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terça-feira, 30 de junho de 2009

MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)




Crônica

MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

           Em nome da beleza, faz-se de tudo até passar fome! Porém, existem pessoas que pensam que é “bonito ser feio” e se valem de seus traços naturais para tirar proveito em algumas situações da vida. Como se não bastasse sua feiura tridimensional, um determinado sujeito levantou-se da cadeira de espera, com um ar ríspido e nervoso, usando passadas largas e pisadas fortes, dirigiu-se ao balcão da clínica que estávamos há horas e perguntou à moça recepcionista:
          — Que hora vou ser atendido?
          — Já lhe falei, – disse a moça enfadadamente – o atendimento aqui é por ordem de chegada.
          — Pois é por isso mesmo, – retrucou ele – por ordem de minha “chegada”, pois mudo o critério de atendimento, agora é por grau de beleza, não vê que sou o mais bonito aqui! (risos).
           — Eu falei de chegada e não de sua “chegada” – brincou a moça, jogando com as palavras, mas ele não estava para brincadeira.
          Foi aí que olhei mais atentamente para o sujeito. Queria ver se algum traço, daquele que se dizia lindo, se assemelhava com algo em mim, queria me sentir bem as suas custas.  Mas que 
figura mal traçada! Olhei seus cabelos lambidos, nada! Sua cara avolumada, nada! Suas roupas mascadas, nada! Enfim, seu aspecto pipa, nada! Era mesmo desalinhado de cima a baixo! Desejei que ele se virasse de perfil, mais uma vez, para que eu pudesse confirmar minha estética superior, esguia. Todavia, o homem apesar de muito querer ser atendido rapidamente, não discutiu mais e fez finca-pé para sair, quando a moça esbofou em um grito:
            — Espere, seu Claudeci, nós vamos atendê-lo, agora é sua vez.
           Mexi-me na cadeira novamente para aquela direção, pois ouvi meu nome, a palavra mais doce que meus ouvidos já provaram, porém foi difícil digerir. Ele voltou ao balcão com rapidez, enquanto eu conferia seu andar gravemente cambaleante, porque puxava da perna direita. O cara tinha o meu próprio nome! Então comecei refletir melhor, como um artesão diante de uma porção de massa de modelar disforme, querendo construir uma obra perfeita. Agora era uma questão de honra ao nome. De repente um raio de luz convenceu-me; é verdade, o nome Claudeci tem o mesmo morfema lexical de Claudicar, que significa manquejar, por isso, este nome é mais dele que meu! Assim, nessa introspecção, esforcei-me para me desvencilha totalmente daquela figura mal educada, porém não pudia, uma força moral nos unia. E agora já consigo ver que seus olhos tinham o formato dos meus! Seus sapatos eram tão grandes quanto os meus! E não é que ele pisava um pouco para fora como faço quando caminho! O médico dele era exatamente o meu médico! O seu problema deveria ser semelhante ao meu! Ele demorou ali, ao meu alcance visual, por apenas mais dois minutos, mas o suficiente para eu perceber, também, que a sua camisa era do mesmo vermelho que a minha. Agora eu como um artista comecei a trabalhar sua própria imagem, e meu olhar salvador restaurou-me também a alma, porque já admitia sua lógica. Ele tinha razão quando disse que era o mais bonito, pois estava me elogiando também, por extensão. O que não entendi até hoje, é por que fui atendido só depois dele se cheguei primeiro, e o atendimento era por ordem de chegada?! Tudo se acomoda a um ponto de vista cativo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 14/08/2009
Código do texto: T1754328


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