Não há um só dia em que o retorno para casa não venha acompanhado de cansaço físico e, sobretudo, de exaustão emocional. A alma parece carregar o peso de um dever inacabado — a sensação constante de transgressão ou, mais precisamente, de inadequação. É o incômodo de sentir-se um professor imaturo, ferido pelo desrespeito e pelo descumprimento de acordos no ambiente escolar. O anseio é por um tempo em que já não seja necessário defender-se, justificar obrigações ou mendigar aceitação e reconhecimento; um tempo em que o conhecimento e a competência bastem por si. Talvez a paz chegue apenas quando o silêncio substituir a reclamação e o incômodo cessar. O caminho até lá, contudo, ainda é incerto.
Que ofício é este em que se espera amor e se recebe escárnio? A sala de aula tornou-se um campo de embates incessantes, onde todas as relações — com alunos, colegas, coordenadores, diretores, pais e funcionários — são atravessadas pela tensão. Jamais a categoria esteve tão exposta à insegurança e à fragilidade emocional. Pequenas futilidades do cotidiano, como a interrupção de uma aula para cobrar a formatação de um “simulado”, ferem tanto quanto o assédio moral e o ambiente desumano que consomem lentamente os docentes. Não é de espantar que muitos, acuados pela burocracia e pela solidão, cheguem à trágica decisão de pôr fim à própria vida. Casos como os de L.V.C., Jailton Graciliano, Paulo Lesbão e Jucélia Almeida ilustram o desespero e a desesperança — o “assassinato” simbólico promovido pela negligência institucional. O número de suicídios entre aqueles que dependem da escola para viver é alarmante, embora permaneça oculto sob o silêncio das estatísticas, enquanto a mídia volta seus olhos apenas aos “professores do mal” que se tornam manchete por atos de violência.
A cada dia, o professor sente que morre um pouco, sufocado pela necessidade de silenciar sua voz interior na tentativa de escapar das perturbações. O lixo emocional se acumula, gerando uma consciência entorpecida que busca alívio na apatia. O desejo é por repouso — diante dos homens e de Deus — ou, quem sabe, por aceitação social em troca do próprio respeito. O risco desse “suicídio em prestações” é o de manchar o orgulho e corroer a dignidade. Talvez por isso, mesmo após anos de magistério, persista uma certa imaturidade: a ilusão de que é possível consertar os outros e, nesse processo, acabar desmantelando a si mesmo. A dura lição é que não se pode exigir dos outros amor constante nem favores sustentados por regras morais, pois cada um busca o próprio interesse — e o do professor raramente está entre eles.
Nesse cenário hostil, o verdadeiro professor maduro não é o dominador, o grosseiro ou o carrasco — figuras que, paradoxalmente, hoje parecem as mais bem-sucedidas e admiradas. O professor maduro assemelha-se antes ao Bom Samaritano contemporâneo: veste uma camiseta simples, carrega provas não corrigidas e caminha exausto pelos corredores. Não cura com azeite e vinho, mas tenta estancar hemorragias emocionais com palavras de incentivo, bilhetes improvisados ou o simples gesto de ouvir em silêncio. Em vez de uma hospedaria, oferece seu tempo e sua saúde mental. É ignorado, alvo de zombarias, mas insiste em estender a mão.
Ser “bom” nesse ofício é resistir com ternura quando tudo ensina a endurecer. A salvação da educação talvez resida na persistência dos poucos que ainda agem com compaixão, apesar de tudo. A história prova que os homens de fé e amor não temeram o esquecimento, pois a verdadeira bondade é sempre procurada. Resta a esperança de que o mal não continue vencendo o bem — basta ser bom, mesmo que a bondade pareça fraqueza.
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O texto levanta questões cruciais sobre as relações de poder, a burocracia e a crise de identidade na profissão.
Abaixo, seguem 5 questões discursivas e simples, elaboradas para estimular sua análise sociológica sobre as ideias apresentadas:
1 - Vocação e Realidade Profissional: O texto descreve um contraste entre o que se espera da profissão docente (ideal de "amor" e vocação) e o que se recebe ("escárnio" e "tensão"). De uma perspectiva sociológica, como essa dissociação entre o ideal e a realidade do trabalho pode ser analisada, e quais são as consequências para o indivíduo que vivencia o chamado "mal-estar docente"?
2 - A Escola como Instituição de Conflito: A escola é retratada como um ambiente de relações tensas e conflituosas entre todos os atores (alunos, professores, direção, pais). Analise o papel da instituição escolar, considerando sua estrutura e as relações de poder internas, na criação ou manutenção desse clima de insegurança e desrespeito generalizado.
3 - Burocracia e Violência Simbólica: O narrador menciona que "futilidades" burocráticas e o assédio moral corroem o professor, associando isso a desfechos trágicos ("assassinato simbólico"). Explique como a sobrecarga burocrática e o assédio, mesmo que não sejam violência física, podem ser interpretados como manifestações de violência estrutural ou simbólica que minam a dignidade do docente.
4 - Modelos de Sucesso e Autoridade: O texto contrapõe o professor "immaturo" (sensível e esgotado) à figura do "carrasco" (grosseiro, dominador), sugerindo que este último é, paradoxalmente, percebido como o mais "bem-sucedido" hoje. Como a crise de autoridade tradicional do professor pode ter levado à valorização de modelos de conduta mais agressivos em um ambiente de competição e desrespeito?
5 - Resistência e a Figura do "Bom Samaritano": O professor "Bom Samaritano" é apresentado como um modelo de resistência que age com compaixão ("ternura") em um ambiente hostil. Discuta a afirmação de que "ser 'bom' nesse ofício é resistir com ternura quando tudo ensina a endurecer", analisando se a persistência da compaixão pode ser vista como uma forma de resistência individual contra a desumanização do trabalho, em oposição a uma solução estrutural para o problema da educação.