"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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terça-feira, 19 de novembro de 2024

O Cão Morto e a Escola: Símbolos de Descaso e Resistência ("A grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela forma como seus animais são tratados." — Mahatma Gandhi)

 

O Cão Morto e a Escola: Símbolos de Descaso e Resistência ("A grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela forma como seus animais são tratados." — Mahatma Gandhi)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era uma manhã densa, daquelas que carregam no ar um peso inexplicável. O feriado prolongado havia deixado a escola em um silêncio estranho, e agora, enquanto os alunos voltavam a preencher o pátio, algo parecia diferente. Caminhei pelo corredor, imerso no usual ruído de passos e risadas, mas um cheiro peculiar denunciava algo mais.

Diante da porta da sala dos professores, deparei-me com uma cena que interrompeu meus passos e pensamentos: o corpo inerte de um cachorro, abandonado como um segredo revelado. O odor era insuportável, mas profundamente simbólico. Não era apenas o cheiro de carne em decomposição; carregava o peso de um descaso que ultrapassava aquele momento, impregnando-se nas paredes da escola e, de certa forma, em cada um de nós.

Recordei os cães de rua que diariamente rondavam o espaço escolar. Mais que mendigos urbanos, eram sombras que acompanhavam a rotina das crianças, alimentados por migalhas da merenda. Olhos esperançosos e corpos franzinos moviam-se com a sabedoria de quem sobrevive à margem, sem nunca ser completamente marginal. Aquele cão morto parecia representar um reflexo do abandono que a própria escola, em sua essência, muitas vezes tenta esconder.

A escola não é apenas um lugar de aprendizado formal. É um organismo vivo que respira e pulsa com histórias não contadas entre seus muros. Como a vida, carrega o peso de suas feridas, frequentemente varridas para baixo do tapete da rotina. Os erros cometidos ali exalam um cheiro peculiar, não imediato, mas persistente — o cheiro de um descuido coletivo.

O cão morto, abandonado como um objeto qualquer, trouxe um incômodo inevitável. Mais que uma presença inconveniente, era um símbolo do que a escola e a sociedade insistiam em não enxergar. Enquanto os alunos passavam apressados, cobrindo os narizes com as mangas, vi em seus rostos uma mistura de curiosidade e repulsa. Era irônico perceber que aquele animal, em sua condição mais vulnerável, era parte da paisagem tanto quanto os próprios estudantes.

Mais tarde, quando o sino tocou, anunciando o recreio, o ritual se repetiu: crianças oferecendo pedaços de pão aos cães que circulavam pelo pátio. Em seus gestos despretensiosos, havia uma humanidade que contrastava com a negligência do sistema educacional. Cada pedaço compartilhado parecia um pacto silencioso, um lembrete de que a vida, por mais difícil, insiste em buscar conexão e acolhimento.

No final daquela manhã, ao cruzar o portão da escola, rumo a minha casa, olhei para um dos cães deitado à sombra, como quem espera um final que talvez nunca chegue. A cena me fez refletir sobre a escola como um espaço de migalhas: migalhas de atenção, de cuidado, de recursos. E, no entanto, também me fez pensar na força resiliente que sobrevive mesmo entre as sobras.

A vida, afinal, não escolhe seus palcos. Ela acontece, teimosa, entre migalhas e esperanças, entre erros e gestos de bondade, lembrando-nos que até o mais simples ato de cuidado pode ser o início de uma transformação ainda inimaginável.


Com base na reflexão apresentada no texto, proponho as seguintes questões para estimular um debate aprofundado sobre a educação e a sociedade:


Qual a relação entre a imagem do cão morto e a situação da escola descrita no texto?

Essa questão leva os alunos a refletirem sobre o simbolismo da morte do animal e como ela representa um problema mais amplo dentro da instituição escolar.


Como a escola, segundo o texto, se torna um reflexo da sociedade em que está inserida?

A pergunta incentiva os alunos a analisar as interconexões entre a escola e a sociedade, e como as questões sociais se manifestam dentro do ambiente escolar.


Qual o papel dos alunos na construção de um ambiente escolar mais humano e justo?

Essa questão leva os alunos a refletirem sobre sua própria responsabilidade na transformação da escola e a importância de suas ações individuais.


De que forma a indiferença e a negligência podem impactar a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos?

A pergunta incentiva os alunos a pensar sobre as consequências da falta de cuidado e atenção para com os estudantes e como isso pode afetar suas vidas.


Qual a importância de gestos simples de solidariedade e cuidado no ambiente escolar?

Essa questão convida os alunos a refletir sobre o poder transformador de pequenas ações e como elas podem contribuir para a construção de uma escola mais humana e acolhedora.


Observações:


Abordagem interdisciplinar: As questões podem ser relacionadas a outras disciplinas, como língua portuguesa, filosofia e psicologia, ampliando a perspectiva dos alunos.

Crítica e reflexão: As perguntas estimulam os alunos a pensar criticamente sobre as informações apresentadas no texto e a construir suas próprias opiniões.

Diálogo e debate: As questões podem ser utilizadas como ponto de partida para debates em sala de aula, promovendo o respeito às diferentes perspectivas e a construção de um conhecimento coletivo.

Ao trabalhar com essas questões, é importante que o professor crie um ambiente seguro e acolhedor para que os alunos possam expressar suas ideias e opiniões de forma livre e respeitosa. A partir desse debate, é possível aprofundar a reflexão sobre temas como educação, sociedade, ética e responsabilidade social.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Retratos de uma Educação Desencantada ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." - Nelson Mandela)

 

Retratos de uma Educação Desencantada ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." - Nelson Mandela)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Hoje, enquanto caminhava pela calçada molhada de uma cidade cinzenta, um peso estranho parecia me acompanhar. Não era apenas a pasta de professor que eu carregava, mas algo mais profundo, como se ela estivesse transbordando histórias e frustrações que a profissão me impôs. Eu a tinha escolhido, mas, com o tempo, percebi que ela, na verdade, me escolheu primeiro.

A chuva batia ritmada no asfalto, como uma metáfora perfeita para a frustração que se acumulava. Cada gota parecia contar uma história de esperanças desfeitas dentro das salas de aula, onde, teoricamente, deveria florescer a curiosidade. A educação, com todo o seu potencial de transformação, se transformava em um ciclo vicioso de desânimo.

Lembrei dos rostos jovens, marcados pela falta de crença no futuro. Não eram apenas alunos; eram reflexos de um sistema falido que os tratava como números, estatísticas para preencher planilhas. Cada vez que tentava acender uma chama de curiosidade nos olhos deles, me via impotente. A educação já não educava, apenas empurrava os alunos para frente, como peças em um jogo cujas regras já estavam decididas antes mesmo de começarem a jogar.

No terceiro bimestre, a pressão sobre os professores se intensificava. Em vez de focarmos no aluno que não havia alcançado o conhecimento necessário, éramos nós, professores, os alvos. O que deveria ser um trabalho de construção do futuro passava a ser uma luta constante contra a burocracia: ordens impessoais para revisar notas, para "ajustar" resultados, para criar uma falsa aparência de sucesso. E, logo, no quarto bimestre, o cenário se agravava. Denúncias, acusações vazias e intervenções externas transformavam nossa rotina em um campo minado de críticas e pressões. A educação havia virado um campo de batalha invisível, onde quem mais perdia era o próprio conhecimento.

Aos poucos, os alunos aprenderam o jogo: entregam um "trabalhinho" qualquer e o peso das notas desaparece. Não era necessário esforço, nem aprendizado real. A matemática da aprovação automática se estabeleceu, e os professores, sobrecarregados e sem alternativas, sucumbem à tentação de não entrar em conflito. A máquina, movida por números e estatísticas, ganha força, enquanto a verdadeira educação perde espaço. O aprendizado genuíno cede lugar à fachada de sucesso.

Ao fim de cada dia, observando o pátio vazio, um sentimento de impotência me invadia. Os talentos desperdiçados, as mentes brilhantes que nunca foram desafiadas, as oportunidades que se perderam nas entrelinhas de um sistema que já não tinha compromisso com a formação, mas apenas com a aprovação. O mais doloroso, porém, não era apenas a frustração de tentar fazer o certo em um ambiente insustentável, mas a aceitação silenciosa disso tudo. Ninguém parecia se importar com a farsa que estávamos vivendo, e o que mais me incomodava era a sensação de que isso se repetiria indefinidamente.

A educação, que deveria ser a base sólida sobre a qual construímos o futuro, havia se tornado um campo minado. E cada passo em falso nos afastava mais de seu verdadeiro propósito. Enquanto o esforço fosse substituído por facilidades e o mérito fosse deixado de lado, o progresso seria apenas uma ilusão.

Fecho o portão da escola ao final de mais um dia e sigo para casa com o coração pesado. Não sei se amanhã será diferente. O que sei, no entanto, é que enquanto houver professores dispostos a acreditar, haverá uma chama de esperança, por mais tênue que seja, no coração de quem ainda quer fazer a diferença. Porque a verdadeira revolução na educação começa quando decidimos não nos render à indiferença, quando entendemos que, sem mérito, o progresso é nada mais que uma falácia.


Com base na reflexão apresentada no texto, proponho as seguintes questões para estimular um debate aprofundado sobre a educação e a sociedade:


Qual a relação entre a metáfora da chuva e o sentimento de frustração do professor?

Essa questão leva os alunos a refletirem sobre como elementos da natureza podem ser utilizados para expressar emoções e sentimentos complexos, além de estabelecer uma conexão entre o mundo natural e as experiências humanas.


Como o sistema educacional, segundo o texto, transforma os alunos em "números" e não em indivíduos?

A pergunta incentiva os alunos a analisar as consequências da valorização excessiva de dados estatísticos em detrimento do desenvolvimento individual e das habilidades dos estudantes.


Qual o papel da pressão institucional sobre a qualidade do ensino?

Essa questão leva os alunos a refletirem sobre como as demandas externas, como a busca por resultados imediatos e a burocratização, podem comprometer o processo de ensino-aprendizagem.


De que forma a falta de reconhecimento e valorização dos professores impacta a educação?

A pergunta incentiva os alunos a pensar sobre a importância do trabalho docente e como a falta de reconhecimento pode desmotivar os profissionais e afetar a qualidade do ensino.


Qual a importância da esperança e da resistência na luta por uma educação mais justa e significativa?

Essa questão convida os alunos a refletir sobre o papel do indivíduo na transformação da sociedade e a importância de manter a crença em um futuro melhor, mesmo diante de desafios.


Observações:

Abordagem interdisciplinar: As questões podem ser relacionadas a outras disciplinas, como língua portuguesa, filosofia e psicologia, ampliando a perspectiva dos alunos.

Crítica e reflexão: As perguntas estimulam os alunos a pensar criticamente sobre as informações apresentadas no texto e a construir suas próprias opiniões.

Diálogo e debate: As questões podem ser utilizadas como ponto de partida para debates em sala de aula, promovendo o respeito às diferentes perspectivas e a construção de um conhecimento coletivo.

Ao trabalhar com essas questões, é importante que o professor crie um ambiente seguro e acolhedor para que os alunos possam expressar suas ideias e opiniões de forma livre e respeitosa. A partir desse debate, é possível aprofundar a reflexão sobre temas como educação, sociedade, poder e transformação social.

domingo, 17 de novembro de 2024

Palavras ao Vento: Reflexões de um Escritor ("Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." — Clarice Lispector)

 

Palavras ao Vento: Reflexões de um Escritor ("Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." — Clarice Lispector)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Alguma vez você já se perguntou o que acontece com as palavras que escrevemos? Onde elas pousam, quais corações tocam e quais feridas abrem? Ao longo dos anos, como escritor, tenho refletido muito sobre a jornada das minhas palavras e sobre a complexa relação entre o autor e o leitor. Churchill certa vez disse: "Os cães nos olham de baixo, os gatos de cima, mas os porcos nos olham de igual para igual." Essa frase sempre me intrigou, e ao longo do tempo, ela ganhou novos contornos em minha própria experiência com a escrita.

Ontem, comecei a refletir sobre as diversas reações que recebi ao longo dos anos. Ao vasculhar minhas redes sociais e memórias digitais, deparei-me com um mosaico de opiniões e sentimentos. Foi durante uma tarde de contemplação que essa analogia de Churchill ganhou vida. Observando um gato no muro, mestre da indiferença graciosa, compreendi a complexidade das relações entre quem escreve e quem lê.

Ao longo dos anos, identifiquei três tipos distintos de leitores. O primeiro, representado por pessoas como Pedro, que dissecavam meus textos com precisão cirúrgica. Suas críticas, embora dolorosas, eram presentes valiosos disfarçados de desafios. Foram essas contestações que me fizeram evoluir, repensar e renascer como escritor. Além disso, havia aqueles que traziam apenas ruídos vazios, grunhidos travestidos de argumentos. Lembro-me particularmente de um comentário tão agressivo que me fez questionar se havia cometido algum crime ao escrever. Foi aí que aprendi, como dizia minha avó, que "nem todo café merece açúcar, nem toda provocação merece resposta." O silêncio, nestes casos, tornou-se minha resposta mais eloquente.

No entanto, entre esses extremos, navegam os indiferentes - um terceiro tipo. São como peões no tabuleiro da escrita, que passam por nossas palavras sem deixar rastros, nem marcas. Inicialmente, sua neutralidade incomodava, mas aprendi a vê-la como um convite para aprimorar minha arte de provocar reflexões.

Escrever transformou-se num jogo de xadrez com parceiros invisíveis, onde cada texto é um lance estratégico, cada resposta uma jogada, e cada silêncio uma manobra calculada. Não se trata mais de vencer ou perder, mas de manter a dignidade do jogo e a autenticidade das ideias. Como a rainha, que move-se livremente pelo tabuleiro, nossas palavras podem alcançar lugares inesperados e provocar reações diversas.

Como quem lança pérolas ao vento, aprendi que algumas palavras encontrarão solo fértil, enquanto outras podem cair na lama. Mas isso não diminui seu valor intrínseco. A coragem de continuar escrevendo, independentemente do destino de nossas palavras, é o que verdadeiramente importa.

A você, que chegou até aqui, deixo uma certeza nascida da experiência: não são os aplausos que nos fazem crescer, mas a coragem de permanecermos autênticos diante de todos os tipos de olhares - sejam eles vindos de cima, de baixo ou de igual para igual. Porque no fim, o verdadeiro diálogo acontece não apenas nas palavras trocadas, mas também nos silêncios escolhidos.


Com base na reflexão apresentada no texto, proponho as seguintes questões para estimular um debate aprofundado sobre a escrita, a comunicação e a relação entre autor e leitor:


Qual a importância da frase de Churchill para a reflexão do autor sobre a escrita e a relação com o leitor?

Esta questão direciona os alunos a analisar como a metáfora dos animais ajuda a compreender as diferentes formas de interação com o texto.


De que forma as críticas e os comentários negativos podem influenciar o processo criativo de um escritor?

A pergunta incentiva os alunos a refletir sobre a importância da recepção do público e como lidar com opiniões divergentes.


Qual o papel do silêncio na comunicação entre o escritor e o leitor?

Esta questão leva os alunos a considerar que a ausência de resposta também pode ser uma forma de comunicação e a refletir sobre o significado dos diferentes tipos de leitores.


Como a analogia do jogo de xadrez contribui para a compreensão da dinâmica entre autor e leitor?

A pergunta incentiva os alunos a analisar a escrita como uma atividade estratégica e a considerar os diferentes movimentos e reações envolvidos nesse processo.


Qual a importância da autenticidade na escrita e como ela se relaciona com a coragem de enfrentar diferentes tipos de reações?

Esta questão convida os alunos a refletir sobre o valor da originalidade e da honestidade na expressão de ideias e a importância de lidar com as diversas formas de recepção do público.


Observações:

Abordagem interdisciplinar: As questões podem ser relacionadas a outras disciplinas, como língua portuguesa, filosofia e psicologia, ampliando a perspectiva dos alunos.

Crítica e reflexão: As perguntas estimulam os alunos a pensar criticamente sobre as informações apresentadas no texto e a construir suas próprias opiniões.

Diálogo e debate: As questões podem ser utilizadas como ponto de partida para debates em sala de aula, promovendo o respeito às diferentes perspectivas e a construção de um conhecimento coletivo.

Ao trabalhar com essas questões, é importante que o professor crie um ambiente seguro e acolhedor para que os alunos possam expressar suas ideias e opiniões de forma livre e respeitosa. A partir desse debate, é possível aprofundar a reflexão sobre temas como comunicação, criatividade, identidade e a construção de significado.

sábado, 16 de novembro de 2024

ENTRE CICATRIZES E SORRISOS: MEIO SÉCULO DE REFLEXÕES (“Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.” — Viktor E. Frankl)

 

ENTRE CICATRIZES E SORRISOS: MEIO SÉCULO DE REFLEXÕES (“Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.” — Viktor E. Frankl)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ontem, ao organizar uma velha caixa de fotografias, encontrei uma imagem que me transportou instantaneamente aos corredores do Colégio Santa Cruz. Há 50 anos, eu era conhecido como "o garoto dos óculos fundo de garrafa". As memórias emergiram como uma avalanche: os risos zombeteiros, os empurrões "acidentais", os cadernos rasgados.

Recordo-me especialmente de uma manhã de outono, quando Freira Coracy, minha professora de literatura, encontrou-me escondido na biblioteca durante o intervalo. Meus óculos haviam sido quebrados pela terceira vez naquele mês. Suas palavras, "As pessoas só têm poder sobre você quando você lhes concede esse poder", persistem em minha memória até hoje.

Naqueles tempos, eu oscilava entre duas vozes internas conflitantes: uma me incitava à reação violenta, impelindo-me a me tornar o opressor; a outra sugeria a invisibilidade, a completa anulação do meu ser. Em busca de soluções, recorri a diversos "especialistas em autoajuda" – meros vendedores de fórmulas mágicas que prometiam transformar-me em alguém "superior" aos meus algozes.

Foi durante uma tarde chuvosa, após mais uma humilhação, que experimentei minha epifania. Ao observar a pequena árvore no pátio, que se curvava com o vento mas mantinha-se firme, compreendi: não precisava me quebrar nem me tornar intransponível.

Atualmente, como educador, testemunho o mesmo drama se repetir em diferentes faces e histórias. Compreendi que a verdadeira força não reside em erguer muros, mas em construir pontes; não em gritar mais alto, mas em falar com firmeza e compaixão. A dignidade não pede licença para existir, ela simplesmente é.

A foto amarelada agora me arranca sorrisos. Aquele garoto dos óculos grossos transformou-se em um homem que aprendeu que sua luz não precisa diminuir para que outros brilhem. As cicatrizes do bullying converteram-se em marcas de uma lição valiosa: é possível ser gentil sem ser fraco, forte sem ser cruel.

Preservo essa imagem não como lembrança de dor, mas como testemunho de transformação. Ela me relembra, diariamente, que o antídoto contra o bullying não está em fórmulas mágicas ou extremos comportamentais, mas no delicado equilíbrio entre aceitar nossa humanidade e defender nossa dignidade.

A você, que talvez atravesse seu próprio inverno de solidão e intimidação, saiba que há primavera dentro de si. Não permita que as tempestades arranquem suas raízes. Curve-se se necessário, mas mantenha-se íntegro. Seu valor não reside no julgamento alheio, mas na verdade que carrega em seu coração.


1. Com base no texto, analise como as relações de poder e dominação se manifestam no ambiente escolar através do bullying e explique por que algumas pessoas se tornam alvos frequentes dessa prática.


2. De que forma a busca por "soluções mágicas" e extremos comportamentais pode prejudicar o desenvolvimento de uma resposta saudável ao bullying? Discuta a partir das experiências relatadas no texto.


3. O narrador menciona uma transformação em sua perspectiva sobre o bullying ao longo dos anos. Explique como essa mudança de visão reflete aspectos importantes da socialização e construção da identidade.


4. Considerando o papel atual do narrador como educador, discuta a importância das instituições de ensino na prevenção e combate ao bullying, relacionando com conceitos de cidadania e dignidade humana.


5. Analise criticamente como os diferentes tipos de violência escolar descritos no texto (física, psicológica e simbólica) podem impactar o desenvolvimento social e emocional dos indivíduos a longo prazo.