"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

domingo, 31 de julho de 2022

No gozo de uma "licença-prêmio" ("Me dá licença que vou beijar o céu." — Jimi Hendrix)

 


No gozo de uma "licença-prêmio" ("Me dá licença que vou beijar o céu." — Jimi Hendrix)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Durante o gozo da minha licença-prêmio, simplesmente se esqueceram de mim. Os que sempre se mostraram insatisfeitos com meu trabalho parecem gostar da minha ausência com a mesma intensidade com que me rejeitam. A concorrência prosperou, e o salário veio seco — sem adicionais.

Pois bem, três meses antes de me afastar, um colega de trabalho, sabendo da minha licença, colocou-se no meu lugar e declarou: "O pior será quando você voltar ao trabalho e ver seus alunos melhores do que deixou... e se eles manifestarem o sentimento de que você não fará falta... sua ausência será mais produtiva... seu retorno será dispensável (riso)." Profecia maligna! Sim, meu amigo, essa possibilidade existe. Ainda assim, quero sinceramente que o meu substituto faça um trabalho ainda melhor que o meu — tudo em nome da boa educação.

É verdade que não se consegue desagradar a todos ao mesmo tempo. Deve haver, em algum canto da escola, alguém contando os dias para o meu retorno. Para equilibrar esse jogo de afetos, trago a fala da minha aluna Luana: "Devemos ser como uma raposa para reconhecer as armadilhas e como um leão para assustar os lobos. Aprendi na sua aula de filosofia. Volta logo, professor, tenho muito o que aprender ainda com o senhor." A esses, minha prece sincera e meu até breve — seis meses passam voando.

Minha ausência, aliás, talvez também seja uma oportunidade para que reconheçam, à distância, algum valor em mim. Enquanto falarem de mim pelas costas, estarei contribuindo até mesmo com o silêncio da minha ausência. É preciso muita coragem — ou, no mínimo, muito trabalho — para se tornar legalmente ausente. E já é uma virtude conquistar humildemente a paciência e a perseverança necessárias para merecer qualquer licença.

Justifico, então, meu comportamento retraído com as palavras de Denilson Fernandes: "Sou um ser odiado por muitos... Quando preciso e quero sou pessoa perturbada sem escrúpulo e sem clemência... Sou chato, por que eu gosto de mostrar seus erros, seus medos e corrigi-los... Você sentirá ódio de mim, mas se for inteligente me agradecerá depois. Quero seu bem, por isso sou chato. Olha seus pais, por exemplo, sempre são chatos porque lhe dão sermão... E eu tenho a mesma regra, pois aprenderam o que sabem hoje, por sermões que seus pais deram a você."

Nesse caso, os prós e os contras devem, sim, ser considerados. Qualquer professor que me substitua poderá ser um bom guia para minha aluna exemplar — afinal, os semelhantes se apoiam e crescem juntos na melhor direção.

Grato. Eu já ia dizer que o meio educacional ficaria vazio sem mim, mas... quando uma célula morre, outra nasce automaticamente em seu lugar.

Mas, se a célula morre, não é o fim — é o princípio de outra. Assim também é o educador: sua ausência nunca será um vazio absoluto, mas uma oportunidade para que outros cresçam, floresçam e até ocupem espaços que ele deixou. No entanto, nem toda célula é substituída com a mesma eficiência, e algumas deixam marcas profundas no tecido que compõem. Não se trata de vaidade, mas de compreender que certos vínculos não se refazem com a mesma força. Talvez por isso a ausência também ensine — silenciosamente, como o corpo que aprende a sentir falta de um órgão vital. E é nessa ausência que reside o meu contributo final: ser lembrado não por indispensabilidade, mas pela diferença que fiz enquanto estive.



A crônica que acabamos de ler nos traz uma reflexão superinteressante sobre o papel do professor, o ambiente de trabalho e as relações humanas no contexto escolar. O autor, em licença-prêmio, compartilha suas angústias, expectativas e até algumas provocações sobre sua ausência e o seu retorno. Vamos usar essas ideias para discutir alguns pontos de vista da Sociologia. Preparados para pensar um pouco?


1 - O autor relata que, durante sua licença, "os que sempre se mostraram insatisfeitos com meu trabalho parecem gostar da minha ausência". Discuta como essa percepção pode refletir as tensões e disputas por reconhecimento e espaço em um ambiente profissional, como a escola.


2 - A fala do colega que profetiza um "retorno dispensável" e a do aluno que pede "Volta logo, professor" demonstram diferentes visões sobre o papel do professor. Analise como essas expectativas contrastantes (de substituição e de insubstituibilidade) revelam a complexidade dos papéis sociais dentro de uma instituição como a escola.


3 - O cronista menciona que sua ausência pode ser uma "oportunidade para que reconheçam, à distância, algum valor em mim". Explique como a ausência ou o distanciamento podem, paradoxalmente, influenciar a percepção social e o valor atribuído a um indivíduo ou a uma função dentro de um grupo ou organização.


4 - O texto aborda a ideia de ser "odiado por muitos" por "gostar de mostrar seus erros, seus medos e corrigi-los". Reflita sobre como essa postura, embora visando o "bem", pode gerar conflitos interpessoais e resistência nas relações sociais e profissionais, especialmente em contextos onde a crítica é percebida como ameaça.


5 - A frase final, "quando uma célula morre, outra nasce automaticamente em seu lugar", traz uma reflexão sobre a dinâmica das instituições sociais. Como essa analogia biológica pode ser aplicada para entender a adaptabilidade e a continuidade de sistemas como o educacional, mesmo diante da saída ou substituição de seus membros?

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sábado, 30 de julho de 2022

MERCENÁRIOS DO MAGISTÉRIO ("Aos Mestres, todo meu apreço! Aos mercenários toda minha indignação." — Ronei Porto da Rocha)

 


MERCENÁRIOS DO MAGISTÉRIO ("Aos Mestres, todo meu apreço! Aos mercenários toda minha indignação." — Ronei Porto da Rocha)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Dizem que nem o relógio trabalha de graça. E é verdade. Ele não tem prioridades, não ama o que faz — apenas funciona. Se alguém quiser que ele continue marcando o tempo, precisa dar-lhe corda. Com os professores, não é tão diferente assim. Também precisamos de corda. E, muitas vezes, quem a segura nos enforca em vez de impulsionar.

Não foram poucas as vezes em que vi colegas desistirem do “abc” vocacional. Abandonaram o amor pelo ofício, rendidos à lógica implacável da sobrevivência. Tornaram-se mercenários da “merreca” que recebem. Eu não os julgo. Embora haja felicidade em amar o que se faz, amor não paga boleto. É aí que a profissão escancara sua contradição: como exigir espírito de missão de quem vive numa missão de resgate — tentando salvar a própria dignidade?

A verdade é desconfortável: um professor muito rico causa estranheza à sociedade. Você já viu algum milionário ensinando outro a ficar rico? Pois é. Eu também nunca vi. O que ensinamos, de fato, é como se virar na falta — como lidar com as dificuldades. Mas as dificuldades dos ricos não servem aos pobres. São feitas de outro tecido.

Nos grupos de WhatsApp das escolas em que trabalho, o tema dominante é sempre o mesmo: salário. Reivindicações, tabelas comparativas, promessas não cumpridas. “Aff!” — como escrevem os mais cansados de repetir o óbvio. Eu também reclamo, admito, mas meu foco não está no salário. Reclamo dos absurdos metodológicos, da falta de estrutura, das decisões tomadas à distância, por quem nunca pisou no chão da sala de aula. Mas isso exige mais esforço. Reclamar de salário é mais simples — e mais aceito.

Lembro bem de uma fala da professora e ex-vereadora Amanda Gurgel:

“Estão me colocando dentro de uma sala de aula com um giz e um quadro para salvar o Brasil? Não posso, não tenho condições. Muito menos com o salário que recebo. (...) Outra coisa que me deixava mal era que, como vereadora, recebia em um mês o que a escola recebia em um ano para funcionar.”

Mesmo assim, ela continuou recebendo o salário de professora, repassando a diferença ao partido. Um gesto raro. Coletivo. Idealista até demais para os dias de hoje.

A contradição, porém, permanece: como exigir respeito de um aluno que descobre que ganha mais vendendo balas no semáforo do que o professor que tenta lhe ensinar a escrever uma redação? O prestígio docente evaporou. Ser “mercenário” virou quase uma exigência de sobrevivência no serviço público.

Podem enviar rios de dinheiro, construir prédios suntuosos, equipar as escolas com tecnologia de ponta. Nada disso resolverá. Porque o problema começa antes mesmo do portão da escola. É político. É estrutural. É familiar. Lidamos com alunos sem objetivos, sem propósito, sem respeito. E, sobretudo, sem disciplina.

Amanda Gurgel, ao menos, ficou famosa. E eu? Nem isso.

“Alguns alunos eram pré-adolescentes e nem sabiam de nada sobre mim”, disse ela uma vez. “Os mais velhos tiravam onda dizendo que eu era rica porque era celebridade.”

Riram, como quem conhece a verdade, mas prefere brincar com ela.

Ainda assim, há professores que resistem — não por heroísmo, mas por coerência com seus ideais. Conheço colegas que, mesmo em meio ao caos, reinventaram suas práticas, criaram projetos com o pouco que tinham, e conseguiram tocar corações. Há escolas que, silenciosamente, têm promovido transformações significativas, mesmo sem holofotes. A tecnologia, quando usada com sentido pedagógico, também tem potencial para resgatar o interesse e abrir horizontes. É pouco, sim, diante de um sistema em frangalhos. Mas são fagulhas que mantêm viva a esperança de que, mesmo sem corda, ainda podemos marcar o tempo com dignidade.

No fim, percebo: talvez sejamos todos um pouco como o relógio — seguimos funcionando, mesmo quando esquecem de nos dar corda. Mas há dias em que a mola interna não dá conta. E, nesses dias, tudo o que nos resta é torcer para que, em algum canto da sala, ainda exista um aluno disposto a ouvir o tique-taque do nosso esforço.

Porque, mesmo sem glamour, fortuna ou fama, seguimos marcando o tempo de uma geração. Só que, diferentemente dos relógios, nós sentimos cada segundo passar.


https://www.thaisagalvao.com.br/2020/11/23/cade-amanda-gurgel-campea-de-votos-em-2012-e-derrotada-com-mais-de-8-mil-votos-em-2016/ (acessado em 30/06/2025).



Depois da leitura atenta da crônica, vamos refletir um pouco sobre as questões sociais que ela levanta a respeito da profissão de professor no Brasil. Peguem o caderno e preparem-se para pensar sociologicamente. Aqui estão 5 questões para vocês desenvolverem com base nas ideias do texto:


1 - O autor afirma que alguns professores abandonam a "vocação" para se tornarem "mercenários da merreca". Explique com suas palavras o que essa oposição entre "vocação" e "mercenário" significa no contexto da profissão docente apresentado no texto.


2 - De acordo com a crônica, por que o baixo salário de um professor pode se tornar um problema não apenas para a sua sobrevivência, mas também para a sua autoridade e respeito dentro da sala de aula?


3 - O texto defende que "enviar rios de dinheiro, construir prédios suntuosos" não é suficiente para resolver os problemas da educação. Segundo o autor, quais são os problemas mais profundos que o dinheiro, por si só, não consegue consertar?


4 - O autor compara o professor a um relógio, que precisa de "corda" para funcionar. No entanto, no final, ele aponta uma diferença fundamental entre os dois. Qual é essa diferença e por que ela é importante para entendermos o sofrimento do professor?


5 - O texto sugere que a sociedade não espera que um professor ensine os outros a ficarem ricos. Na visão do autor, qual é, então, a verdadeira lição que os professores acabam ensinando aos seus alunos no dia a dia?

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sexta-feira, 29 de julho de 2022

PROFESSOR NO CONTROLE OU CONTROLADO ("Aquilo que não puderes controlar, não ordenes." — Sócrates)

 


quinta-feira, 14 de julho de 2022

LICENÇA PARA INTERESSE PARTICULAR. ("Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?" — Amós 3:3)

 


segunda-feira, 11 de julho de 2022

POPULARIDADE REVERSA ("A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre." — Oscar Wilde)

 


POPULARIDADE REVERSA ("A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre." — Oscar Wilde)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ah, o sucesso! Essa miragem que tantos perseguem como se fosse um prêmio reservado apenas aos poucos capazes de lidar com a fama. E eu, operário da vida, professor do cotidiano, me pergunto: será que estou fadado a ser apenas trabalhador? Essa dúvida me assombra. E você, já se questionou da mesma forma?

Junho chegou com o cheiro de fogueira, as cores das bandeirinhas e a promessa alegre das festas juninas — um convite aos sonhos. No entanto, o dia 3 começou atravessado. Vesti minha calça xadrez, símbolo de uma tradição que me comove e de uma rebeldia que me define, e fui à parada cívica em homenagem ao aniversário de Senador Canedo, minha cidade. No meio do povo, entre alunos, colegas e conhecidos, busquei a simplicidade do convívio. Era “professor pra cá, professor pra lá”, alguns me chamando, outros acenando ou apenas meneando a cabeça — um respeito silencioso a quem, mesmo sem fama, deixa marcas.

Naquele instante, minha vida profissional parecia pulsar com um entusiasmo quase onírico. Mas a beleza se desfez na rigidez da burocracia. Cheguei atrasado, a coordenadora já havia partido, e meu ponto foi cortado nos documentos da escola. A frustração me invadiu. Pensei nas alianças que tantos vangloriam, mesmo quando contradizem o que é justo e ético. Seria preciso abrir o coração à resiliência ou, talvez, fechar os olhos às pequenas injustiças? Há quem diga que, quanto mais nos aproximamos das pessoas certas — e quanto mais afrouxamos nossos princípios —, maiores são as chances de destaque. Mas essa lógica é um abismo que chama outro.

O restante do dia seguiu tenso. Ainda assim, mantive a calma. Meu celular, sempre ligado, vibrava sem cessar. Uma mensagem vazia aqui, outra ali, e eu, com minha estranha generosidade, respondia a todas. Como se esse ruído constante significasse algum progresso. Às vezes me iludo, achando que tudo isso faz parte da busca pela felicidade. Talvez seja ingenuidade. Talvez seja só o lado bom da minha tolice.

Hoje, com mais distância e reflexão, entendo que o verdadeiro sucesso não está no aplauso, na fama ou no ponto registrado no controle trabalhista. Está na capacidade de seguir em frente, mesmo quando o entusiasmo se esvai e a rotina pesa. Reconhecimento não deveria custar nossos princípios. A vida é um emaranhado de expectativas e realidades, e manter-se íntegro já é, por si só, um grande feito. O medo de ser “só trabalhador” talvez nunca desapareça. Mas, se há algo que aprendi, é que o valor do que fazemos está menos na visibilidade e mais na honestidade dos nossos passos. Afinal, a paixão silenciosa com que nos entregamos ao ofício diz mais sobre nós do que qualquer fama barulhenta.



Minha crônica é uma reflexão profunda sobre o sucesso, o trabalho e os dilemas éticos no ambiente profissional, especialmente no contexto educacional. Ela aborda a dicotomia entre o reconhecimento formal e o valor intrínseco do trabalho, além de tocar em questões de burocracia e pressões sociais. Como professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples para aprofundar essas ideias:


1 - A crônica inicia com a pergunta: "Será que estou fadado a ser apenas trabalhador?" e questiona a ideia de sucesso atrelado à fama, em vez do esforço no trabalho. Como a Sociologia do Trabalho analisa a construção social do "sucesso" na sociedade contemporânea e de que forma essa concepção pode gerar angústia e insatisfação nos indivíduos que não se encaixam nesse padrão?


2 - O autor descreve o corte de seu ponto por atraso como um exemplo da "rigidez da burocracia" que desfaz o "entusiasmo" profissional. Como a Sociologia das Organizações compreende o impacto da burocracia excessiva nas relações de trabalho e na motivação dos profissionais, especialmente em instituições como a escola?


3 - A crônica levanta a discussão sobre as "alianças" e o "afrouxar os princípios" em busca de destaque, comparando essa lógica a um "abismo que chama outro". Discuta, sob a ótica da Sociologia da Moral e da Ética, os dilemas enfrentados pelos indivíduos em ambientes competitivos e as pressões sociais que podem levar à relativização de valores em busca de reconhecimento.


4 - O texto menciona a interação com o smartphone e as "mensagens vazias" como parte de uma "busca pela felicidade" que pode ser "ingenuidade" ou "tolice". Como a Sociologia da Comunicação e das Relações Sociais analisa o papel das mídias digitais na vida cotidiana e a forma como a constante conectividade pode influenciar a percepção de produtividade, felicidade e realização pessoal?


5 - Ao final, o autor reflete que o "verdadeiro sucesso não está no aplauso, na fama ou no ponto registrado no controle trabalhista", mas na "capacidade de seguir em frente" e na "honestidade dos nossos passos". Como a Sociologia da Vida Cotidiana pode interpretar essa busca por um sentido mais autêntico do trabalho e da existência, em contraposição aos valores materialistas e superficiais que muitas vezes são impostos pela sociedade?

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