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sábado, 15 de março de 2025

A língua viva que o Brasil fala ("A língua é a pátria. E onde ela falta, a alma desterra-se." - Olavo Bilac)

 

A língua viva que o Brasil fala ("A língua é a pátria. E onde ela falta, a alma desterra-se." - Olavo Bilac)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há algo que sempre me inquieta ao observar o sistema educacional brasileiro: a relação entre a língua falada e a língua escrita. O Brasil, com seus 15 milhões de analfabetos e 33 milhões de analfabetos funcionais, enfrenta um dilema que parece não ter fim. Isso se reflete diretamente no ensino de português, especialmente quando vemos que, de cada três alunos do ensino médio, um não entende o que lê. A situação é dramática, e o pior é que essa incapacidade de comunicação formal coloca em risco a preparação dos jovens para o mercado de trabalho.

Um dos maiores pontos de discórdia no ensino da língua portuguesa é o livro didático adotado em mais de 4 mil escolas, que gerou um frenesi entre especialistas, professores e alunos. O problema central? O que é certo ou errado quando se fala e escreve em português. O texto de Heloísa Ramos, que defende a flexibilidade na língua falada, questiona se devemos realmente seguir à risca as regras da norma culta ou se seria mais sensato aceitar as variantes linguísticas do Brasil real.

Ora, sabemos que ninguém fala a língua culta o tempo inteiro. O próprio Brasil, com sua rica diversidade de sotaques e formas de expressão, jamais poderia ser prisioneiro de uma gramática rígida, quase impessoal. A fala popular tem seu próprio ritmo, sabor e beleza. E, no entanto, é inegável que a escola, como instituição de ensino, precisa preparar o aluno para o mundo formal, onde a norma culta prevalece.

Refletindo sobre isso, lembro-me de Fernando Pessoa, que, apesar de nunca ter condenado a fala popular, fazia questão de destacar o valor da palavra escrita e bem elaborada. "Quem não vê bem uma palavra, não vê bem uma alma", disse ele, reconhecendo na escrita a capacidade de revelar o mais profundo do ser humano. É com essa reflexão em mente que me pergunto: estamos, como educadores, oferecendo aos nossos alunos as ferramentas necessárias para que possam, além de se expressar no cotidiano, navegar com confiança no universo formal e acadêmico?

A questão é delicada. Em muitos momentos, o ensino da norma culta parece quase um luxo, uma prerrogativa das classes mais abastadas. A maioria das escolas e professores, ao lidarem com a língua falada nas periferias e nos interiores do Brasil, enfrentam um desafio enorme: como ensinar português correto quando o aluno chega à escola carregando consigo a bagagem de um português popular, cheio de gírias, regionalismos e desvios gramaticais?

Mas não é só isso. A língua que falamos, com suas variações, é, em muitos casos, um passaporte para uma identidade, para um pertencimento social. Falar "nós vai", como fez o poeta Sérgio Vaz, é uma maneira de afirmar: "Eu sou do meu povo, eu sou da minha gente". E, no entanto, sabemos que, para alcançar outros espaços e possibilidades, o aluno precisará aprender a "falar direito", ou melhor, a escrever de acordo com o padrão da norma culta.

A polêmica surge quando se tenta separar a língua da moralidade. A língua não é boa ou má, correta ou incorreta. Ela é apenas uma ferramenta, e seu uso depende do contexto. O problema, portanto, não está na língua que se fala, mas nas portas que se fecham para quem não domina a linguagem acadêmica. A escola deve, portanto, aceitar a língua viva do povo, mas também preparar o aluno para o mundo em que a língua padrão é a chave para o sucesso.

Não posso deixar de lembrar o que disse a professora Heloísa Ramos: "Você pode falar como quiser em casa, no seu bairro, mas no mercado de trabalho, na escola, você precisará seguir as regras." E isso é um ponto crucial. Ao mesmo tempo em que valorizamos as diversas formas de expressão, precisamos ensinar aos alunos que, em determinados contextos, é a norma culta que abrirá portas, que dará acesso à civilização, à cultura escrita, à compreensão do mundo.

Entretanto, a questão é mais complexa do que parece. Quando o professor, que também pode ser um falante não padrão, tenta ensinar essa norma culta, há uma verdadeira batalha interna. O professor precisa lidar com a realidade linguística do aluno, enquanto tenta transmitir o que a sociedade espera dele. Uma batalha que, muitas vezes, parece interminável.

No fim das contas, o que realmente está em jogo é a construção de uma sociedade mais justa, onde todos, independentemente de sua origem ou classe social, tenham a oportunidade de se expressar e de serem ouvidos. A língua, seja ela a variante culta ou a variante popular, deve ser vista como um meio de acesso a um mundo mais amplo, onde o conhecimento e a educação se tornam as chaves para a liberdade e para a inclusão social.

E é por isso que, mesmo diante das controvérsias, não podemos deixar de afirmar que a norma culta, com todo o seu peso histórico e cultural, ainda é uma ferramenta indispensável. Mas, ao mesmo tempo, devemos lembrar que a língua falada é a alma de um povo, que não pode ser desprezada ou ignorada. Afinal, como diz o ditado popular: "quem não ouve o povo, não entende a história." E talvez seja essa a verdadeira lição que a escola precisa aprender: respeitar as origens, mas preparar para o futuro.

Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias centrais do texto, para estimular a reflexão sociológica sobre o tema:

1. O texto apresenta dados alarmantes sobre analfabetismo e analfabetismo funcional no Brasil. Sob uma perspectiva sociológica, quais são as principais consequências sociais e econômicas dessa realidade para os indivíduos e para a sociedade brasileira como um todo?

2. O texto aborda a polêmica em torno do ensino da norma culta da língua portuguesa nas escolas, considerando a diversidade linguística do Brasil. Do ponto de vista da sociologia, como podemos analisar a tensão entre a necessidade de um padrão formal de linguagem e o reconhecimento das diferentes formas de expressão cultural e regional?

3. O autor menciona que a língua falada pode ser um "passaporte para uma identidade" e um "pertencimento social". Explique essa afirmação sob a ótica dos estudos sociológicos sobre identidade e cultura, utilizando exemplos do texto para fundamentar sua resposta.

4. A partir da leitura do texto, qual o papel da escola como instituição social na mediação entre a língua falada pelos alunos e as exigências da norma culta? Quais desafios socioculturais os professores enfrentam nesse processo, conforme descrito no texto?

5. O texto conclui que a questão da língua na educação está intrinsecamente ligada à construção de uma sociedade mais justa. De que maneira o domínio ou a falta de domínio da norma culta pode influenciar as oportunidades sociais e a inclusão de diferentes grupos no Brasil, segundo as ideias apresentadas no texto?

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