Recordo-me de uma tarde na universidade, quando a poesia de Carlos Drummond de Andrade se desnudou diante dos meus olhos. "No meio do caminho tinha uma pedra...", recitava o professor, e a sala inteira parecia suspender a respiração. A simplicidade, a repetição quase obsessiva, e aquele "tinha uma pedra" em vez do formal "havia uma pedra" foram, à época, um escândalo para a imprensa — um grito de liberdade em meio às convenções. Naquele dia, a pedra de Drummond fincou-se não apenas no caminho poético, mas também no meu pensamento, tornando-se metáfora dos dilemas da vida — e, curiosamente, da educação.
O tempo passou, e a vida, com sua sabedoria peculiar, me apresentou muitas pedras e muitos caminhos. Aprendi que, de fato, a maioria dos pensadores aconselha o equilíbrio, o "meio do caminho". E, em geral, sigo esses conselhos. No entanto, há situações — e a educação é uma delas — em que o professor não pode se dar ao luxo de permanecer no centro, parado, impunemente. Há momentos em que estar “em cima do muro” ou “no meio da estrada” é, na verdade, assumir uma postura equivocada.
Certa vez, fui advertido por estar dirigindo minha moto exatamente sobre a faixa central da estrada. O guarda apenas reforçou o que eu já sabia: o DNER gasta milhares de reais por ano para pintar aquela linha — não para que os motoristas trafeguem sobre ela, mas para que saibam onde está o centro e, assim, mantenham-se do lado certo, longe do perigo.
E foi então que a metáfora da pedra de Drummond e a linha da estrada se fundiram no meu pensamento. Assim como nas rodovias, também na educação há uma linha de demarcação clara entre o que é prática coerente e o que é desvio. Professores realmente comprometidos reconhecem essa linha e a preservam com clareza. Recusam-se a aderir a modismos pedagógicos superficiais, sem, no entanto, cair no tradicionalismo inflexível. Nessa busca por equilíbrio e coerência, muitos acabam sendo vistos como pedras no meio do caminho — obstáculos para aqueles que preferem o conforto da indefinição.
Quantas vezes já me vi paralisado, sem saber que direção tomar? As injustiças e os favorecimentos no sistema educacional são tantos! E os alunos, principais vítimas, permanecem ali, diante da “pedra”, sem voz para se posicionar diante das mudanças moldadas por homens de escritório que, sob o pretexto de inovação, tornam-se, eles também, obstáculos ao progresso.
A questão é clara: ou os mestres se posicionam firmemente a favor do que é certo e comprovado, ou a pedra drummondiana seguirá representando metodologias que não apontam caminho algum. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são explícitos — não há margem para improvisações irresponsáveis. Não podemos ceder. A comunidade escolar tem o direito de saber o que esperar de nós, professores. Em nossas ações e palavras, não pode haver qualquer traço de incerteza.
Em sala de aula, as "pedras" nem sempre são visíveis, mas sentimos seu peso diariamente: a obrigatoriedade de aprovar alunos que mal frequentam as aulas, a pressão por avaliações “inclusivas” que esvaziam o rigor do conteúdo, ou os projetos pedagógicos impostos de cima para baixo, por gestores que nunca pisaram em um pátio escolar. São situações concretas que desorientam o educador e o empurram para a passividade. Diante disso, é preciso mais do que crítica — é urgente propor. Criar espaços de escuta entre professores, revisar práticas avaliativas com o coletivo docente e exigir formação continuada com sentido pedagógico são passos possíveis para transformar o que hoje paralisa. Afinal, resistir também é construir.
Hoje, ao refletir sobre tantos anos em sala de aula, percebo que a “pedra no meio do caminho” é, na verdade, um convite constante à reflexão e ao posicionamento. Não podemos nos permitir a tibieza diante dos desafios. A educação exige coragem para seguir por caminhos firmes, mesmo que isso signifique confrontar o conformismo. É nossa responsabilidade manter livre a estrada do conhecimento, para que nossos alunos avancem sem desvios, sem ambiguidades.
Que sejamos faróis, e não pedras.
O texto que acabamos de ler nos faz pensar sobre escolhas, posicionamento e o papel da educação na nossa sociedade. A metáfora da "pedra no meio do caminho" de Drummond é perfeita para refletirmos sobre dilemas sociais. Vamos lá, peguem seus cadernos e respondam a estas questões de Sociologia!
1 - O texto aborda a ideia de que, na educação, o professor não pode ficar "em cima do muro" ou "no meio da estrada". Considerando o papel social dos educadores, explique por que o posicionamento claro é fundamental para a formação dos alunos e para a construção de uma sociedade mais justa.
2 - A crônica compara a linha divisória de uma estrada com a "linha de demarcação entre a má e a boa educação". Discuta como as normas sociais e os valores éticos servem como "linhas" que orientam o comportamento humano nas diferentes esferas da vida, incluindo o ambiente escolar.
3 - O autor menciona que "homens de escritório" moldam mudanças na educação que podem se tornar "pedras" para os alunos. De que forma o texto critica a burocratização e a tomada de decisões centralizada na educação, e como isso pode afetar a prática pedagógica e o desenvolvimento dos estudantes?
4 - A LDBEN e os Parâmetros Curriculares são citados como guias para a educação, sem "lugar para compromisso com a 'lambança'". Explique o conceito de instituições sociais (como a LDBEN e o PCN) e como elas tentam organizar e regular as práticas educacionais para garantir a qualidade do ensino.
5 - A crônica finaliza com a frase: "Que sejamos faróis, e não pedras". Relacione essa afirmação com o papel do professor como um agente de mudança social. Como um educador pode atuar como "farol", orientando os alunos e a comunidade, em vez de se tornar um "pedra" que impede o progresso?