"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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sábado, 22 de junho de 2019

QUANDO FRACO, FORTE ( "Há riscos e custos para a ação. Mas eles são muito menores do que os riscos a longo prazo da inação confortável." — John F. Kennedy)


QUANDO FRACO, FORTE ( "Há riscos e custos para a ação. Mas eles são muito menores do que os riscos a longo prazo da inação confortável." —  John F. Kennedy)

Por Claudeci Ferreia de Andrade

Era uma tarde de outono quando o sinal tocou, anunciando o fim de mais um dia letivo. Trinta anos de magistério pesavam sobre meus ombros, mas nada me preparara para a lição que estava prestes a aprender. Com a semana de avaliações se aproximando e a habitual tensão no ar, decidi elaborar uma prova diferente, algo que realmente desafiasse meus alunos - duas páginas repletas de questões objetivas, dignas de um vestibular.

O obstáculo surgiu quando constatei que a escola não tinha recursos para imprimir tantas cópias. Desenvolvi então uma solução: cobrar vinte e cinco centavos por prova, quando o custo real era de vinte. Os cinco centavos excedentes serviriam para cobrir aqueles que não pudessem pagar. Para estimular a participação, estabeleci uma condição: quem não pagasse teria que copiar a prova à mão, mesmo sabendo que isso seria impossível no tempo disponível.

A aplicação da prova mal começara quando uma aluna me abordou, educada, mas direta: "Professor, se quem não pagar vai ter que copiar a prova, eu só vou pagar vinte centavos." Sua voz soou firme, seus olhos brilhando com uma mistura de desafio e indignação. Engoli em seco, percebendo que minha estratégia havia se voltado contra mim.

No segundo ano "D", tentando melhorar o rendimento da turma, estabeleci que a prova seria feita em duplas - uma pequena mudança visando tornar o processo mais leve e colaborativo. Mas, como é característico do ambiente escolar, nada passa despercebido.

Dias depois, Janaína, do 2º C, me interpelou no corredor: "O senhor devolveu o dinheiro para as duplas do 2º D? Eles usaram menos provas!" Sua voz carregava uma acusação velada, como se eu fosse um criminoso prestes a ser desmascarado. Enquanto explicava que cada aluno recebera sua cópia para rascunho, uma reflexão me ocorria: por que se importavam tanto com algumas moedas que poderiam me sobrar, mas não se preocupavam com a possibilidade de eu ter prejuízo?

Naquela noite, recostado em minha poltrona gasta, recordei as palavras de um colega mais experiente: "É o espírito de cidadania que tanto pregamos", ele dissera com um sorriso irônico. Seria realmente isso? Ou estaríamos formando uma geração de fiscais implacáveis, prontos para apontar o dedo ao menor sinal de injustiça, real ou imaginária?

Em busca de conforto, abri minha velha Bíblia e li em voz baixa: "Se lhe baterem numa face, apresente a outra também". A sabedoria milenar parecia dialogar com minha situação contemporânea. Ser professor, compreendo agora, é vivenciar essas palavras diariamente. As críticas, as cobranças e os pequenos ataques disfarçados de justiça são, frequentemente, oportunidades de praticar o que ensinamos.

Com o passar dos dias, percebi que aqueles centavos devolvidos haviam transcendido a questão financeira, tornando-se símbolos de confiança e respeito mútuo entre professor e aluno. Cada moeda carregava o peso das expectativas, das frustrações e dos sonhos daqueles jovens.

Em retrospecto, entendo que a verdadeira lição não estava na prova elaborada, mas nas reações que ela provocou. Aprendi que o custo de nossas ações frequentemente ultrapassa o valor monetário, e que cada decisão que tomamos como educadores repercute na vida de nossos alunos de maneira imprevisíveis.

Educação, afinal, transcende o ensino de conteúdo. Trata-se de demonstrar, através de pequenas atitudes, como enfrentar as injustiças da vida. E se, por vezes, esses ensinamentos passam despercebidos pelos alunos, mantenho a convicção de que um dia, ao enfrentarem seus próprios dilemas, as lições que vivemos juntos ecoarão em suas memórias.

Enquanto isso, carrego minhas cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais, reconhecendo-as como parte intrínseca de minha missão. Ao fechar a porta da sala de aula, levo comigo a certeza de que, mais do que provas ou notas, o que verdadeiramente importa são os laços que se formam e as lições que se perpetuam. Afinal, que outro ofício no mundo poderia me ensinar tanto quanto este?

E você, caro leitor, já refletiu sobre o verdadeiro preço de suas ações? Quantas moedas de confiança e respeito você tem acumulado ou perdido ao longo do caminho? Talvez seja hora de fazermos nossas próprias contas, não com centavos, mas com os valores que realmente importam.



Com base no texto apresentado, proponho as seguintes questões para uma discussão em sala de aula, explorando os temas da educação, ética e relações interpessoais:


O texto apresenta um conflito entre a necessidade de recursos e a ética profissional. Como o professor poderia ter resolvido a situação de forma mais adequada?


A atitude dos alunos, tanto na cobrança dos vinte centavos quanto na acusação de fraude, revela quais valores e expectativas em relação ao professor?


O autor reflete sobre o papel do professor como modelo. Quais valores éticos e morais devem ser transmitidos aos alunos através do exemplo?


O texto aborda a questão da confiança na relação professor-aluno. Como construir e manter essa confiança em um ambiente escolar?


Qual o impacto das atitudes dos alunos na motivação e no bem-estar do professor? Como os professores podem lidar com situações de desrespeito e ingratidão?

segunda-feira, 17 de junho de 2019

O Peso da Avaliação e as Travessias da Docência ("Muitas vezes abro mão de minha opinião para agradar aos imbecis funcionais!" — (Luiz Felipe)



Crônica

O Peso da Avaliação e as Travessias da Docência ("Muitas vezes abro mão de minha opinião para agradar aos imbecis funcionais!" — (Luiz Felipe)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O fim do ano letivo chegou, e com ele, a rotina inevitável dos conselhos de classe. A sala, naquele dia, mais parecia um campo de batalha do que um espaço de discussão pedagógica. A tensão era palpável, e os professores, como gladiadores, defendiam suas posições com a intensidade de quem luta pela própria honra. Cada um tinha sua verdade, e eu, ali no meio, tentava entender qual delas seria a mais próxima da realidade de fato.

Lembro-me de um colega em particular. Seus olhos estavam carregados de aflição, e ele procurou meu conselho antes da reunião. Sua turma estava desmoronando: 50% dos alunos com notas insuficientes para aprovação. Ele estava com medo. Medo de ser responsabilizado por decisões que não sabia mais se eram justas, ou se eram apenas uma tentativa de seguir o que o sistema exigia. "Será que a culpa é minha? Será que estou fazendo certo?" Ele questionava. E me confessou que, mais do que saber o que fazer com aqueles alunos, ele estava perdido em como lidar com o peso das consequências. Uma dúvida que, no fundo, todos nós carregamos, mas que poucos têm coragem de expressar.

Entendi naquele momento que a avaliação não é apenas uma questão técnica ou de métrica. Ela é um fardo emocional, que pesa nas costas de quem a aplica. Como decidir o futuro de um aluno, sabendo que nossas escolhas, muitas vezes, são influenciadas por pressões externas e não pela competência genuína do estudante? O ambiente escolar, com seu labirinto de expectativas e influências, transforma a simples tarefa de avaliar em algo bem mais complexo. É claro que os critérios existem, mas será que sempre são seguidos de forma justa?

No conselho de classe, a confusão tomou conta. Alguns professores defendiam métodos mais rígidos, outros se apegavam à ideia de "dar uma chance" a quem não havia conseguido. Havia discussões acaloradas, vozes que se sobrepunham, e a sensação de que ninguém ali estava realmente interessado no aprendizado do aluno, mas em como melhor justificar suas próprias decisões. Como em um jogo de poder, cada um tentava salvar suas escolhas, enquanto a verdadeira essência da educação se perdia no meio da discussão.

Após a reunião, saí de lá exausto, com a sensação de que nada havia sido resolvido. O que realmente fizemos ali? Estávamos avaliando os alunos ou apenas buscando uma forma de classificar, como se isso fosse o suficiente para determinar quem merece continuar e quem deve ser descartado? Perguntei-me se, como professor, estava sendo realmente justo com meus alunos. Será que estava oferecendo a eles as oportunidades necessárias para aprender, ou estava apenas cumprindo um protocolo? Talvez a resposta não fosse tão simples quanto parecia.

Foi então que percebi: a avaliação é um instrumento poderoso, que pode tanto impulsionar o crescimento de um aluno quanto limitá-lo. Não basta olhar para os resultados. Devemos enxergar o aluno como um ser único, com suas próprias dificuldades e potencialidades. A reprovação, se necessária, deveria ser o último recurso, e não uma decisão automática diante das falhas.

Nos dias que se seguiram, minha mente continuou a divagar. Fui tomado por um sentimento de cansaço, não físico, mas emocional. Quantas vezes durante o ano senti que, mais do que ensinar, estava sendo envolvido em um jogo de cartas marcadas, onde a verdade se dissolvia em favor de acordos não ditos? A ideia de que "não tenho ódio, nem vontade de chorar... mas também não tenho vontade de mais nada", como escreveu Caio Fernando Abreu, fez total sentido. Era como se, após todo o desgaste, tudo o que me restasse fosse a indiferença.

E, entre os desafios de cada dia, as diferenças começaram a se diluir. Fui chamado para defender minha postura diante dos alunos, aqueles que eram mais difíceis de controlar. Às vezes, quando endureço meu coração, sou odiado por ambos os lados: pelos alunos e pelos colegas que preferem ser mais flexíveis. Como se a disciplina fosse um fardo a ser evitado. E ali estavam eles: alunos descomprometidos, que, mesmo tendo faltado à prova, apareciam depois, tentando reverter a situação, pedir novas chances, ou como alguns diriam, "dar um jeitinho". Aí, surgem os que intercedem por eles, sem entender que, ao fazer isso, estão se expondo, se colocando na linha de fogo por algo que não lhes pertence. Como disse William Paixão, "Interceder é se expor, e se colocar na brecha pelo outro." Para mim, isso era impostura. Uma tentativa de manipular o sistema.

Mas, como todo fim de ciclo, o ano letivo chegou ao seu fim. Eu, com meus nervos à flor da pele, tentando encontrar um sentido no processo que se revelou, muitas vezes, um julgamento impessoal. Como se a verdadeira essência do ensino fosse perdida nas disputas internas e nos jogos de poder. Minhas emoções estavam instáveis, como se, mais do que lidar com problemas reais, estivesse lutando contra desafios que nasciam dentro de mim. Isso tudo me levou a refletir sobre a minha prática. "Se me derem o supérfluo, abro mão do indispensável", já dizia Oscar Wilde. E, assim, o ano chegou ao fim, com mais perguntas do que respostas.

Agora, diante dessa avalanche de sentimentos, preciso de uma pausa. Estender a rede e parar de tentar entender tudo. Desacelerar, simplesmente, para sentir a tranquilidade. Vou me deitar, mas não para dormir. Vou deixar que tudo flua. No silêncio, mais sensível às pequenas coisas, talvez encontre uma nova forma de ver o mundo. Sem preocupações, sem julgamentos. E quem sabe, nesse espaço de paz, um poema brote dentro de mim, pronto para ser escrito e encontrado por alguém com asas, disposto a entender o peso de ser professor, mas também o alívio de se libertar das amarras que o sistema tenta impor.


Com base no texto apresentado, elaborei 5 questões que estimulam a reflexão sobre os temas abordados, com foco na sociologia da educação:


1. O texto apresenta um retrato crítico dos conselhos de classe. Quais são os principais problemas da avaliação escolar evidenciados no texto? (Esta questão incentiva os alunos a identificar os desafios e contradições presentes no processo avaliativo.)


2. O autor menciona a pressão que os professores sofrem para atender às expectativas externas. De que forma essa pressão interfere na prática pedagógica e na relação professor-aluno? (Esta questão aborda a questão da autonomia profissional e as implicações da avaliação externa na sala de aula.)


3. O texto destaca a importância da individualidade dos alunos. Como a avaliação escolar pode ser adaptada para considerar as diferenças individuais e promover um aprendizado mais significativo? (Esta questão incentiva a reflexão sobre práticas avaliativas mais flexíveis e personalizadas.)


4. A busca por um consenso nos conselhos de classe é apresentada como um desafio. Quais os fatores que dificultam a construção de um consenso sobre a avaliação escolar? (Esta questão leva os alunos a refletir sobre os diferentes interesses e perspectivas presentes no processo avaliativo.)


5. O autor expressa um sentimento de exaustão e desânimo em relação à sua prática docente. Quais as possíveis consequências emocionais e profissionais da avaliação excessiva e burocrática? (Esta questão aborda a questão do bem-estar docente e a importância de um ambiente de trabalho mais saudável.)

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domingo, 9 de junho de 2019

A Ilusão da Bondade ("Maldade maternal existe, mães matam, mães destroem, mães não estão acima de tudo em um pedestal, elas agridem, machucam e causam feridas que aumentam cada dia mais com o tempo!" — Renata libereco)



Crônica


A Ilusão da Bondade ("Maldade maternal existe, mães matam, mães destroem, mães não estão acima de tudo em um pedestal, elas agridem, machucam e causam feridas que aumentam cada dia mais com o tempo!" — Renata libereco)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sala de aula, um microcosmo do mundo, sempre me fascinou. Nela, a cada dia, somos testemunhas de pequenas revoluções, de descobertas e de frustrações. Mas, ultimamente, uma inquietação me assombra: a educação parece ter se desviado do seu caminho original.

Lembro-me dos meus primeiros anos como professor, quando a sala de aula era um palco onde a paixão pela aprendizagem era contagiante. Os alunos, ávidos por conhecimento, me olhavam com olhos brilhantes, ansiosos por desvendar os mistérios do mundo. Hoje, vejo em seus olhares um certo vazio, uma expectativa de que o aprendizado caia do céu, como uma dádiva divina.

A bondade, essa virtude tão exaltada, tornou-se uma moeda de troca. A ideia de que o amor incondicional é a única ferramenta para educar ganhou força, mas, paradoxalmente, gerou uma geração de alunos que, por vezes, parecem não compreender o valor do esforço e da dedicação. A escola, em vez de ser um ambiente que desafia e estimula, transformou-se em um espaço onde a aprovação é garantida, independentemente do desempenho.

É como se tivéssemos criado uma geração de príncipes e princesas, acostumados a receber tudo sem esforço. A recompensa, antes conquistada com suor e dedicação, tornou-se um direito adquirido. E a culpa por essa situação? É atribuída a todos, menos aos próprios alunos.

A cada reunião pedagógica, a conversa gira em torno de como facilitar a vida dos alunos, como garantir que todos sejam aprovados. A didática, a avaliação, tudo é adaptado para garantir o sucesso, mesmo que isso signifique comprometer a qualidade do ensino. Afinal, quem somos nós para negar o direito de um aluno a uma boa nota?

Mas, será que estamos realmente fazendo um favor aos nossos alunos? Ao facilitar demais o caminho, estamos, na verdade, os preparando para um futuro onde a frustração será inevitável. A vida não é um mar de rosas, e o sucesso é fruto do trabalho árduo e da persistência. Ao criar uma geração de alunos acostumados a receber tudo de mão beijada, estamos os tornando vulneráveis às adversidades.

A educação, para mim, nunca foi sobre notas ou aprovações. É sobre despertar a curiosidade, estimular o pensamento crítico e formar cidadãos responsáveis. É sobre mostrar aos nossos alunos que o conhecimento é uma ferramenta poderosa, que pode transformar suas vidas e a vida daqueles ao seu redor.

É preciso coragem para dizer não, para exigir mais dos nossos alunos. É preciso ter a humildade de reconhecer que nem sempre temos as respostas e que o aprendizado é um processo contínuo. E, acima de tudo, é preciso acreditar no potencial de cada um, mesmo quando as dificuldades parecem insuperáveis.

Ao final de cada dia, reflito sobre a minha missão como professor. E percebo que, apesar dos desafios, minha paixão pela educação permanece intacta. Sei que estou fazendo a diferença na vida de cada um dos meus alunos, mesmo que essa diferença não seja visível a todos. A verdadeira recompensa não está nos aplausos ou nos elogios, mas na certeza de que plantei uma semente que um dia poderá florescer.

A educação é um ato de amor, mas um amor exigente, que desafia e transforma. E é nesse desafio que encontramos a verdadeira essência da aprendizagem.

Com base na crônica apresentada, que reflete sobre a transformação da educação ao longo do tempo, proponho as seguintes questões para estimular a reflexão dos alunos:

1. Qual a principal crítica do autor em relação à educação atual?

Essa pergunta direciona o aluno a identificar a principal insatisfação do autor com o sistema educacional atual, que parece ter se distanciado do seu propósito original.

2. Como a busca pela aprovação de todos os alunos pode impactar negativamente o aprendizado?

A questão incentiva o aluno a refletir sobre as consequências de um sistema educacional que prioriza a aprovação em detrimento da aprendizagem significativa.

3. Qual a importância do esforço e da dedicação no processo de aprendizagem, segundo o autor?

Essa pergunta estimula o aluno a valorizar o papel do esforço individual no desenvolvimento de cada um.

4. Como a figura do professor é retratada na crônica? Quais os desafios enfrentados por ele na atualidade?

A questão convida o aluno a refletir sobre o papel do professor na sociedade e os desafios que ele enfrenta em um contexto educacional em constante transformação.

5. Qual a mensagem central que o autor busca transmitir com essa crônica?

Essa pergunta incentiva o aluno a sintetizar a ideia principal do texto e a refletir sobre a importância da educação para a formação de cidadãos críticos e conscientes.

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sábado, 1 de junho de 2019

A Teia do Pensamento Humano ("Livros de AUTOAJUDA ajudam, principalmente, a quem os escreve!" — BARBOSA LAGOS)





Crônica

A Teia do Pensamento Humano ("Livros de AUTOAJUDA ajudam, principalmente, a quem os escreve!" — BARBOSA LAGOS)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O pensamento, esse emaranhado de ideias que nos define, não é uma criação exclusivamente nossa, mas sim parte de uma grande teia cósmica que nos precede. "O homem só pensa a partir do que já existe" - esta verdade fundamental nos convida a refletir sobre nossa real contribuição para o universo do conhecimento.

À semelhança do que propõe João Cabral de Melo Neto em "Tecendo a Manhã", onde um galo sozinho não tece uma manhã e precisa de outros galos para formar uma teia de sons, nossos pensamentos são parte de uma construção coletiva. Somos como tecelões que não criam os fios, mas os entrelaçam de maneiras únicas, transformando informações preexistentes em novas configurações.

A história nos mostra que mesmo os grandes pensadores não criaram do nada. Newton, por exemplo, não inventou a gravidade, mas a descreveu a partir do conhecimento acumulado por seus antecessores. Como disse Lavoisier, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" - princípio que se aplica também ao campo das ideias.

Esta perspectiva contradiz a noção moderna de autossuficiência absoluta do pensamento. Não somos deuses criadores, como sugerem alguns discursos de autoajuda, mas participantes de um processo maior. A existência de profetas e videntes, por exemplo, não se deve a um poder sobrenatural de criação, mas à capacidade de perceber eventos que já existem em alguma dimensão.

Descartes propôs "penso, logo existo", mas talvez seja mais preciso dizer "existo, logo penso", pois nossa existência precede e possibilita o pensamento. Somos como esponjas absorvendo o mundo ao nosso redor, e nossa originalidade reside não na criação ex nihilo, mas na forma única como combinamos e recombinamos as ideias existentes.

A verdadeira liberdade não está em nos imaginarmos criadores absolutos, mas em compreender nosso papel como parte de algo maior. Ao reconhecermos a interconexão de todas as coisas, podemos contribuir mais conscientemente para o desenvolvimento do conhecimento humano, como fios individuais em um tecido infinitamente mais vasto que nós mesmos.


5 Questões Discursivas sobre o Texto


1. Qual a principal ideia defendida pelo autor sobre a origem e a natureza do pensamento humano?


2. Como a metáfora da tecelagem utilizada pelo autor ajuda a explicar a relação entre o pensamento individual e o conhecimento coletivo?


3. Qual a crítica do autor à ideia de que o pensamento humano é exclusivamente individual e original?


4. De que forma a história da ciência e da filosofia corrobora a tese defendida pelo autor sobre a natureza do pensamento?


5. Qual a importância de reconhecer a interconexão dos pensamentos e a influência do conhecimento coletivo no desenvolvimento individual?

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sábado, 25 de maio de 2019

O Peso das Rugas na Sala de Aula ("Jovem, não deboche do idoso, porque só com muita sorte você chegará lá!" — Gilberto Martini Refatti)



Crônica

O Peso das Rugas na Sala de Aula ("Jovem, não deboche do idoso, porque só com muita sorte você chegará lá!" — Gilberto Martini Refatti)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sala de aula, outrora palco sagrado de trocas e sabedoria, transformou-se num ringue onde a juventude, munida de sua arrogância temporal, desfere golpes impiedosos contra a experiência. Como professor veterano, sinto diariamente o peso crescente da discriminação etária pairando sobre mim, manifestando-se em olhares, gestos e palavras que ferem mais que críticas construtivas.

"Que nojo", disse uma aluna quando expressei admiração por ela. "Podre!", disparou uma jovem colega professora quando tentei uma aproximação profissional. Palavras simples, mas carregadas de um desprezo que ecoa muito além de seus significados literais. Não sou o único - outros colegas também relatam episódios semelhantes, onde a experiência é desvalorizada e a juventude é equivocadamente exaltada como sinônimo de superioridade.

A sociedade contemporânea, obcecada pela juventude e beleza física, parece ter esquecido o valor dos mais velhos. Os jovens são adorados e protegidos - quanto menor a idade, maior o amparo. Compreendo essa dinâmica, mas garanto: já fui jovem e não desejaria retornar àquela fase. Se pudesse escolher, preferiria manter a experiência que hoje carrego.

Observo seus comportamentos arriscados, como se a morte fosse uma impossibilidade distante, e reflito: poucos alcançarão os 60 anos. Mais importante que isso, poucos compreenderão a diferença crucial entre simplesmente durar e verdadeiramente viver. Para receber o presente da terceira idade, é preciso viver em harmonia com os elementos naturais do universo. Viver lentamente é durar, mas durar sem qualidade não é viver.

Em meio a esse cenário desafiador, encontro conforto em palavras como as de Dona Leila Maria: "Não te acho velho, pelo contrário, te admiro muito. Meu filho te adora, e eu também, meu mestre amigo! Siga em frente e não escuta o que eles falam... levanta a cabeça, você é muito inteligente e culto, parabéns!" São poucos os olhares que conseguem enxergar além das rugas, que compreendem que o essencial do ser humano está em sua contribuição para o mundo.

Como bem observou Dostoiévski, "O segredo da existência humana reside não só em viver, mas também em saber para que se vive." A inversão de valores que presenciamos nas escolas e famílias parece resultar de uma recusa ao ideário dos mais velhos, substituindo a sabedoria por futilidades e atalhos vazios.

Não estou aqui para combater a "Idosofobia" - sei que esse preconceito persistirá. Porém, a vergonha que sentem de mim hoje, amanhã sentirão de si mesmos. Como diria Charles Bukowski ao interpretar o mandamento bíblico "Amai ao próximo": "Isso poderia significar algo como: 'Deixe-o em paz.'"

A velhice não é um fim, mas um novo começo - uma oportunidade de olhar para trás e contemplar o construído, enquanto seguimos aprendendo e crescendo. Sigo em frente, cabeça erguida e coração esperançoso, pois sei que as rugas que marcam meu rosto não são símbolos de obsolescência, mas mapas das experiências que me trouxeram até aqui.


5 Questões Discursivas sobre o Texto


1. Qual a principal crítica do autor em relação à forma como a sociedade contemporânea enxerga e trata os idosos?


2. Como a valorização excessiva da juventude e da beleza física impacta a forma como as pessoas envelhecem e são vistas?


3. Qual a importância da experiência dos mais velhos para a sociedade e como ela é desvalorizada no contexto atual?


4. De que forma a educação pode contribuir para mudar a percepção sobre a velhice e promover o respeito aos mais velhos?


5. Como a busca por experiências imediatas e a valorização de uma vida rápida podem comprometer a qualidade de vida e a longevidade?

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