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MINHAS PÉROLAS

Vale a pena viver - nem que seja para dizer que não vale a pena.
Mario Quintana

sábado, 12 de abril de 2025

A Escola Silenciada ("Primeiro estranha-se, depois entranha-se." Autor: Fernando Pessoa)

 

A Escola Silenciada ("Primeiro estranha-se, depois entranha-se." Autor: Fernando Pessoa)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa manhã comum de quarta-feira que percebi: a escola estava perdendo a voz. Não a voz literal — aquela que ecoa pelos corredores e quadros brancos —, mas a outra: a que forma, contesta, ensina e ousa dizer não. Essa voz, que um dia foi bússola, agora me soava como um sussurro abafado por aplausos protocolares e carimbos de satisfação.


A primeira pista surgiu numa reunião de pais. Um encontro para alinhamento de expectativas, diziam. Mas logo se revelou um tribunal informal. A cada fala do professor, um julgamento. A cada proposta pedagógica, uma objeção. “Acho que seria melhor mudar o conteúdo de História para algo menos... polarizador”, sugeriu um pai, com o sorriso de quem já trazia o veredito. A professora retribuiu o sorriso — não por concordância, mas por cansaço.


Foi então que percebi: o papel do docente vinha sendo reescrito — e não por ele. De formador de pensamento, passara a prestador de serviço. Bastava um feedback negativo no grupo de WhatsApp para que a direção o chamasse “só para conversar”. E a tal conversa, invariavelmente, era um eufemismo para: “veja se agrada mais os pais, está bem?”. A escola tornou-se um palco em que os professores atuam sem roteiro, tentando satisfazer uma plateia exigente e volúvel, que aplaude apenas o que lhe convém.


Lembro de uma colega recém-chegada que ousou propor um trabalho sobre desigualdade social. Em três dias, já enfrentava uma enxurrada de queixas. “Meu filho chegou triste em casa, professor não é terapeuta”, disseram. Em uma semana, o tema foi retirado da grade. Ela continuou, claro. Mas um pouco mais calada, um pouco mais retraída. Assim como todos nós.


O mais irônico é que, por trás de tantos discursos sobre autonomia, respeito e desenvolvimento integral, instalou-se uma pedagogia da conveniência. Educar, agora, é agradar. Questionar tornou-se arriscado. Reprovar, então, virou pecado. O aluno aprende cedo que basta uma reclamação estratégica para que o mundo se curve ao seu favor. E aprende rápido.


Outro dia, uma aluna me interrompeu no meio da explicação para dizer que não prestava atenção em minha aula, porque não concordava com nada que eu dizia. Quando tentei argumentar, ele avisou que sua mãe já estava “falando com a coordenação”. Saí da sala com um gosto amargo na boca — não era frustração, era impotência. Não se tratava mais de ensinar, mas de sobreviver ao dia sem desagradar demais.


Aos poucos, compreendi: a escola que escuta demais, sem critério, vai se esquecendo de ensinar. Cada vez que silencia uma orientação em nome do agrado, renuncia um pouco de si mesma. E a cada concessão sem debate, abre espaço para um vazio onde deveria haver reflexão.


Hoje, quando olho para os quadros repletos de fórmulas e palavras bonitas, me pergunto quantas delas ainda dizem algo verdadeiro. Porque educar não é entreter. Não é agradar. Não é evitar o choro, nem apagar as diferenças. Educar é, muitas vezes, frustrar com propósito. Fazer do incômodo um degrau. E isso exige coragem.


Mas a coragem anda sumida. Talvez esteja soterrada sob pilhas de avaliações externas, protocolos de conduta e relatórios de desempenho. Talvez tenha sido silenciada pelo medo de retaliações. Ou, quem sabe, ainda esteja ali, viva — esperando o tempo em que a escola volte a ser escola. Não uma loja de agrados, nem um balcão de queixas.


De tudo isso, fica uma certeza: a verdadeira educação não busca palmas fáceis. Ela busca transformação. E transformar, meu caro, nunca foi tarefa para os que temem desagradar.


Olá! Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples com base nas ideias principais do texto:


1. O autor descreve a perda da "voz" da escola, distinguindo-a da voz literal. Explique o que o autor entende por essa "voz" pedagógica e quais elementos do texto indicam que essa voz está sendo silenciada no ambiente escolar contemporâneo.

2. O texto apresenta a reunião de pais como um "tribunal informal". Analise essa metáfora, identificando os papéis sociais que pais e professores parecem assumir nessa dinâmica, e discuta como essa situação pode afetar a autonomia e a prática pedagógica dos educadores.

3. O autor argumenta que o papel do docente está sendo redefinido, passando de "formador de pensamento" a "prestador de serviço". Quais exemplos concretos do texto ilustram essa transformação? Discuta as implicações dessa mudança para a qualidade da educação e para a relação entre professores, alunos e pais.

4. A experiência da professora que propôs o trabalho sobre desigualdade social revela tensões entre a liberdade pedagógica e as expectativas dos pais. Sob uma perspectiva sociológica, como você analisa esse episódio? Quais são os possíveis impactos da supressão de temas relevantes para a formação crítica dos alunos?

5. O autor conclui que a "verdadeira educação não busca palmas fáceis" e que "transformar nunca foi tarefa para os que temem desagradar". Explique essa afirmação à luz dos exemplos apresentados no texto. Qual a importância da "coragem" mencionada pelo autor no contexto da prática educativa e da resistência às pressões externas?

Estilhaços na Noite de Santa Rosa ("Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica esse sofrimento." — Albert Camus [em "A Peste"])

 

Estilhaços na Noite de Santa Rosa ("Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica esse sofrimento." — Albert Camus [em "A Peste"])

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há noites em Campina Grande que descem mansas, quase preguiçosas, embaladas pela brisa morna que sobe da Borborema. A gente se acostuma com essa cadência — o burburinho distante dos carros, as luzes que piscam como estrelas caídas no asfalto. A gente quase acredita que a tranquilidade é a regra, um direito adquirido pela simples passagem das horas. Mas foi numa dessas noites — a de uma quarta-feira — que o véu da normalidade se rasgou com a violência de um raio inesperado.

Eu não estava lá, na Escola Estadual Antônio Oliveira, no bairro de Santa Rosa. E provavelmente ninguém que lê estas linhas estava. Mas a notícia chegou — primeiro como rumor, depois como uma confirmação gelada que nos atinge como estilhaços: um jovem, aluno da própria escola, tentou assaltar o vigilante ali dentro. Dentro dos muros que deveriam ser santuário do saber, da descoberta, do futuro. O impensável não apenas aconteceu, como deixou sua marca em sangue e medo.

Imagino a cena — não pelos vídeos frios das câmeras de segurança que circularam depois, mas pela ótica do coração apertado. A tensão no ar, o silêncio pesado que antecede a tempestade. O vigilante — um homem talvez acostumado à solidão das horas noturnas — guardando mais do que o patrimônio físico: guardando, talvez, a ilusão de segurança que todos nós almejamos. E, de repente, a invasão. Não de conhecimento ou curiosidade juvenil, mas da sombra, armada com a urgência desesperada do crime. Uma espingarda. Uma faca. Objetos que cortam, que ferem, que simbolizam a fratura exposta de uma sociedade em que um menino de dezenove anos cruza essa linha — e o faz dentro da própria escola.

O confronto. Rápido. Brutal. O som dos disparos ecoando no pátio vazio, talvez ricocheteando nas paredes onde, durante o dia, ressoam risadas e lições. O resultado: o jovem assaltante — o aluno — caído. Ferido não só no corpo, mas na trajetória que ali se desviava, talvez para sempre. Levado às pressas ao Trauma, para a sala vermelha — esse limbo entre a vida e o que poderia ter sido. O outro, o comparsa, engolido pela noite — uma pergunta sem resposta correndo pelas ruas.

Fico pensando nesse rapaz de dezenove anos. O que o levou até ali? Que ausências, que desesperos, que descaminhos o fizeram trocar o caderno pela arma, a sala de aula pelo cenário de um assalto fadado ao fracasso e à tragédia? Não há respostas fáceis. E a crônica não existe para julgar, mas para tatear as feridas abertas da nossa convivência. A escola — palco da esperança — transformou-se em palco de um conflito que espelha tantas outras batalhas silenciosas, travadas diariamente.

E o vigilante? O homem que reagiu — que cumpriu seu dever, talvez. Mas a que custo? Que peso carregará em sua memória? A noite, que deveria ser apenas mais uma, tornou-se uma cicatriz.

Hoje, as aulas seguiram — dizem as notas oficiais. A vida tenta retomar seu curso, como a grama que insiste em crescer entre as pedras. Mas algo se quebrou naquela noite em Santa Rosa. Não foi só a tentativa de roubo. Não foi só o corpo baleado. Foi um pouco da nossa inocência coletiva — da nossa crença de que certos espaços estariam imunes à barbárie.

Os estilhaços daquela noite voaram longe. Atingiram não apenas os envolvidos diretos, mas todos nós que habitamos esta cidade e sonhamos com um futuro menos áspero para nossos jovens. Resta a pergunta, pairando no ar junto com a poeira das investigações: como juntamos os cacos? Como evitamos que a escola — berço de tantos amanhãs — continue sendo palco de noites assim, tão dolorosamente presentes?

A resposta, talvez, não esteja apenas na polícia ou nos boletins médicos, mas em algo mais profundo — que precisamos, urgentemente, reencontrar dentro de nós e da nossa comunidade.


Como um professor de sociologia, analisando as ricas reflexões presentes na minha crônica, elaboro as seguintes 5 questões discursivas simples, focadas nos aspectos sociais abordados:


1. Ruptura da Normalidade e Percepção de Segurança: A crônica inicia descrevendo uma sensação de tranquilidade habitual que é subitamente quebrada ("o véu da normalidade se rasgou"). Do ponto de vista sociológico, como a ocorrência de um ato de violência inesperado em um local familiar (como a escola) afeta a percepção coletiva de segurança e a confiança na ordem social cotidiana?

2. A Escola como Espaço Social Simbólico: O texto enfatiza o significado da escola como "santuário do saber" e "palco da esperança". Analise sociologicamente o impacto da violência quando ela invade um espaço com uma carga simbólica tão forte para a socialização e o futuro dos jovens. O que esse evento revela sobre as contradições presentes na sociedade?

3. Determinantes Sociais da Violência Juvenil: Ao refletir sobre o jovem aluno, o cronista questiona: "Que ausências, que desesperos, que descaminhos o fizeram trocar o caderno pela arma?". Discuta, com base nessa reflexão, como fatores sociais (ex: desigualdade, falta de oportunidades, falhas institucionais, etc.) podem influenciar a trajetória de jovens e sua possível relação com a criminalidade.

4. Impacto Coletivo e Coesão Social: A crônica menciona que os "estilhaços daquela noite voaram longe", afetando a "inocência coletiva". Explique como um evento traumático específico, mesmo envolvendo diretamente poucas pessoas, pode gerar um impacto social mais amplo, abalando a coesão e exigindo uma resposta ou reflexão da comunidade ("como juntamos os cacos?").

5. Respostas Sociais à Violência: O texto sugere que as soluções para problemas como este vão além das respostas institucionais imediatas (polícia, hospital), apontando para a necessidade de "algo mais profundo" na comunidade. Que tipo de respostas sociais mais profundas a crônica parece sugerir como necessárias para lidar com as causas e consequências da violência, especialmente envolvendo jovens e o ambiente escolar?

domingo, 6 de abril de 2025

Cansados, mas não do que pensam ("O cansaço do corpo não é nada comparado ao cansaço da alma." - Clarice Lispector)

 


 

Crônica

Cansados, mas não do que pensam ("O cansaço do corpo não é nada comparado ao cansaço da alma." - Clarice Lispector)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Março de 2025. O cansaço que outrora nos alcançava apenas em outubro, como prenúncio do esgotamento ao fim do ano letivo, já se instalara entre nós, professores, com a força inesperada de uma tempestade. A manhã outonal, com suas folhas em espiral descendente, anunciava mais um dia que, embora envolto na aparência da normalidade, carregava um peso incomum — um fardo que nem o café forte, tampouco a promessa de descanso dominical, conseguia aliviar.

Ao cruzar o limiar da sala dos professores, pairava no ar a notícia da aposentadoria precoce de Marcelina — densa como a fumaça de um incêndio mal contido. Seus olhos, antes vivos e vibrantes, agora refletiam uma opacidade triste, marca de anos de dedicação exaustiva. Ela era apenas mais um nome a engrossar a alarmante estatística de colegas que, mesmo diante da redução salarial, preferiam abandonar o campo de batalha da educação.

Na sala de aula, o cenário se repetia: um calor sufocante esmagava cinquenta alunos em um espaço cada vez mais reduzido. As janelas, escassas e mal cuidadas, ofereciam alívio irrisório. As carteiras, riscadas com a tinta da frustração silenciosa, contavam histórias que jamais seriam registradas nos boletins. E nós, ali, persistíamos — tentando semear conhecimento num solo ressecado, onde o caos silencioso já se tornara rotina.

É fundamental reafirmar: amamos ensinar. Essa é a força que nos move, a razão pela qual resistimos — apesar de tudo. A exaustão que nos consome não vem da sala de aula, da troca com os alunos, do brilho nos olhos ao descobrir um novo conceito. O desgaste nasce da burocracia sufocante, dos relatórios estéreis que consomem nosso tempo, das tarefas repetitivas que nos afastam do planejamento cuidadoso, da correção atenta, do olhar individualizado que cada estudante merece. Pagam-nos por oito aulas, mas cobram vinte. E não contabilizam o trabalho invisível que atravessa os muros da escola, invade nossos lares, ocupa nossos fins de semana.

Mais desolador que a sobrecarga é o abandono. A ausência gritante de reconhecimento. Já senti na pele a violência — física e verbal — dentro da sala. Já vi colegas desmoronarem em lágrimas após ameaças. E ainda ouvimos, como punhal, a acusação de sermos os únicos responsáveis pelo fracasso escolar, como se tivéssemos o poder de converter em milagre pedagógico a complexidade de um abandono social estruturado.

Inevitavelmente, surge a pergunta: "por que não mudar de profissão?" Talvez porque, se todos os que ainda acreditam cederem ao cansaço, o que restará? Somos nós, com anos de estudo e formação rigorosa, que ainda sustentamos a frágil estrutura da educação, agarrados a um fio obstinado de esperança. Como bem respondeu um colega, quando questionado por uma mãe: "Se todos os médicos desistissem de clinicar porque os hospitais estão sucateados, quem cuidaria dos doentes?"

A verdade incômoda é que não estamos exaustos de ensinar — estamos exauridos de tudo que nos impede de fazê-lo com dignidade. Cansamos de educar filhos que não receberam os alicerces mínimos, de preencher formulários que parecem sem propósito, de conviver com a violência que ronda nossas salas e, ainda assim, carregar a culpa por cada aprendizado não alcançado — como se estivéssemos à frente de uma equação que ignora todas as variáveis.

Enquanto a sociedade não compreender que valorizar a educação é, antes de tudo, valorizar quem educa, continuaremos assistindo ao êxodo silencioso de profissionais como Marcelina — que preferem a incerteza da aposentadoria precoce ao desgaste de permanecer num sistema que suga sua energia e destrói sua paixão.

E assim seguimos, resistindo em março com a mesma fadiga de outubro, tentando reacender, a cada manhã, a chama da vocação que teimam em apagar. Porque, no fundo, não estamos em lados opostos. Estamos todos imersos nesta complexa jornada chamada "educação" — mesmo que, por vezes, a solidão da trincheira nos faça duvidar se alguém realmente se importa com a nossa luta.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado:


1. A crônica descreve a exaustão dos professores em março de 2025, comparando-a ao cansaço de outubro. Sob uma perspectiva sociológica, quais fatores estruturais e conjunturais do sistema educacional brasileiro podem contribuir para esse desgaste precoce dos profissionais da educação?

2. O autor menciona a sobrecarga de trabalho dos professores, que vai além das horas em sala de aula, incluindo burocracia e atividades não remuneradas. Como a sociologia do trabalho analisa a divisão do trabalho e as condições laborais na profissão de professor, e quais as possíveis consequências dessa sobrecarga para a saúde e a qualidade do ensino?

3. A narrativa aborda a falta de reconhecimento e o sentimento de abandono vivenciado pelos professores, além da injusta culpabilização pelo fracasso escolar. De que maneira a sociologia da educação pode explicar a posição social e o status da profissão docente na sociedade brasileira, e como essa percepção social impacta o trabalho e a motivação dos professores?

4. O texto alude a um ambiente escolar desafiador, com salas superlotadas e até mesmo relatos de violência. Como a sociologia pode analisar as dinâmicas sociais dentro da escola, considerando fatores como a infraestrutura, o número de alunos por turma e as relações de poder entre os diferentes atores (professores, alunos, gestão)?

5. Na conclusão, o autor apela para a necessidade de valorização da educação e dos professores pela sociedade. Qual a importância da valorização social da educação para o desenvolvimento de uma sociedade, segundo a sociologia? Que mecanismos sociais e políticos poderiam ser mobilizados para promover essa valorização?

sexta-feira, 4 de abril de 2025

A cola e o escândalo ("A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las." - Santo Agostinho)

 

A cola e o escândalo ("A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las." - Santo Agostinho)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma manhã comum de outono, com folhas dançando no chão e um certo cansaço pairando no ar. Entrei na sala de aula como quem entra num campo de batalha, mas ainda com o desejo tolo – ou teimoso – de encontrar ali um pouco de dignidade. Mal sabia eu que, naquela semana, a bomba viria do lugar mais improvável: das redes sociais.

Um aluno, com mais coragem do que juízo, decidiu registrar o momento em que colava descaradamente na prova. Não satisfeito com a façanha, publicou a imagem em seu perfil, rindo como quem tira sarro da própria sorte, como quem desafia o mundo e espera aplausos. O gesto viralizou entre os colegas, ganhou curtidas, risadas, comentários... e, claro, chegou aos ouvidos da direção. Chegou aos meus também, como uma bofetada. Pois, ouvi também, dizerem que quando um professor deixa o aluno colar é um desrespeito aos outros professores, recebi essa afirmativa como uma punição, administrada pelos próprios colegas que acreditaram nisso.

O mais espantoso não foi o ato em si – afinal, "colar não é novidade para ninguém". O que me deixou perplexo foi o julgamento que veio depois. E não falo do julgamento do aluno, mas do que recaiu sobre mim, o professor. Como se a responsabilidade da trapaça fosse minha, como se eu tivesse, de alguma forma, falhado em ensinar que a honestidade vale mais do que um dez no boletim. Houve aquele discurso de que "temos que responsabilizar os alunos que colam"... Como? Se depois temos que aprová-los, não importa de que forma. Talvez se atrevem tanto, por que já sabem que vão passar de série automaticamente!

Senti o chão se mover sob meus pés. Alguns colegas cochichavam nos corredores, outros se perguntavam se eu teria sido “distraído demais”. Mas, o que ninguém pareceu considerar foi que ensinar é uma arte com limites bem definidos: podemos guiar, mas não podemos controlar; podemos inspirar, mas não podemos impedir. Não sou carcereiro, sou educador.

Aquela publicação na internet não revelou apenas um aluno tentando enganar o sistema, mas também uma geração que, por vezes, confunde visibilidade com vitória e que troca princípios por curtidas. É duro dizer, mas não basta ensinar ética se ela não for desejada; não basta mostrar o caminho se o aluno escolhe o atalho – e ainda se gaba por isso.

Dias depois, veio a punição. A escola agiu, como devia, e o aluno, enfim, colheu o que plantou. Contudo, algo em mim já havia murchado. Não pela cola, não pela imagem exposta, mas por perceber que, mais uma vez, a sociedade preferia apontar o dedo para o educador, e não para quem erra por vontade própria.

Não, "nenhum professor em sã consciência incentiva a transgressão". Nenhum professor acorda pensando em como seus alunos podem burlar regras. Nossa missão, ingrata, às vezes, é formar gente de valor. E para isso, não basta explicar fórmulas ou cobrar redações: é preciso resistir, dia após dia, à ideia de que somos culpados pelo que o mundo se recusa a ensinar em casa.

Hoje, quando entro em sala, carrego mais do que livros. Carrego dúvidas, esperanças e um cansaço que só os que lutam pelo futuro dos outros conseguem entender. E mesmo assim, continuo, porque ainda acredito que vale a pena. Acredito que um único aluno que escolhe o certo por convicção compensa todos os que se perdem pelo caminho.

E é por isso que sigo. Porque educar é plantar, e plantar, como todos sabem, é um ato de fé.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado:


1. O texto descreve um ato de "cola" que é registrado e compartilhado nas redes sociais, gerando diversas reações. Como essa situação ilustra a influência das redes sociais na exposição e na percepção de comportamentos desviantes no contexto escolar?

2. A narrativa expressa a perplexidade do professor diante do julgamento que recai sobre ele após o ocorrido. Sob uma perspectiva sociológica, por que a figura do professor muitas vezes é responsabilizada por atos de indisciplina ou desonestidade dos alunos?

3. O autor menciona que a publicação online revelou uma geração que "confunde visibilidade com vitória e que troca princípios por curtidas". De que maneira essa afirmação se conecta com conceitos sociológicos como cultura do consumo, individualismo e a busca por validação social?

4. A escola aplica uma punição ao aluno que colou. Qual a função sociológica da punição em instituições como a escola? Como essa punição pode ser interpretada à luz das teorias sociológicas sobre controle social e socialização?

5. Na conclusão, o professor reflete sobre a dificuldade de formar "gente de valor" e a necessidade de resistir à ideia de que são culpados pelo que a sociedade não ensina em casa. Como a sociologia aborda a relação entre a escola, a família e a sociedade na formação de valores e na prevenção de comportamentos como a desonestidade acadêmica?

quarta-feira, 2 de abril de 2025

A Tragédia em Caxias ("A infância é um solo onde nada se planta em vão." - Abílio Guerra Junqueiro)

 

A Tragédia em Caxias ("A infância é um solo onde nada se planta em vão." - Abílio Guerra Junqueiro)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ah, Caxias do Sul... Uma cidade que ressoa com o trabalho, com o aroma das uvas e o sotaque inconfundível de quem construiu sua história com as próprias mãos. E eu cá em minha Senador Canedo, inspecionando o grupo dos professores no WhatsApp quando a notícia me atingiu: uma professora esfaqueada. Na Escola Municipal João de Zorzi. No dia primeiro de abril, ironicamente, um dia que deveria ser de brincadeiras, não de lágrimas e sangue.

Senti um nó na garganta, aquela sensação incômoda que nos lembra da fragilidade da vida, da tênue linha que separa a rotina pacata do caos repentino. Imaginei a cena: a sala de aula, talvez com desenhos coloridos nas paredes, o eco das vozes adolescentes, a professora explicando as nuances de um idioma estrangeiro, tentando abrir janelas para outros mundos na mente daqueles jovens. E então, o impensável. A violência que irrompe, a lâmina que fere, a inocência que se esvai.

Três adolescentes. Dois meninos e uma menina, com idades que mal completam a década. Quinze, catorze, treze anos. A polícia os apreendeu, como se pudesse conter a perplexidade que tomou conta da cidade. A mais jovem foi liberada após ser ouvida. Os outros dois, do sétimo ano, permaneceram sob custódia. O que teria levado esses jovens a um ato tão extremo?

O vice-prefeito falou em retaliação, uma vingança cruel contra a professora que, talvez, nem sequer soubesse a razão da fúria daquele garoto. A mãe fora chamada à escola por causa de mau comportamento... Uma dinâmica familiar complexa, um grito silencioso que encontrou uma forma brutal de se manifestar. Mas, o diretor da escola, com a voz embargada pela incredulidade, duvidava dessa versão. A conversa com a mãe fora amigável, o aluno não tinha problemas com a professora, apenas "questões pedagógicas", como se a frieza das palavras pudesse amenizar a gravidade do ocorrido. Ele suspeitava de um "fato isolado para causar algum impacto". Uma frase que ecoa como um soco no estômago. Causar impacto. A que custo?

A professora, pobre alma, foi socorrida e levada ao hospital. Ferimentos leves, disseram. Mas, a dor que trespassa a carne é apenas uma parte da história. O diretor contou que ela estava "inconformada". Uma palavra que carrega um peso imenso. A incredulidade, a quebra de confiança, o medo que se instala no lugar da segurança. Ela, que dedicava seus dias a ensinar, guiar e inspirar, viu-se alvo da violência dentro do próprio espaço que deveria ser um santuário de aprendizado.

Enquanto a prefeitura emitia notas oficiais, falando em suporte à comunidade escolar e acompanhamento dos alunos envolvidos, eu pensava nos pais, nos outros estudantes, na atmosfera carregada de medo e incerteza que pairava sobre a escola. As aulas suspensas, um silêncio forçado que não apagava o barulho da tragédia.

Fiquei imaginando aquela professora, agora em casa, talvez com um curativo discreto no corpo, mas com uma cicatriz muito mais profunda na alma. O que se passa na mente de alguém que é atacado por aqueles a quem se dedica? Onde foi que nos perdemos? Em que momento a escola, que deveria ser um farol de esperança, se tornou palco de tamanha violência?

Não tenho respostas fáceis. Apenas a constatação amarga de que algo se quebrou. A fragilidade da nossa sociedade exposta de forma cruel. A necessidade urgente de olharmos para nossas crianças e adolescentes com mais atenção, de entendermos seus medos, suas angústias, seus silêncios. De reconstruirmos os laços de confiança, de resgatarmos o respeito pela figura do professor, que tantas vezes é desvalorizado e esquecido.

Que este triste episódio em Caxias do Sul não seja apenas mais uma manchete nos jornais. Que ele nos sirva de alerta, de chamado à reflexão. Que possamos aprender com a dor e construir um futuro onde a escola seja, de fato, um lugar seguro e acolhedor para todos. E que aquela professora, mesmo "inconformada", possa encontrar a força para seguir em frente, sabendo que, apesar de tudo, sua missão de educar e transformar vidas continua sendo essencial.


https://g1.globo.com/google/amp/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/04/01/facada-em-professora-no-rs-apreendidos-caxias-do-sul.ghtml (Acessado em 02/04/2025)


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do texto, para estimular a reflexão sociológica:


1. A crônica descreve um ato de violência dentro de um ambiente escolar. De que maneira esse evento pode ser analisado como um sintoma de questões sociais mais amplas presentes na sociedade brasileira contemporânea?

2. O texto menciona a possibilidade de o ataque ter sido uma "retaliação" devido a uma chamada da mãe de um dos adolescentes à escola por mau comportamento. Sob uma perspectiva sociológica, como as relações entre família e escola podem influenciar o comportamento dos jovens?

3. O autor da crônica questiona: "Em que momento a escola, que deveria ser um farol de esperança, se tornou palco de tamanha violência?". Discuta como a sociologia pode nos ajudar a compreender as transformações no papel da escola e os desafios que ela enfrenta na sociedade atual.

4. A crônica destaca a reação de diferentes atores sociais diante do ocorrido (vice-prefeito, diretor da escola, prefeitura). Como a sociologia explica as diferentes interpretações e respostas de indivíduos e instituições frente a um evento social como esse?

5. Ao final, o autor apela para a necessidade de "olharmos para nossas crianças e adolescentes com mais atenção". Quais fatores sociais você considera que podem contribuir para a violência juvenil, e que medidas sociológicas poderiam ser propostas para prevenir eventos como o relatado na crônica?