão, mas não conseguiu senão mostrar sua arrogância, dizendo:

          — A matemática é muito fácil, aquelas fórmulas engessadas subestimam minha inteligência. Bastando-me decorar algumas delas e a tudo se resolve. Com a linguagem, sou criativa, pois nunca estou pronta e acabada, assim me posiciono como um ser vivo e atuante, transformo e sou transformada.

          O professor de Física, quase não conseguia esperar o momento certo de falar, entrou de supetão na conversa, dizendo:

          — O homem não saberia posicionar-se, como tal, no tempo e no espaço, sem os conhecimentos matemáticos, enfim, sem as noções exatas de quantidade e qualidade. Os valores das porções dão-lhe qualidade de vida, volvendo-o para o caminho do meio, isto é, o caminho do equilíbrio. Assim há maior aceitação das variedades, das formas, dos volumes e dos pesos universais. Também, fazendo do homem a parte ativa em todas as grandezas.

          — Isto tem a ver com as ciências humanas e não com as exatas! – Insiste a professora de língua.

          Nisso o professor de Ciências já estava com sua contribuição elaborada “na ponta da língua”.

          — Eu, como professor de Ciências, admito que a Matemática seja a Ciência das Ciências, entre os infindáveis benefícios prestados ao homem como um ser evolutivo, traz-lhe oportunidade para desenvolver o seu raciocínio sincrônico e diacrônico. É comprovado nos humanos que o exercício físico e mental promove-lhes desenvolvimento vital e dar-lhes tonicidade em todas as áreas e são muitas as vantagens neste aspecto. Quanto mais racional o homem, maior sua diferença dos outros seres e mais semelhante a seu Criador.

          — Por falar em Criador, eu gostaria de dizer que a Bíblia está cheia de números – levantou-se o professor de Ensino Religioso – números bem empregados nas relações proféticas. É como diz o princípio moral da Lei Divina: não se pode usar “dois pesos e duas medidas em um julgamento”, então o justo faz uso da matemática para ser honesto e merecer a aprovação do Céu e o bem-estar da consciência. Deus também Se utiliza dos números, a Seu modo, para mostrar Sua justiça, portanto devemos fazer o mesmo para com nossos semelhantes.

          A professora que abriu o debate fechou o mesmo com uma fala extremamente finalizadora:

          — Preciso ir para a sala, nosso recreio acabou, porém quero dizer uma última coisa a vocês: sem a linguagem, vocês não teriam se expressado tão bem!

          A sirene soou, e eles foram cada um para a sua sala. Fiquei só, naquele local, por alguns minutos a mais, enquanto o diretor chegava, no entanto o suficiente para eu refletir: por que fiquei calado o tempo todo se sou da mesma área da professora!?

          Não demorei muito para entender: o homem é exatamente o que ele calcula dele mesmo, e eu não sou diferente, conhecendo minhas medidas e limitações, reafirmo que gastar mais do que se ganha é mera “burrice”.

Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 11/08/2009
Código do texto: T1748238

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DESABAFO DE UM EX-TUTOR (Experimentei a separação de meus ideais)




Crônica

DESABAFO DE UM EX-TUTOR (Experimentei a separação de meus ideais)

Claudeci Ferreira de Andrade

          Estas foram minhas primeiras palavras, logo depois que recebi o veredicto de exoneração do cargo: apoio técnico pedagógico; Ou melhor, escorraçado da fiscalização e condenado à sala de aula, feliz, como se isso não equivalesse: “sair do espeto e cair na brasa” ou fazer “voltar o cachorro ao seu vômito”: — “De vidraça a estilingue.”

           Porém confesso, foram palavras que constituíram um angustioso clamor de terrível agonia. Experimentei a separação de meus ideais, ocasionando-me, como se fosse, a “segunda morte”. É quase impossível fazer você compreender o que suportei: – vou me ater aqui apenas no conveniente.
          Uma ilustração bastante adequada seria a de um marido que ama ternamente a sua esposa e acredita que ela também o ama. Chega, porém, o tempo em que, por alguma razão, ele começa a duvidar desse amor. A vida perde, então, o significado para ele. Isso constitui um dos motivos por que a “educação” é tão “poderosa” e “admirável”. Servimos a homens que nos amam, e só não podemos estar certos, a esse respeito, é de que o façam, “aconteça o que acontecer”.

          Depois de tudo, fiquei como alguém suspenso sobre uma cruz, numa verdadeira luta para decidir que rumo tomar, veio-me um certo pensamento: – “O Colégio João Carneiro dos Santos é a Terra Prometida”. Em primeiro lugar, eu sabia que ao fazer esta escolha, estaria separando-me de mim mesmo. Sempre o chamei de purgatório.

          Quando cheguei lá, diante do ponto temido, não pude olhar além dos portais da sepultura de mesmice. Agora, tudo que preciso é ter fé, simples fé, apenas. Excluiu-se-me a sensação do amor e da presença dos que se diziam amigos. Na verdade, meus irmãos permaneceram ao lado de minha cruz, mas eu não os conhecia. Não pude vê-los ou sentir a presença deles. Foi, então, que proferi as palavras deste texto. Eu não tinha o direito de crer que meus chefes amavam-me, pois me tornara uma ameaça para eles uma vez que cresci. No entanto, tudo estaria perdido se eu não mantivesse a fé no plano de Deus. Às vezes, levo as pessoas a crerem que caí no momento em que me fragilizei, mas afirmo: preferi ser eu mesmo.

          Hoje ninguém pode avaliar a alegria que sinto, conduzindo meus alunos à competência linguística, ao raciocínio lógico e a questionar o sistema educacional público. Temos de crer que a “coisa” vai melhorar independente dos que foram postos para nos dirigir. Quão grande é a necessidade que temos hoje de estudar, estudar e estudar!   Os que ocuparão as páginas dos bons livros são os que creem de maneira constante e firme, os que se constituem o supremo assunto de crescimento social.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 10/08/2009
Código do texto: T1746396

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Os diplomas não falam ( O que vale mais é a teoria ou a prática?)




Crônica

Os diplomas não falam ( O que vale mais é a teoria ou a prática?)

terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade

          Entre o trabalho e a diversão, fui assistir a uma Colação de Grau no Centro de Cultura e Convenções; uma noite de gala! Era mais uma do curso de Pedagogia da UEG no Regime Parcelado. Em meio os sons pesados e luzes coloridas, ainda pude perceber a disposição dos formandos com suas borlas, distribuídos numa organização quase perfeita. Digo, quase perfeita, porque não me absorveu todo o espírito, sair mentalmente em reflexão para as questões de dignidade humana.
           Então, nesse entusiasmo, comecei a ouvir vozes sublimares, entorpecendo-me como se projetado para fora de mim mesmo, e naquele ambiente onírico, todos estavam apontando o dedo para mim, e com vozes ecoantes em unissonância, ordenavam-me:
           — “Pense por um momento em seus colegas, eles estão obtendo um título da Universidade. Seus intelectos brilhantes dominam a história, filosofia, ciências, liderança e políticas. Eles se sentem, então, preparados para tirar o homem da ignorância e salvar o sistema educacional; com toda erudição, com todos os seus diplomas”.
           Devido aos gritos ufanos do auditório verdadeiro, estalou-me a alma e, de súbito, uma voz real de admiração quebra minha transcendência:
          — Isto é um terrível êxtase para eles, seus parentes e para mim, também!
           Assim percebi que estava só no delírio. Acordei do torpor! A responsabilidade tinha me chamado de volta para o plano terráqueo: o efetivo. Com toda a probabilidade, eu não mereceria estar ali, naquele auditório de gala, não fossem as lições de humildade aprendidas, de minha mãe, durante os primeiros doze anos de minha vida.  Mas, ainda estou na escola da abnegação. Como professor, a sociedade quer que eu tivesse aprendido o que ela precisa; assim não sei o que fiz. Por tantos anos, a “CONSTÂNCIA” foi minha professora pessoal. E só depois de tanto tempo, descobri que os meus diplomas são unicamente obras de arte, não me ensinaram a pensar e agir corretamente, portanto desconsidere meu enojamento nesta crônica inútil. Mas, insisto em dizer que os diplomas deveriam ser o galardão merecido de quem já faz tanto tempo que presta um serviço dedicado à sociedade, a cuidar dos filhos dos outros.
           No final de tudo, saí daquele santuário em busca de uma comprovação para me confortar com a certeza de que não estava “maluco”, e à primeira pessoa, das mais novas graduadas, que encontrei, pedi para ver seu diploma, mas ela me mostrou um canudo vazio, feito com um papel em branco, dizendo-me:
          — o verdadeiro diploma vem depois.
            É assim mesmo, teremos que estudar e praticar para fazer jus ao diploma que conquistamos. Porém, é em situações similares a essa, que damos vazão a pergunta: O que vale mais é a teoria ou a prática? 
http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/max-gehringer/2013/05/23/O-QUE-VALE-MAIS-TEORIA-OU-PRATICA.htm
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 08/08/2009
Código do texto: T1743293


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LEVANTE-SE! (mas quem vai começar a nova forma de ser aluno?)




Crônica

LEVANTE-SE! (mas quem vai começar a nova forma de ser aluno?)

terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade

          Alguém já tentara colocar um cadáver em pé, mas desistiu dizendo: “falta alguma coisa por dentro”. O clamor da sociedade é: “dar-me uma educação pública boa!” O clamor do professor é: “permita-me ensinar!” Quando o aluno se postula como estudante, aberto à aprendizagem; as modificações no sistema são inevitáveis.
           Se o atual modelo de aluno inverter seu foco, e procurar beber das aulas o conhecimento em vez de apenas calcular notas, nunca irar a bancarrota, mesmo nestes anos de crise educacional e apagão pedagógico. Por meio de diligente estudo nos livros, alunos poderão ser vinculados à classe culta. Com certeza, Ocorrerá uma metamorfose no ensino público. O novo aluno resulta numa escola nova. Nas cinzas do velho aluno é enterrado o velho professor, o velho sistema. O mercado de trabalho dá ênfase ao cidadão competente, oferece concursos para empregá-lo: novos métodos, novas tecnologias, nova linguagem, novo..., novo..., e novo...; mas quem vai começar a nova forma de ser aluno?
           Entrei para substituir uma professora de Língua Portuguesa, no colégio em que trabalho atualmente, pois a mesma usufruía de um contrato provisório. Logo na minha primeira semana de aula, numa turma de 2º ano do Ensino Médio, apresentaram-me a representante de classe, quando solicitei alguém para devolver umas redações corrigidas a seus respectivos donos. Porém, tinham algumas não identificadas, foi quando a surpreendi, induzindo a um colega, que não tinha cumprido a tarefa, para tomar posse de uma daquelas, sem nome, e reivindicar sua nota. Descobrindo esta avidez por mera nota, como se aquilo fosse novidade para mim, facilitei muito no primeiro bimestre a fim de que todos tirassem boa nota com intenção de agradá-los.
           Agora no segundo bimestre, ninguém quer assistir minhas aulas, isto é, tornaram-se piores alunos, eles têm suprimento de nota e creem que agora podem brincar um pouco mais. O que falta para o “cadáver ficar em pé” não é nota, é a influência de quem passou por uma renovação mental, de propósito e valores, é o conhecimento. Isto, sim, constitui-se o maior legado a favor dos clamantes por um bom sistema educacional público brasileiro.


Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 07/08/2009
Código do texto: T1742272



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