Por Claudeci Ferreira de Andrade
O sino toca, anunciando o início de mais um dia no reino do absurdo chamado PIA - Período de Intensificação da Aprendizagem. Suspiro profundamente, ajustando meus óculos cansados, enquanto observo o corredor se encher de alunos confusos e agitados. Quem foi o gênio que inventou essa desgraça? Penso comigo mesmo, sentindo o peso de mais um ano letivo desmoronando sobre meus ombros.
No velho normal, antes dessa invenção pedagógica das trevas, as coisas já eram complicadas. Agora, com o PIA, mergulhamos de cabeça em um mar de contradições. A ideia era simples: dar uma chance extra para os alunos melhorarem suas notas. Na prática? Um pandemônio que faz meu estômago revirar e minha indignação ferver.
Vejo Maria, aluna exemplar, média 9,0, sentada na primeira fila. Ela está aqui todos os dias, pontualmente, mesmo sem precisar recuperar nota alguma. Ao seu lado, João, o "zé lambança" da turma, aparece esporadicamente, recupera a nota como mágica e sai com um 10,0 no histórico. É uma injustiça gritante que faz meu senso de justiça (ou seria minha espiritualidade?) se contorcer em agonia.
Os dias passam, e o absurdo só aumenta. Alunos tecnicamente reprovados em seis disciplinas são empurrados para o PIA, como se pudessem absorver em poucos dias o que não aprenderam o ano inteiro. É um milagre kafkiano que nem o mais otimista dos educadores poderia acreditar.
Estou completamente transtornado: agastado, abespinhado, agoniado, amofinado, encolerizado, enfadado, enraivecido, espinhado, estomagado, indisposto, iracundo, irritado... A lista de adjetivos cresce na minha mente, assim como a pilha de provas para corrigir na minha mesa.
O grande dia da divulgação dos resultados chega, transformando o corredor da escola em uma bolsa de valores em dia de crash. Alunos correm freneticamente, professores dão resultados conflitantes, coordenadores tentam apagar incêndios emocionais. Os boletins, coitados, parecem ter vida própria, mostrando notas que ninguém reconhece.
No meio da confusão, ouço a ameaça de uma lista de chamada. É o cúmulo do absurdo! Manter os alunos presos aqui, como se fossem reféns do conhecimento que não absorveram. E ainda há aqueles que, alheios ao caos, não dispensam o lanche por nada neste mundo.
Encosto-me na parede, exausto. Meu ano letivo sempre termina assim: um misto de frustração e alívio. Observo os rostos ao meu redor - alguns felizes, outros decepcionados, muitos simplesmente confusos. Penso em Maria e João, nos extremos do espectro acadêmico, e em como esse sistema os trata de forma tão injusta.
Enquanto o último aluno deixa o corredor, reflito sobre o que nos trouxe até aqui. Um sistema que premia a mediocridade e desencoraja a excelência. Uma "pedagogia das trevas" que nasceu em um governo reeleito e parece ter vindo para ficar.
Mas, no fundo do meu coração cansado, ainda acredito na educação. Acredito nos Marias e nos Joões, cada um com seu potencial único. Talvez seja hora de repensarmos não apenas o PIA, mas todo nosso sistema educacional. Porque, no final das contas, não são apenas notas que estamos formando, mas o futuro de nossa sociedade.
E assim, com um último suspiro, fecho a porta da sala de aula. Outro ano se foi, levando consigo mais uma oportunidade de fazer a diferença. Amanhã será um novo dia, um novo ano letivo. E quem sabe, com um pouco de sorte e muita persistência, possamos finalmente cantar uma nova canção na educação - uma que valorize o esforço, a dedicação e o verdadeiro aprendizado, deixando para trás esse crepúsculo do bom senso que o PIA deveria representa.
Questões Discursivas:
1. O texto apresenta uma crítica contundente ao Período de Intensificação da Aprendizagem (PIA), expondo suas contradições, ineficiências e injustiças. Através da narrativa do professor e da descrição de situações absurdas, o autor questiona a lógica por trás do PIA e seus impactos negativos na educação. De que forma o autor constrói uma crítica ao PIA que vai além da mera opinião pessoal e se baseia em fatos e exemplos concretos?
2. O autor utiliza diversas figuras de linguagem para expressar sua indignação com o PIA, como metáforas, ironias e hipérboles. Como esses recursos linguísticos contribuem para a construção de um texto engajador e persuasivo, capaz de convencer o leitor sobre a necessidade de repensar o PIA?