— "Quantas pragas mais serão necessárias para nossa libertação?" — murmurei para o café que esfriava entre minhas mãos. No Apocalipse, são sete, e a sétima é derramada no ar — deve ser vírus (Apocalipse 16:17). Os conselheiros de Faraó admitiram que as pragas haviam destruído a nação (Êx 10:7). Com a morte do primogênito em cada casa, os egípcios suplicaram a Israel que partisse. E assim Israel "emprestou" a riqueza de toda a nação, sem jamais devolvê-la (Êx 12:35-36). Em nome da pobreza, em breve, homens escravos dos ricos saquearão suas lojas. Chamamos isso de vingança divina.
Ontem, na reunião virtual da escola onde leciono, discutíamos o retorno às aulas presenciais. Professores e diretores, cada um em seu quadrado digital, debatiam como se nossas palavras pudessem construir uma ponte segura de volta à normalidade. O diretor, com aquele tom de quem já tomou sua decisão antes mesmo do encontro, falava dos protocolos de segurança como se fossem tábuas da lei recém-descidas do Sinai.
— O hibridismo educacional já não nos serve mais — declarou ele, ajustando a gravata que usava mesmo em casa, talvez para manter algum vestígio de autoridade nestes tempos líquidos. — Os pais clamam pelo retorno total.
"Clamam", pensei. Como os israelitas clamaram pelas carnes do Egito, esquecendo-se rapidamente do que significava a verdadeira liberdade. Curiosa a escolha do verbo. Clamar — tão bíblico, para uma discussão tão mundana. Analisando a atitude dos libertos no deserto, muitos clamaram pelas carnes do Egito; e então o Libertador lhes proveu codornizes. Sempre o fará, para que morram felizes. Não creio que seja apenas pelo lanche da cantina ou pelos bolos das festinhas comemorativas. Mas o vírus sabe esperar, entretido, quando eles comem próximos uns dos outros, sem máscara.
— Mas... e a variante Delta? — perguntou Marta, professora de biologia, sempre atenta às evidências científicas.
Vi o diretor suspirar — aquele suspiro digital, pixelizado.
— Os protocolos funcionam, Marta. E temos que pensar no psicológico dos alunos, na merenda, na socialização...
Ah, a merenda. As codornizes no deserto, pensei, com ironia. O pão e o circo que sempre nos mantiveram dóceis. Pergunto-me se a preocupação é realmente com o bem-estar dos alunos, ou se o objetivo é aplacar os pais, exaustos por manterem os filhos em casa. Preocupa-me o fato de que, como prova do retorno à normalidade, eliminaram as aulas síncronas. Parece que o “caixote” já não serve mais, está pequeno. Mas o espírito da multidão de Moisés continua presente. Será que, em todas as circunstâncias, o "pão e o circo" sempre cegam?
O mais curioso, porém, foi o final da reunião. Paulo, o supervisor sempre tão silencioso, tomou a palavra para falar sobre "colaboração comunitária" — um elegante eufemismo para o que reconheci imediatamente como uma política de denúncia.
— Precisamos que todos sejam vigilantes quanto ao cumprimento dos protocolos. Qualquer desvio deve ser reportado imediatamente à direção.
Imaginei crianças denunciando colegas por abaixarem a máscara para respirar melhor no intervalo, pais relatando professores que ousaram tomar café na sala dos professores, funcionários vigiando uns aos outros como sentinelas de uma guerra invisível. Consta que, na sétima pandemia do mundo, o denuncismo reaparece com força. Apesar de o vírus "Delta Plus" não ser a última versão do coronavírus, as medidas de prevenção continuam as mesmas.
A indústria do denuncismo é extremamente eficiente — e não dispensa fofoqueiros inconsequentes. Denunciar é uma voz fácil na boca do fraco. Na Bíblia, é mexericar. Quando o inapto tenta derrubar os que estão acima, é um pedido cruel de ajuda. Patrão que se apoia em informantes é vítima deles! O denunciante também se vinga do seu superior, entregando-o ao inimigo, jogando um contra o outro para se livrar das consequências. E, afinal, amigo não denuncia amigo!
Lembrei-me, então, de um versículo que minha avó sempre repetia: — "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai." Quantos fariseus modernos surgirão desta crise, brandindo suas máscaras e frascos de álcool em gel como símbolos de uma virtude que, na verdade, é apenas medo disfarçado de civismo?
Foi aí que percebi a ironia mais profunda: as pragas do Egito foram enviadas para libertar um povo, mas as nossas parecem nos aprisionar cada vez mais — não apenas em nossas casas, mas num sistema de desconfiança mútua, de vigilância constante, de uma nova normalidade que normaliza o medo do outro. O justo é aquele que faz justiça! Nem mesmo a igreja — que deveria existir para impedir que os pobres matem os ricos — consegue conter a violência. E quem poderá explicar a dignidade dos poderes invertidos? No Brasil, prefeitos e governadores, em sua maioria, não respeitam as ordens do presidente da república, mas ainda assim vomitam lições contraditórias de patriotismo e cidadania.
Não me entendam mal. O vírus é real, e a prevenção, necessária. Mas quando transformamos o outro em ameaça, quando cultivamos a delação como virtude, e quando nossa sobrevivência parece depender de nossa capacidade de desconfiar, algo fundamental se perde. Talvez seja isso que me incomoda na história bíblica das pragas — elas salvaram um povo, mas a que custo? Quantos inocentes pereceram para que outros fossem livres?
Terminei meu café já frio e voltei para dentro. Na mesa, meu plano de aula inacabado me aguardava. Como ensinar história em tempos em que o presente é tão incerto? Como falar de liberdade quando o medo nos consome? Ou... já não há mais verdade que nos liberte?
Talvez a verdadeira praga não seja o vírus, mas o que ele revela sobre nós — nossa fragilidade, nosso egoísmo, nossa disposição de abandonar o outro quando o barco ameaça afundar. Ou talvez, e é nisso que prefiro acreditar, esta seja apenas mais uma travessia do deserto, um tempo de provação antes da terra prometida.
Enquanto isso, mantenho minhas mãos erguidas, como aqueles que sustentavam os braços de Moisés na batalha contra Amaleque: "...Um homem que juntamente com Arão sustentava as mãos de Moisés em Refidim" (Êx 17.10). Não por cansaço, mas por esperança. Não por obrigação, mas por escolha. E se algum dia você me vir baixar os braços, por favor, não me denuncie. Apenas ajude-me a erguê-los novamente.
Porque, no fim, o que nos salvará não serão as pragas, mas a compaixão que sobreviver a elas.
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