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sábado, 12 de abril de 2025

Estilhaços na Noite de Santa Rosa ("Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica esse sofrimento." — Albert Camus [em "A Peste"])

 

Estilhaços na Noite de Santa Rosa ("Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica esse sofrimento." — Albert Camus [em "A Peste"])

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há noites em Campina Grande que descem mansas, quase preguiçosas, embaladas pela brisa morna que sobe da Borborema. A gente se acostuma com essa cadência — o burburinho distante dos carros, as luzes que piscam como estrelas caídas no asfalto. A gente quase acredita que a tranquilidade é a regra, um direito adquirido pela simples passagem das horas. Mas foi numa dessas noites — a de uma quarta-feira — que o véu da normalidade se rasgou com a violência de um raio inesperado.

Eu não estava lá, na Escola Estadual Antônio Oliveira, no bairro de Santa Rosa. E provavelmente ninguém que lê estas linhas estava. Mas a notícia chegou — primeiro como rumor, depois como uma confirmação gelada que nos atinge como estilhaços: um jovem, aluno da própria escola, tentou assaltar o vigilante ali dentro. Dentro dos muros que deveriam ser santuário do saber, da descoberta, do futuro. O impensável não apenas aconteceu, como deixou sua marca em sangue e medo.

Imagino a cena — não pelos vídeos frios das câmeras de segurança que circularam depois, mas pela ótica do coração apertado. A tensão no ar, o silêncio pesado que antecede a tempestade. O vigilante — um homem talvez acostumado à solidão das horas noturnas — guardando mais do que o patrimônio físico: guardando, talvez, a ilusão de segurança que todos nós almejamos. E, de repente, a invasão. Não de conhecimento ou curiosidade juvenil, mas da sombra, armada com a urgência desesperada do crime. Uma espingarda. Uma faca. Objetos que cortam, que ferem, que simbolizam a fratura exposta de uma sociedade em que um menino de dezenove anos cruza essa linha — e o faz dentro da própria escola.

O confronto. Rápido. Brutal. O som dos disparos ecoando no pátio vazio, talvez ricocheteando nas paredes onde, durante o dia, ressoam risadas e lições. O resultado: o jovem assaltante — o aluno — caído. Ferido não só no corpo, mas na trajetória que ali se desviava, talvez para sempre. Levado às pressas ao Trauma, para a sala vermelha — esse limbo entre a vida e o que poderia ter sido. O outro, o comparsa, engolido pela noite — uma pergunta sem resposta correndo pelas ruas.

Fico pensando nesse rapaz de dezenove anos. O que o levou até ali? Que ausências, que desesperos, que descaminhos o fizeram trocar o caderno pela arma, a sala de aula pelo cenário de um assalto fadado ao fracasso e à tragédia? Não há respostas fáceis. E a crônica não existe para julgar, mas para tatear as feridas abertas da nossa convivência. A escola — palco da esperança — transformou-se em palco de um conflito que espelha tantas outras batalhas silenciosas, travadas diariamente.

E o vigilante? O homem que reagiu — que cumpriu seu dever, talvez. Mas a que custo? Que peso carregará em sua memória? A noite, que deveria ser apenas mais uma, tornou-se uma cicatriz.

Hoje, as aulas seguiram — dizem as notas oficiais. A vida tenta retomar seu curso, como a grama que insiste em crescer entre as pedras. Mas algo se quebrou naquela noite em Santa Rosa. Não foi só a tentativa de roubo. Não foi só o corpo baleado. Foi um pouco da nossa inocência coletiva — da nossa crença de que certos espaços estariam imunes à barbárie.

Os estilhaços daquela noite voaram longe. Atingiram não apenas os envolvidos diretos, mas todos nós que habitamos esta cidade e sonhamos com um futuro menos áspero para nossos jovens. Resta a pergunta, pairando no ar junto com a poeira das investigações: como juntamos os cacos? Como evitamos que a escola — berço de tantos amanhãs — continue sendo palco de noites assim, tão dolorosamente presentes?

A resposta, talvez, não esteja apenas na polícia ou nos boletins médicos, mas em algo mais profundo — que precisamos, urgentemente, reencontrar dentro de nós e da nossa comunidade.


Como um professor de sociologia, analisando as ricas reflexões presentes na minha crônica, elaboro as seguintes 5 questões discursivas simples, focadas nos aspectos sociais abordados:


1. Ruptura da Normalidade e Percepção de Segurança: A crônica inicia descrevendo uma sensação de tranquilidade habitual que é subitamente quebrada ("o véu da normalidade se rasgou"). Do ponto de vista sociológico, como a ocorrência de um ato de violência inesperado em um local familiar (como a escola) afeta a percepção coletiva de segurança e a confiança na ordem social cotidiana?

2. A Escola como Espaço Social Simbólico: O texto enfatiza o significado da escola como "santuário do saber" e "palco da esperança". Analise sociologicamente o impacto da violência quando ela invade um espaço com uma carga simbólica tão forte para a socialização e o futuro dos jovens. O que esse evento revela sobre as contradições presentes na sociedade?

3. Determinantes Sociais da Violência Juvenil: Ao refletir sobre o jovem aluno, o cronista questiona: "Que ausências, que desesperos, que descaminhos o fizeram trocar o caderno pela arma?". Discuta, com base nessa reflexão, como fatores sociais (ex: desigualdade, falta de oportunidades, falhas institucionais, etc.) podem influenciar a trajetória de jovens e sua possível relação com a criminalidade.

4. Impacto Coletivo e Coesão Social: A crônica menciona que os "estilhaços daquela noite voaram longe", afetando a "inocência coletiva". Explique como um evento traumático específico, mesmo envolvendo diretamente poucas pessoas, pode gerar um impacto social mais amplo, abalando a coesão e exigindo uma resposta ou reflexão da comunidade ("como juntamos os cacos?").

5. Respostas Sociais à Violência: O texto sugere que as soluções para problemas como este vão além das respostas institucionais imediatas (polícia, hospital), apontando para a necessidade de "algo mais profundo" na comunidade. Que tipo de respostas sociais mais profundas a crônica parece sugerir como necessárias para lidar com as causas e consequências da violência, especialmente envolvendo jovens e o ambiente escolar?

Um comentário:

Claudeci Andrade disse...

https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2025/04/10/aluno-tenta-roubar-vigilante-de-escola-e-acaba-sendo-baleado-em-campina-grande.ghtml