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quarta-feira, 19 de março de 2025

O Olhar da Secretaria: Quando os Pais Dão as Ordens ("Onde termina o direito de um, começa o do outro." - Provérbio popular)

 

O Olhar da Secretaria: Quando os Pais Dão as Ordens ("Onde termina o direito de um, começa o do outro." - Provérbio popular)

Por Claudeci Ferreira de Andrade


O sol nasceu como sempre, pontual e indiferente às inquietações do dia. No pátio da escola, as folhas secas dançavam ao sabor do vento, enquanto professores chegavam com seus planos de aula e olhares esperançosos. A rotina, no entanto, há muito deixara de ser previsível.


Mal havia tomado meu café quando fui surpreendido por uma mãe que adentrou a secretaria sem a menor cerimônia. Sem sequer um "bom dia", disparou: "Meu filho tem autismo. Vocês o colocaram no turno da manhã, mas ele tem o direito de escolher o horário. Ele não acorda cedo. Quero que ele estude à tarde."


Respirei fundo. Não havia turma disponível para ele naquele período. Expliquei com paciência a situação, mas a resposta veio imediata e peremptória: "Criem uma turma então. É direito dele." A diretora, ao meu lado, trocou um olhar de cansaço comigo. A escola, já sobrecarregada por inúmeras demandas e limitações, não tinha como criar uma sala do nada. Contudo, argumentar naquele momento parecia inútil.


E as exigências não paravam por aí. Outra mãe, imbuída de uma convicção inabalável sobre seus direitos, anunciou que assistiria às aulas do filho. Seu objetivo era avaliar de perto o trabalho da profissional de apoio e da professora, exigindo ainda um relatório diário detalhado sobre o progresso do menino. Para garantir que tudo estivesse de acordo com suas expectativas, determinou que fotos da criança fossem tiradas e enviadas diretamente para ela. "No início do ano, eu mesma vou estar presente na sala", afirmou, sem deixar qualquer margem para contestação. "Quero ter certeza de que ele está bem."


Se os desafios da educação inclusiva em um sistema já fragilizado não fossem suficientes, os corredores da escola pareciam se transformar em palcos de uma constante vigilância materna. Relatos de outros professores confirmavam essa nova tendência: mães que não se despediam na porta da escola, mas permaneciam na recepção, observando cada movimento, cochichando entre si e, por vezes, criticando abertamente a postura dos docentes. "Eu não gostei da professora!", ouvi uma delas proferir em tom de reprovação.


Ali estavam elas, oscilando entre o zelo excessivo e o autoritarismo, entre a proteção e uma intromissão que beirava o desrespeito. A escola, um espaço que deveria primordialmente fomentar o aprendizado e a autonomia dos alunos, parecia refém de uma nova geração de pais que, talvez por excesso de cuidado ou insegurança, não conseguiam soltar as rédeas.


Ao final daquele dia exaustivo, enquanto organizava minhas anotações, uma reflexão me assaltou a mente: onde precisamente termina o legítimo direito dos pais e onde começa o exagero prejudicial ao processo educativo? O desejo compreensível de garantir o melhor para um filho não deveria, em hipótese alguma, comprometer o funcionamento de uma instituição inteira. Na tênue fronteira entre direitos e deveres, uma certeza se consolidava: lecionar, nos dias de hoje, tornava-se cada vez menos sobre a transmissão de conhecimento e cada vez mais sobre a gestão de demandas parentais que pareciam não ter fim.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:


1. A crônica descreve uma situação em que pais expressam demandas específicas e, por vezes, inflexíveis em relação à educação de seus filhos. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar essa crescente assertividade dos pais no ambiente escolar e quais fatores sociais podem estar contribuindo para essa mudança de comportamento?

2. O texto aborda a tensão entre os direitos individuais dos alunos (defendidos pelos pais) e as necessidades e possibilidades da instituição escolar como um todo. Do ponto de vista da sociologia das organizações, como podemos entender os desafios enfrentados pela escola ao tentar equilibrar as demandas particulares com o funcionamento coletivo e a equidade para todos os alunos?

3. A crônica menciona a "vigilância materna" e a crítica aberta ao trabalho dos professores. Sob uma perspectiva sociológica, como a relação de confiança entre pais e educadores está sendo afetada por essas dinâmicas? Quais as possíveis consequências dessa erosão da confiança para o processo de ensino-aprendizagem e para a própria imagem da profissão docente?

4. O autor reflete sobre o limite entre o legítimo direito dos pais de se envolverem na educação dos filhos e o exagero que pode prejudicar a autonomia da escola e o trabalho dos profissionais. Do ponto de vista da sociologia da família e da educação, como podemos definir e compreender essa fronteira? Quais princípios sociológicos podem nos ajudar a discernir entre um envolvimento parental saudável e uma interferência excessiva?

5. A conclusão da crônica aponta para a ideia de que lecionar hoje em dia envolve cada vez mais a gestão de demandas parentais. Sob uma perspectiva sociológica do trabalho e das profissões, como essa mudança no foco da atuação docente impacta a identidade profissional dos professores, sua motivação e a qualidade da educação oferecida?

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