Ontem, enquanto me olhava no espelho, as rugas em meu rosto pareciam ter se aprofundado de repente. Cada linha, uma história; cada vinco, uma lembrança. Observei atentamente, pensando: será que alguém ainda se importa em ouvir essas histórias?
Neste mundo acelerado, onde a juventude é venerada e a velhice temida, sinto-me como um personagem deslocado, quase uma relíquia viva. Não sou um zumbi, embora às vezes o olhar dos outros me faça sentir assim. Sou apenas um idoso, com a pele marcada pelo tempo e os olhos cansados de ver tantas mudanças, lutando para manter minha humanidade em um mundo que parece cada vez mais disposto a nos ver como números em uma planilha.
As campanhas de vacinação chegam como ondas incessantes. "Vacinem-se!", gritam os cartazes, e lá vou eu, obediente, estendendo o braço para mais uma dose. Por vezes, brinco que vou virar um jacaré de casca grossa de tanto me vacinar. O humor se tornou minha defesa contra o medo do desconhecido e a sensação crescente de que estamos sendo preparados para algo que não compreendemos totalmente.
Reflito sobre o valor que a sociedade nos atribui. É irônico que existam ONGs para proteger ratos de laboratório, mas quem se levanta para proteger a dignidade dos idosos? Nossas rugas não são uma doença a ser curada; são marcas de uma vida vivida, mapas de nossas jornadas. Voltamos a ser como crianças em muitos aspectos - dependentes e vulneráveis - mas sem a promessa de um futuro longo pela frente e, muitas vezes, sem o mesmo amor e cuidado dedicados aos pequenos.
Em filmes e livros, os zumbis são eliminados para proteger os "normais". Que analogia assustadora! Temo que um dia, nós, os idosos "inconvenientes", sejamos tratados com a mesma indiferença. Não necessariamente com violência física, mas com negligência ou sendo submetidos a experimentos médicos questionáveis, transformados em cobaias involuntárias de uma sociedade obcecada com a juventude e o controle populacional.
Ouço sussurros sobre o alto custo dos cuidados com os idosos, como se nossa existência fosse um fardo econômico. "Já viveram o suficiente", dizem alguns. Mas quem tem o direito de definir o que é "suficiente" quando se trata de uma vida humana? Cada dia é precioso, cada respiração uma dádiva, cada momento uma oportunidade de conexão e significado.
Observo as crianças brincando no parque em frente à minha janela, seus risos ecoando como um lembrete de que a vida continua, se renova. Nasce-se mais do que se morre, graças a Deus, um fato que parece frustrar aqueles que desejam impor um controle rígido sobre a demografia. A vida, em sua exuberância, escapa por entre os dedos daqueles que tentam contê-la, como areia fina.
As vacinas e remédios são caros, é verdade. Mas como mensurar o valor de uma vida? Dos sorrisos trocados entre avós e netos, das histórias passadas de geração em geração? Há algo que não compreendo nessa pressa de nos "preservar" com tanta veemência. Será genuína preocupação ou existe uma agenda mais obscura por trás dessas ações?
Ao fim do dia, sentado em minha poltrona favorita, contemplo o pôr do sol. As cores vibrantes pintam o céu, um espetáculo que me lembra da beleza que ainda existe no mundo, apesar de tudo. Penso em todos nós, jovens e velhos, como peças essenciais de um grande quebra-cabeça cósmico. Cada um tem seu lugar, seu valor intrínseco.
Que possamos aprender a respeitar e celebrar cada fase da vida, valorizar a sabedoria que vem com a idade tanto quanto a energia da juventude. Pois, no final, somos todos humanos, caminhando juntos nesta jornada chamada vida. Nossas rugas não são sinais de uma transformação em criaturas desumanas, mas testemunhas de nossa humanidade vivida e sentida intensamente.
As rugas podem nunca desaparecer, mas a alma permanece intacta, resistindo a qualquer tentativa de desumanização. Enquanto houver vida, haverá luta - luta para sermos vistos, ouvidos e tratados como seres humanos plenos. Não somos zumbis nem jacarés; somos pessoas que viveram o suficiente para merecer respeito, não medo ou indiferença.
Esta é a lição que espero deixar para aqueles que ainda têm a pele lisa e sem marcas: as rugas são sinais de vida, não de morte. São mapas de experiências, não símbolos de extinção. Que cada ruga, cada marca, cada história seja honrada e ouvida, pois nelas reside a verdadeira riqueza da existência humana.
Duas questões discursivas sobre o texto:
De que forma a sociedade atual trata os idosos e como essa visão impacta a qualidade de vida e a dignidade dessas pessoas?
Qual a importância de valorizar a experiência e a sabedoria dos idosos e como podemos construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todas as idades?