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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 18 de março de 2025

A Agulha que os Uniu ( "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso.")

 

A Agulha que os Uniu ( "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso.")

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há momentos em que a rotina escolar é interrompida por eventos que mudam tudo. Naquela sexta-feira, a atmosfera parecia ser a de sempre: o sol de março aquecendo as salas de aula em Laranja da Terra, o cheiro de giz no ar, o burburinho dos adolescentes nos corredores da escola estadual. Ninguém poderia imaginar que uma simples aula de ciências experimentais transformaria não apenas aquele dia, mas semanas inteiras de vida para todos na comunidade.

Foi no intervalo que a notícia começou a se espalhar. Grupos de alunos se aglomeravam, cochichando com expressões alarmadas. "Você fez o teste? Usou a mesma agulha?" As palavras flutuavam pelo pátio como pássaros agourentos. O professor de português notou algo estranho ao ver Mariana, uma aluna da 3ª série conhecida por sua seriedade, com o semblante preocupado.

"Professor, o senhor não ficou sabendo? Na aula de química, estávamos fazendo um experimento para descobrir nossos tipos sanguíneos e..." Ela hesitou, a voz embargada, "o professor usou a mesma agulha em todo mundo."

Um calafrio percorreu a espinha do professor. Mesmo sem ser da área da saúde, qualquer um compreenderia o risco. A imagem da mesma agulha perfurando dezenas de dedos adolescentes formou-se na mente de todos como um pesadelo em plena luz do dia.

Na sala dos professores, o caos reinava. A coordenadora pedagógica, sempre tão composta, gesticulava freneticamente ao telefone. "Sim, quarenta e três alunos. Todos precisam ser examinados imediatamente." Seu olhar cruzava com o dos colegas — medo, responsabilidade, culpa, tudo misturado nas pupilas dilatadas.

A notícia se espalhou rapidamente por Laranja da Terra, como fogo em palha seca. A cidade, normalmente tão pacata, foi tomada por um redemoinho de ansiedade coletiva. Pais chegaram desesperados à escola, alguns chorando, outros gritando por explicações. O professor de química, até então admirado por seu entusiasmo em tornar a ciência tangível, foi escoltado para fora do prédio, cabisbaixo, carregando uma caixa com seus pertences.

Alguns professores acompanharam os alunos ao hospital municipal. A sala de espera transbordava de adolescentes tentando disfarçar o medo com piadas nervosas. Carlos, um garoto tímido da 2ª série, sentava sozinho num canto. O professor de português se aproximou dele.

"Está tudo bem?"

O menino levantou os olhos marejados. "Professor, minha mãe tem HIV. Ela não me contaminou porque os médicos cuidaram de tudo quando nasci. E agora... agora pode ter sido tudo em vão."

O peso daquelas palavras atingiu o educador como um golpe físico. Não se tratava apenas de exames e procedimentos — eram vidas, sonhos, futuros que tremiam diante do desconhecido.

Nos dias seguintes, uma sucessão de reuniões tumultuadas tomou conta da cidade. A secretária de educação, normalmente tão protocolar, chorou durante uma videoconferência. Pais abraçavam seus filhos no estacionamento da escola como se pudessem protegê-los retroativamente. A solidariedade nasceu em meio ao caos — famílias oferecendo apoio umas às outras, médicos voluntariando-se para esclarecer dúvidas após o expediente.

O pior, no entanto, foi o estigma. Uma aluna soluçava no banheiro: "Ninguém quer sentar comigo no ônibus." Mesmo com os primeiros resultados negativos, o medo havia criado fronteiras invisíveis entre os adolescentes.

Durante uma aula extraordinária sobre empatia e saúde, organizada pelo professor de português, um dos alunos levantou a mão.

"Professor, por que isso aconteceu? Não ensinaram ao professor de química que não se compartilha agulhas?"

Houve um silêncio por alguns segundos. O professor buscava as palavras certas.

"Às vezes," respondeu finalmente, "mesmo pessoas inteligentes cometem erros graves. É preciso mais que conhecimento para sermos responsáveis — é preciso consciência. E talvez este seja o aprendizado mais importante que levaremos desta experiência."

Um mês depois, os alunos entraram em sala de aula, diferentes. Havia uma sobriedade em seus olhares que não existia antes. Os resultados dos segundos testes chegaram no dia anterior — todos negativos, para alívio de toda a comunidade. Mas algo havia mudado para sempre naquela escola.

O professor percebeu isso ao passar pela sala de ciências e ver um novo cartaz feito pelos próprios alunos: "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso." Abaixo, as assinaturas de todos os quarenta e três estudantes envolvidos no incidente.

Uma única agulha os feriu. Mas também os uniu em uma lição que nenhum currículo escolar poderia ensinar — sobre fragilidade, responsabilidade, e o valor da saúde que tão facilmente tomamos por garantida. E, principalmente, sobre como ações, mesmo as aparentemente pequenas, podem ter consequências que se espalham como ondas em um lago tranquilo.

Laranja da Terra continuava a mesma, com o sol ainda brilhando sobre os telhados coloridos, o sino da escola tocando nos mesmos horários. Mas algo sutil e profundo havia mudado em cada um deles. Como uma cicatriz invisível que, mesmo curada, nunca os deixaria esquecer.


https://g1.globo.com/es/espirito-santo/sul-es/noticia/2025/03/18/mais-de-40-alunos-vao-parar-no-hospital-apos-usarem-agulha-compartilhada-em-aula-no-es.ghtml (Acessado em 18/03/2025)


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:

1. A crônica narra um evento inesperado que gerou grande comoção na comunidade escolar de Laranja da Terra. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a reação da comunidade (alunos, professores, pais) diante desse acontecimento e quais elementos sociais contribuíram para a disseminação da notícia e do sentimento de apreensão?

2. O texto destaca o medo e a preocupação dos alunos, especialmente no relato do menino Carlos sobre o histórico de HIV na família. Do ponto de vista da sociologia da saúde, como o estigma associado a doenças como o HIV pode impactar as relações sociais e a experiência individual em situações de vulnerabilidade como a descrita na crônica?

3. A crônica descreve a reação da coordenadora, do professor de química e da secretária de educação diante do ocorrido. Analisando o papel da escola como uma instituição social, como podemos interpretar as diferentes manifestações de responsabilidade, culpa e solidariedade por parte desses atores sociais?

4. O texto relata que, apesar dos resultados negativos dos exames, houve um estigma em relação aos alunos envolvidos. Sob uma perspectiva sociológica, como o medo e a falta de informação podem levar à criação de fronteiras sociais e à discriminação dentro de um grupo, mesmo diante da ausência de uma ameaça real comprovada?

5. A reflexão final do professor sobre a importância da consciência e da responsabilidade, além do conhecimento técnico, para evitar erros graves, pode ser analisada sob o prisma da sociologia da moralidade e dos valores sociais. De que maneira a internalização de valores como responsabilidade e cuidado com o outro contribui para a manutenção da ordem social e para a prevenção de eventos como o narrado na crônica?

domingo, 16 de março de 2025

O Casamento Entre o Sagrado e o Humano ("A letra mata, mas o espírito vivifica." - Bíblia Sagrada, 2 Coríntios 3:6)

 

O Casamento Entre o Sagrado e o Humano ("A letra mata, mas o espírito vivifica." - Bíblia Sagrada, 2 Coríntios 3:6)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O burburinho digital daquele dia ecoava em minha mente como um coral desafinado. A faísca inicial, uma pergunta direta sobre a sacralidade do matrimônio e sua aparente exclusividade heterossexual, inflamou uma discussão virtual acalorada. Não participei ativamente; apenas observei as palavras jorrarem na tela, cada comentário uma pincelada em um retrato multifacetado de crenças e convicções.

Lembro-me da veemência de alguns, citando escrituras com a certeza de quem possui a verdade absoluta, traçando linhas divisórias entre o permitido e o profano. Para esses, a união entre pessoas do mesmo sexo era uma transgressão, um desvio de um plano divino imutável. A Bíblia, interpretada de maneira literal, surgia como um escudo intransponível contra qualquer tentativa de reinterpretação ou adaptação aos tempos modernos.

Em contrapartida, ecoavam vozes que questionavam essa rigidez, apontando para a evolução da compreensão humana e a necessidade de acolhimento e respeito a todas as formas de amor. A natureza, com sua intrínseca diversidade, era invocada como argumento a favor da naturalidade da homossexualidade, desvinculando-a de noções de imoralidade ou pecado.

No meio desse fogo cruzado de opiniões, percebi a fragilidade dos argumentos baseados em dogmas inflexíveis. A tentativa de enquadrar a complexidade da experiência humana em categorias estanques parecia fadada ao fracasso. A sacralidade, afinal, residiria mais na essência do amor e do compromisso do que na forma como ele se manifesta.

Um comentário, em particular, chamou minha atenção. Falava sobre o medo dos "certinhos", dos extremistas que, em nome de suas convicções, impõem seus valores aos demais. Essa reflexão me fez lembrar da profecia de Rui Barbosa, sobre o desânimo que toma conta do homem diante da ascensão da desonra e da injustiça. Uma advertência atemporal sobre os perigos do extremismo e a importância de preservar a virtude e a honestidade.

A discussão prosseguia, com alertas sobre a perda de tempo em contra-argumentar com quem se apega à religião como dogma. A metáfora das pedras atiradas em dias de chuva forte, e a dolorosa verdade de que as que mais machucam vêm de perto, ressoavam com a intensidade dos debates online. E a sábia observação de que apenas árvores que dão frutos são apedrejadas trazia um consolo paradoxal: a polêmica, por vezes, é o preço da relevância.

Afinal, o que é verdadeiramente sagrado? A cerimônia pomposa ou o convívio afetuoso e respeitoso? A sociedade moderna parece, por vezes, valorizar mais os símbolos do que a essência. A busca por atualização e inovação inevitavelmente desafia tradições estabelecidas, gerando um senso de profanação para alguns.

Mas a natureza humana é vasta e diversa. A homossexualidade sempre existiu, e tentar negá-la é ignorar uma parcela da nossa própria humanidade. Reduzir a orientação sexual a uma questão de escolha ou moda parece simplificar demais uma realidade complexa e, para muitos, intrínseca. A ciência, aliás, já se manifestou sobre a sua naturalidade.

A intolerância, infelizmente, ainda marca nossa sociedade. A essência humana, a capacidade de empatia e compreensão, muitas vezes se perde em meio a julgamentos e preconceitos. A fé, que deveria ser um motor de amor ao próximo, paradoxalmente, serve de justificativa para a exclusão e a condenação.

No final daquele dia virtual, a cacofonia de opiniões se aquietou. Mas a reflexão persistiu em mim. A sacralidade do casamento, a interpretação das escrituras, a aceitação da diversidade – tudo se entrelaçava em um nó complexo de valores e crenças. Talvez a verdadeira santidade resida na capacidade de dialogar com respeito, de reconhecer a legitimidade das diferentes experiências e de construir pontes em vez de muros. Afinal, as palavras, como pássaros, só revelam sua verdadeira beleza quando alçam voo livre, sem as correntes do preconceito e da intolerância.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:


1. A crônica descreve um debate online sobre a sacralidade do casamento e a união entre pessoas do mesmo sexo. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a tensão entre as normas sociais tradicionais e as mudanças nos valores e na compreensão da diversidade sexual na sociedade contemporânea?

2. O texto apresenta diferentes interpretações de textos religiosos em relação ao casamento homoafetivo. Do ponto de vista da sociologia da religião, como as instituições religiosas influenciam as normas sociais e os comportamentos individuais em relação a questões de gênero e sexualidade?

3. A crônica menciona o medo dos "certinhos" e a intolerância presente na discussão online. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos compreender os mecanismos de formação de preconceitos e a perpetuação da intolerância em relação a grupos minoritários, como a comunidade LGBTQIA+?

4. O texto reflete sobre a diferença entre a cerimônia simbólica do casamento e a essência do convívio afetuoso. Do ponto de vista da sociologia da família, como as transformações sociais e culturais têm impactado a compreensão e as formas de organização familiar na sociedade atual?

5. A crônica conclui com uma reflexão sobre a importância do diálogo respeitoso e da construção de pontes em vez de muros. De que maneira a sociologia pode contribuir para a promoção de uma cultura de respeito à diversidade e para a superação de conflitos sociais relacionados a questões de identidade e orientação sexual?

sábado, 15 de março de 2025

A complexa Relação Entre a Norma Culta e a Língua Falada ("A palavra é a ponte entre o que sentimos e o que o mundo entende." - Clarice Lispector)

 

A complexa Relação Entre a Norma Culta e a Língua Falada ("A palavra é a ponte entre o que sentimos e o que o mundo entende." - Clarice Lispector)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ah, a língua! Esse rio caudaloso que nos define, nos une e, por vezes, nos divide. O tema central desta crônica ferve em minhas mãos: a complexa relação entre a norma culta e a língua falada, especialmente no contexto da educação. Permita-me, então, compartilhar minhas reflexões, como se estivesse sentado com você a uma mesa de café, observando o vai e vem da nossa gente.

Lembro-me de uma cena corriqueira, daquelas que se repetem em esquinas e transportes públicos por todo o país. Uma senhora, com a sabedoria marcada nas rugas e um sorriso acolhedor, perguntou-me as horas. Sua fala, carregada de um sotaque regional inconfundível, trazia consigo a história de sua vida, de sua comunidade. No entanto, percebi um certo receio em suas palavras, como se temesse não se expressar da maneira "correta". Aquela breve interação fez-me pensar naqueles milhões de brasileiros que, apesar de terem passado pela escola, ainda se sentem inseguros com a própria língua, como se houvesse um abismo intransponível entre o falar do dia a dia e o escrever formal.

Essa insegurança ecoa nas estatísticas alarmantes que você mencionou: uma parcela imensa da nossa população luta contra o analfabetismo, seja ele absoluto ou funcional. Nesse cenário, surge a discussão sobre o papel da escola em relação à língua. Recentemente, um livro didático causou polêmica ao abordar a legitimidade de diferentes formas de expressão. A controvérsia me fez refletir sobre a tênue linha que separa o respeito à diversidade linguística da necessidade de domínio da norma culta, essa ferramenta essencial para a ascensão social e profissional.

Penso em meus tempos de escola, nas aulas de português onde a gramática parecia um código indecifrável, repleto de regras e exceções. Confesso que, muitas vezes, sentia-me mais distante da língua do que próximo dela. A rigidez da norma, por vezes, parecia sufocar a espontaneidade e a riqueza da nossa fala. Contudo, com o tempo, compreendi que a norma culta é como um mapa que nos permite navegar com segurança pelos diferentes territórios da comunicação escrita.

A questão que se coloca, então, não é a de negar a validade das diversas formas de expressão que florescem em nosso país, mas sim a de garantir que todos tenham acesso ao conhecimento da norma padrão. Imagine um jovem que sonha em ingressar na universidade ou em conseguir um bom emprego. Sem o domínio da escrita formal, suas oportunidades podem ser drasticamente limitadas. É como tentar atravessar uma ponte sem as ferramentas adequadas.

Lembro-me das palavras de um grande mestre da nossa língua, Fernando Pessoa, que amava o português com fervor, mas abominava a "página mal escrita". Sua paixão pela clareza e precisão da escrita não significava desprezo pela língua falada, viva e em constante transformação. Pelo contrário, ele compreendia que a escrita bem cuidada é uma forma de preservar a beleza e a força da nossa língua.

Nessa busca por equilibrar o respeito à diversidade e a necessidade da norma, escutei atentamente as vozes de especialistas, como os escritores que você mencionou. Eles nos lembram que a língua escrita possui suas próprias regras e funções, diferentes da fala. A escrita é um universo à parte, com sua lógica e sua história. E é fundamental que a escola ofereça as ferramentas para que cada indivíduo possa explorar esse universo em sua plenitude.

Afinal, a língua é a nossa casa, o lugar onde construímos nossos pensamentos, expressamos nossos sentimentos e nos conectamos uns com os outros. É um patrimônio vivo, em constante movimento. E a escola, nesse contexto, tem o papel crucial de abrir as portas para que todos os brasileiros possam habitar essa casa com segurança e autonomia, compreendendo suas diferentes dependências e sabendo como se expressar em cada uma delas.

Ao refletir sobre tudo isso, percebo que a questão da língua na educação é muito mais do que um debate gramatical. É uma questão de inclusão social, de respeito à identidade cultural e de garantia de oportunidades. Não se trata de impor uma única forma de falar ou escrever, mas sim de oferecer a todos a possibilidade de dominar as diferentes ferramentas da linguagem, para que possam se expressar com confiança em qualquer situação e construir um futuro mais justo e promissor. Que possamos, então, valorizar a riqueza da nossa língua em todas as suas formas, sem jamais esquecer da importância de oferecer a todos os brasileiros as chaves para o domínio da escrita, essa porta de entrada para um mundo de conhecimento e possibilidades.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:


1. A crônica descreve a insegurança de uma senhora ao falar, temendo não se expressar da maneira "correta". Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar essa insegurança linguística e quais são os mecanismos sociais que a produzem e a reforçam na sociedade brasileira?

2. O texto aborda a polêmica em torno de um livro didático que propõe a aceitação de diferentes formas de expressão. Do ponto de vista da sociologia, como podemos entender o debate entre o respeito à diversidade linguística e a necessidade de um padrão formal da língua no contexto da educação e da sociedade?

3. A crônica menciona que o domínio da norma culta é uma "ferramenta essencial para a ascensão social e profissional". Explique essa afirmação sob uma perspectiva sociológica, relacionando o conceito de capital cultural com as oportunidades de indivíduos em diferentes estratos sociais no Brasil.

4. O autor argumenta que a questão da língua na educação é muito mais do que um debate gramatical, sendo também uma questão de inclusão social e respeito à identidade cultural. Discuta essa afirmação sob a ótica da sociologia, analisando como a língua pode tanto incluir quanto excluir indivíduos e grupos na sociedade.

5. A crônica conclui com a ideia de que a escola tem um papel crucial em abrir portas para que todos os brasileiros possam se expressar com segurança e autonomia. De que maneira a sociologia da educação pode contribuir para a compreensão e a superação dos desafios relacionados ao ensino da língua portuguesa, visando uma sociedade mais justa e igualitária?

Entre o Falar e o Escrever ("Não se aprende a ler pela beleza das letras, mas pela necessidade das palavras." - Paulo Freire)

 

Entre o Falar e o Escrever ("Não se aprende a ler pela beleza das letras, mas pela necessidade das palavras." - Paulo Freire)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ontem, enquanto corrigia as redações dos meus alunos do ensino médio, tive uma epifania sobre nossa língua portuguesa. Uma frase escrita por Maria, uma garota esperta da periferia, me fez parar: "Nós pensa que fala errado, mas nós sabe se comunicar."

É curioso como algo tão simples pode despertar tantas reflexões. Olhei pela janela da sala dos professores e vi o Brasil real passando diante dos meus olhos. Um Brasil com 15 milhões de analfabetos e outros 33 milhões de analfabetos funcionais – pessoas que passaram pela escola, mas não dominam verdadeiramente a leitura e a escrita.

Lembrei-me da polêmica recente sobre aquele livro didático que propõe a aceitação de variações linguísticas. "Você pode falar 'os livros é' mas fique atento, pois corre o risco de sofrer preconceito linguístico", dizia o texto. Na sala dos professores, o debate foi acalorado. Alguns colegas defendiam fervorosamente a norma culta como única forma aceitável de expressão. Outros argumentavam pela valorização das variantes populares.

Naquela tarde, caminhando para casa, parei num boteco da esquina. O dono, seu Zé, me contou histórias de sua infância no interior de Minas com uma eloquência que nenhuma gramática poderia ensinar. Sua fala, repleta de expressões regionais e construções que fariam qualquer gramático estremecer, transbordava vida e sabedoria.

"Nóis trabaiava na roça desde pequeno, mas meu pai sempre falava que a vida não é só pra trabaiá, é pra vivê também," contou-me Seu Zé, servindo um café forte. Na beleza daquela frase, encontrei mais verdade do que em muitos textos academicamente irrepreensíveis.

Voltei para casa pensando nas palavras de Fernando Pessoa: "Quem não vê bem uma palavra, não vê bem uma alma." Talvez o problema não esteja tanto na forma como falamos, mas na incapacidade de reconhecermos a riqueza dessa diversidade.

A língua é viva, pulsa nas ruas, nos bares, nas escolas, nas periferias. Muda, transforma-se, reinventa-se. O português brasileiro tem sabor, tem ginga, tem identidade própria. Quando Manuel Bandeira disse que "o povo é que fala gostoso o português do Brasil", ele captou essa essência.

Hoje, enquanto escrevo esta crônica, penso no dilema diário de professores como eu. Como equilibrar o respeito às variantes linguísticas com a necessidade de ensinar a norma padrão? Como demonstrar que conhecer a norma culta é uma ferramenta de poder sem desvalorizar a fala popular?

A democratização do ensino trouxe para a sala de aula uma diversidade linguística que antes permanecia escondida. Não estamos mais falando apenas para aqueles 20% da população letrada de classe média. Estamos lidando com o Brasil real, com suas múltiplas formas de expressão.

Talvez a solução esteja em um caminho do meio: valorizar as variantes linguísticas como expressões culturais legítimas e, simultaneamente, oferecer aos alunos o domínio da norma culta como ferramenta de acesso social. Afinal, a língua não deveria ser um instrumento de exclusão, mas de conexão.

Quando voltar à sala de aula amanhã, olharei para a redação de Maria com outros olhos. Corrigirei suas inadequações à norma culta, sim, mas também valorizarei a riqueza de sua expressão. E quem sabe, um dia, não teremos mais que escolher entre falar "errado" e escrever "certo". Talvez possamos apenas celebrar as muitas vozes que compõem o coro da língua brasileira.

Porque, como me ensinou seu Zé entre goles de café: "As palavra é que nem passarinho – elas só vale quando tá voando livre por aí."


Preparei 5 questões discursivas simples com uma perspectiva sociológica:


1. A frase da aluna Maria, "Nós pensa que fala errado, mas nós sabe se comunicar", revela uma tensão entre a norma culta e a comunicação efetiva. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar essa percepção de "falar errado" e quais implicações sociais ela pode gerar para os indivíduos, especialmente no contexto da educação e do mercado de trabalho?

2. O texto menciona a polêmica em torno da aceitação de variações linguísticas no ensino. Do ponto de vista da sociologia, como a valorização ou a desvalorização de diferentes variantes linguísticas pode impactar a identidade social e o sentimento de pertencimento de grupos específicos na sociedade brasileira?

3. O encontro do professor com Seu Zé no boteco ilustra a riqueza e a sabedoria presentes na fala popular, mesmo que distante da norma culta. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos entender o valor social e cultural dessas formas de expressão e qual a importância de reconhecê-las no contexto educacional?

4. O professor reflete sobre o dilema de equilibrar o respeito às variantes linguísticas com a necessidade de ensinar a norma padrão. Do ponto de vista da sociologia da educação, quais são os desafios e as possíveis abordagens para lidar com essa diversidade linguística em sala de aula de forma inclusiva e eficaz?

5. A democratização do ensino trouxe para a sala de aula uma diversidade linguística antes menos visível. Sociologicamente, como essa mudança no perfil dos alunos impacta o papel da escola e as práticas pedagógicas em relação ao ensino da língua portuguesa, visando a promoção da igualdade de oportunidades?

A língua viva que o Brasil fala ("A língua é a pátria. E onde ela falta, a alma desterra-se." - Olavo Bilac)

 

A língua viva que o Brasil fala ("A língua é a pátria. E onde ela falta, a alma desterra-se." - Olavo Bilac)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há algo que sempre me inquieta ao observar o sistema educacional brasileiro: a relação entre a língua falada e a língua escrita. O Brasil, com seus 15 milhões de analfabetos e 33 milhões de analfabetos funcionais, enfrenta um dilema que parece não ter fim. Isso se reflete diretamente no ensino de português, especialmente quando vemos que, de cada três alunos do ensino médio, um não entende o que lê. A situação é dramática, e o pior é que essa incapacidade de comunicação formal coloca em risco a preparação dos jovens para o mercado de trabalho.

Um dos maiores pontos de discórdia no ensino da língua portuguesa é o livro didático adotado em mais de 4 mil escolas, que gerou um frenesi entre especialistas, professores e alunos. O problema central? O que é certo ou errado quando se fala e escreve em português. O texto de Heloísa Ramos, que defende a flexibilidade na língua falada, questiona se devemos realmente seguir à risca as regras da norma culta ou se seria mais sensato aceitar as variantes linguísticas do Brasil real.

Ora, sabemos que ninguém fala a língua culta o tempo inteiro. O próprio Brasil, com sua rica diversidade de sotaques e formas de expressão, jamais poderia ser prisioneiro de uma gramática rígida, quase impessoal. A fala popular tem seu próprio ritmo, sabor e beleza. E, no entanto, é inegável que a escola, como instituição de ensino, precisa preparar o aluno para o mundo formal, onde a norma culta prevalece.

Refletindo sobre isso, lembro-me de Fernando Pessoa, que, apesar de nunca ter condenado a fala popular, fazia questão de destacar o valor da palavra escrita e bem elaborada. "Quem não vê bem uma palavra, não vê bem uma alma", disse ele, reconhecendo na escrita a capacidade de revelar o mais profundo do ser humano. É com essa reflexão em mente que me pergunto: estamos, como educadores, oferecendo aos nossos alunos as ferramentas necessárias para que possam, além de se expressar no cotidiano, navegar com confiança no universo formal e acadêmico?

A questão é delicada. Em muitos momentos, o ensino da norma culta parece quase um luxo, uma prerrogativa das classes mais abastadas. A maioria das escolas e professores, ao lidarem com a língua falada nas periferias e nos interiores do Brasil, enfrentam um desafio enorme: como ensinar português correto quando o aluno chega à escola carregando consigo a bagagem de um português popular, cheio de gírias, regionalismos e desvios gramaticais?

Mas não é só isso. A língua que falamos, com suas variações, é, em muitos casos, um passaporte para uma identidade, para um pertencimento social. Falar "nós vai", como fez o poeta Sérgio Vaz, é uma maneira de afirmar: "Eu sou do meu povo, eu sou da minha gente". E, no entanto, sabemos que, para alcançar outros espaços e possibilidades, o aluno precisará aprender a "falar direito", ou melhor, a escrever de acordo com o padrão da norma culta.

A polêmica surge quando se tenta separar a língua da moralidade. A língua não é boa ou má, correta ou incorreta. Ela é apenas uma ferramenta, e seu uso depende do contexto. O problema, portanto, não está na língua que se fala, mas nas portas que se fecham para quem não domina a linguagem acadêmica. A escola deve, portanto, aceitar a língua viva do povo, mas também preparar o aluno para o mundo em que a língua padrão é a chave para o sucesso.

Não posso deixar de lembrar o que disse a professora Heloísa Ramos: "Você pode falar como quiser em casa, no seu bairro, mas no mercado de trabalho, na escola, você precisará seguir as regras." E isso é um ponto crucial. Ao mesmo tempo em que valorizamos as diversas formas de expressão, precisamos ensinar aos alunos que, em determinados contextos, é a norma culta que abrirá portas, que dará acesso à civilização, à cultura escrita, à compreensão do mundo.

Entretanto, a questão é mais complexa do que parece. Quando o professor, que também pode ser um falante não padrão, tenta ensinar essa norma culta, há uma verdadeira batalha interna. O professor precisa lidar com a realidade linguística do aluno, enquanto tenta transmitir o que a sociedade espera dele. Uma batalha que, muitas vezes, parece interminável.

No fim das contas, o que realmente está em jogo é a construção de uma sociedade mais justa, onde todos, independentemente de sua origem ou classe social, tenham a oportunidade de se expressar e de serem ouvidos. A língua, seja ela a variante culta ou a variante popular, deve ser vista como um meio de acesso a um mundo mais amplo, onde o conhecimento e a educação se tornam as chaves para a liberdade e para a inclusão social.

E é por isso que, mesmo diante das controvérsias, não podemos deixar de afirmar que a norma culta, com todo o seu peso histórico e cultural, ainda é uma ferramenta indispensável. Mas, ao mesmo tempo, devemos lembrar que a língua falada é a alma de um povo, que não pode ser desprezada ou ignorada. Afinal, como diz o ditado popular: "quem não ouve o povo, não entende a história." E talvez seja essa a verdadeira lição que a escola precisa aprender: respeitar as origens, mas preparar para o futuro.

Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias centrais do texto, para estimular a reflexão sociológica sobre o tema:

1. O texto apresenta dados alarmantes sobre analfabetismo e analfabetismo funcional no Brasil. Sob uma perspectiva sociológica, quais são as principais consequências sociais e econômicas dessa realidade para os indivíduos e para a sociedade brasileira como um todo?

2. O texto aborda a polêmica em torno do ensino da norma culta da língua portuguesa nas escolas, considerando a diversidade linguística do Brasil. Do ponto de vista da sociologia, como podemos analisar a tensão entre a necessidade de um padrão formal de linguagem e o reconhecimento das diferentes formas de expressão cultural e regional?

3. O autor menciona que a língua falada pode ser um "passaporte para uma identidade" e um "pertencimento social". Explique essa afirmação sob a ótica dos estudos sociológicos sobre identidade e cultura, utilizando exemplos do texto para fundamentar sua resposta.

4. A partir da leitura do texto, qual o papel da escola como instituição social na mediação entre a língua falada pelos alunos e as exigências da norma culta? Quais desafios socioculturais os professores enfrentam nesse processo, conforme descrito no texto?

5. O texto conclui que a questão da língua na educação está intrinsecamente ligada à construção de uma sociedade mais justa. De que maneira o domínio ou a falta de domínio da norma culta pode influenciar as oportunidades sociais e a inclusão de diferentes grupos no Brasil, segundo as ideias apresentadas no texto?