DA RESILIÊNCIA DOS CÃES À RESILIÊNCIA DOS HUMANOS ("Fogos de artifício é igual funk e forró risca faca... Nem todo mundo curte, mas quem gosta, acha que todo mundo tem que gostar também". — Ket Antonio)
Na última virada do ano, enquanto minha cidade mergulhava num silêncio quase solene às 23h59, lembrei-me do velho Amauri Valim, que há tempos profetizara: "Para um futuro próximo, os fogos serão silenciosos, e as árvores de Natal não mais existirão." Como tantos visionários, ele não foi levado a sério. Hoje, vejo que estava certo.
Cresci numa época em que dezembro significava o ronco dos morteiros ecoando pelos bairros, crianças correndo atrás de traques na calçada, e os velhos cães de caça da vizinhança mal erguiam as orelhas diante do espetáculo pirotécnico. Eram bichos acostumados ao estampido das espingardas no mato, que vinham à cidade para as festividades como parte da família. Ninguém incomodava ninguém. A festa era de todos: humanos, cães, e gatos vadios que se escondiam discretamente sob os carros.
Mas algo mudou no ar que respiramos. Não foram apenas leis municipais que decretaram o fim dos fogos — houve uma transformação mais profunda na alma coletiva. De repente, percebemos que nossos companheiros de quatro patas sofriam em silêncio, tremendo em cantos escuros enquanto celebrávamos a chegada de um novo tempo. A culpa nos invadiu como uma maré inesperada.
Paradoxalmente, aqueles cães resilientes deram lugar a uma geração canina mais sensível, enquanto nós, humanos, nos tornamos os novos sensíveis — atentos às mudanças, às normas, às multas que chegam pelo correio quando ousamos soltar um singelo rojão. Agora, somos nós quem precisamos nos adaptar, celebrando “à moda dos cães”, como costumo dizer, com um certo tom de brincadeira amarga.
Na última passagem de ano, vi famílias reunidas nas varandas, contemplando shows de luzes silenciosas projetadas nos prédios. Crianças apontavam para o céu com a mesma expectativa de antes, mas seus olhos buscavam cores que dançavam sem som. E, enfim, os cães dormiam tranquilos.
Então me pergunto: será que perdemos algo essencial nessa transição? Ou, quem sabe, finalmente aprendemos a celebrar sem causar dor? Talvez a verdadeira maturidade de uma sociedade não se meça pela grandiosidade de suas tradições, mas pela capacidade de reinventá-las ao descobrir que ferem quem não pode se defender.
O mundo mudou, e eu mudei com ele. Hoje, minha virada do ano é um sussurro — um brinde silencioso ao tempo que passa. E confesso: há uma beleza inesperada nesse silêncio, uma intimidade que os estampidos jamais permitiram. Descobri que, às vezes, é preciso calar para ouvir o que realmente importa — o bater do coração, o respirar da vida, o ronronar do gato que, pela primeira vez, não se escondeu na virada.
Cultura ou tortura? A pergunta ecoa em minha mente enquanto 2025 desponta silencioso, mas não menos mágico. Talvez tenhamos aprendido que o maior espetáculo não está no céu, mas na capacidade humana de escolher a compaixão sobre a tradição, o cuidado sobre o costume.
Naquela noite tranquila, quando 2025 nasceu sem alarde, o som mais marcante não veio do céu, mas do chão da sala: o ronronar contínuo do meu gato, que pela primeira vez não fugiu para debaixo da cama. Seu corpo relaxado, estirado sobre o tapete, vibrava em ondas suaves — um motorzinho de paz, quase imperceptível, mas cheio de significado. Aquela pequena sinfonia felina, antes abafada pelo estrondo dos fogos, agora preenchia o ambiente com uma ternura inédita. Era como se o tempo tivesse desacelerado para que a vida, enfim, pudesse ser ouvida em sua forma mais delicada. E eu entendi: talvez o verdadeiro espetáculo seja esse — um animal em paz, num mundo que, por alguns instantes, decidiu não ferir.
E assim, entre o ronco dos fogos de ontem e o silêncio dos de hoje, percebo: às vezes, evoluir é simplesmente aprender a celebrar sem fazer barulho. (Cifa
A crônica que acabamos de ler nos convida a uma viagem no tempo, refletindo sobre as tradições de Réveillon e as mudanças que atravessam nossa sociedade. O autor nos leva a pensar sobre o impacto das festividades nos animais e a crescente busca por celebrações mais compassivas. Essa é uma excelente oportunidade para discutirmos, sob o olhar da Sociologia, como as sociedades se transformam, quais valores emergem e como nos adaptamos a novos paradigmas. Vamos às questões!
1 - O texto descreve a transição dos "morteiros ecoando pelos bairros" para os "shows de luzes silenciosas". Analise essa mudança no contexto da transformação cultural de uma sociedade. Que novos valores e sensibilidades parecem emergir ao longo do tempo, e como eles impactam as práticas sociais estabelecidas?
2 - A crônica menciona que "não foram apenas leis municipais que decretaram o fim dos fogos — houve uma transformação mais profunda na alma coletiva". Discuta como as normas sociais e a legislação se interligam: a lei pode impulsionar uma mudança, mas qual é o papel da "alma coletiva" (ou seja, da mudança de mentalidade e valores) para que essa transformação seja duradoura?
3 - O autor observa um paradoxo: "aqueles cães resilientes deram lugar a uma geração canina mais sensível, enquanto nós, humanos, nos tornamos os novos sensíveis". Explique como essa inversão de papéis pode ser interpretada sociologicamente, pensando na nossa relação com os animais e na emergência da causa animal como um movimento social relevante.
4 - A frase "Cultura ou tortura?" ecoa na mente do autor. Reflita sobre o conceito de tradição e como ele pode ser tensionado por novas preocupações éticas. Em que medida uma prática cultural, mesmo que antiga, pode ser questionada e ressignificada quando entra em conflito com o bem-estar de outros seres?
5 - Ao final, o cronista conclui que "talvez o verdadeiro espetáculo não esteja no céu, mas na capacidade humana de escolher a compaixão sobre a tradição". Discorra sobre como essa reflexão aponta para uma possível evolução das sensibilidades sociais, onde o individualismo cede espaço para uma visão mais coletiva e empática sobre as celebrações e o convívio em sociedade.
Na última virada do ano, enquanto minha cidade mergulhava num silêncio quase solene às 23h59, lembrei-me do velho Amauri Valim, que há tempos profetizara: "Para um futuro próximo, os fogos serão silenciosos, e as árvores de Natal não mais existirão." Como tantos visionários, ele não foi levado a sério. Hoje, vejo que estava certo.
Cresci numa época em que dezembro significava o ronco dos morteiros ecoando pelos bairros, crianças correndo atrás de traques na calçada, e os velhos cães de caça da vizinhança mal erguiam as orelhas diante do espetáculo pirotécnico. Eram bichos acostumados ao estampido das espingardas no mato, que vinham à cidade para as festividades como parte da família. Ninguém incomodava ninguém. A festa era de todos: humanos, cães, e gatos vadios que se escondiam discretamente sob os carros.
Mas algo mudou no ar que respiramos. Não foram apenas leis municipais que decretaram o fim dos fogos — houve uma transformação mais profunda na alma coletiva. De repente, percebemos que nossos companheiros de quatro patas sofriam em silêncio, tremendo em cantos escuros enquanto celebrávamos a chegada de um novo tempo. A culpa nos invadiu como uma maré inesperada.
Paradoxalmente, aqueles cães resilientes deram lugar a uma geração canina mais sensível, enquanto nós, humanos, nos tornamos os novos sensíveis — atentos às mudanças, às normas, às multas que chegam pelo correio quando ousamos soltar um singelo rojão. Agora, somos nós quem precisamos nos adaptar, celebrando “à moda dos cães”, como costumo dizer, com um certo tom de brincadeira amarga.
Na última passagem de ano, vi famílias reunidas nas varandas, contemplando shows de luzes silenciosas projetadas nos prédios. Crianças apontavam para o céu com a mesma expectativa de antes, mas seus olhos buscavam cores que dançavam sem som. E, enfim, os cães dormiam tranquilos.
Então me pergunto: será que perdemos algo essencial nessa transição? Ou, quem sabe, finalmente aprendemos a celebrar sem causar dor? Talvez a verdadeira maturidade de uma sociedade não se meça pela grandiosidade de suas tradições, mas pela capacidade de reinventá-las ao descobrir que ferem quem não pode se defender.
O mundo mudou, e eu mudei com ele. Hoje, minha virada do ano é um sussurro — um brinde silencioso ao tempo que passa. E confesso: há uma beleza inesperada nesse silêncio, uma intimidade que os estampidos jamais permitiram. Descobri que, às vezes, é preciso calar para ouvir o que realmente importa — o bater do coração, o respirar da vida, o ronronar do gato que, pela primeira vez, não se escondeu na virada.
Cultura ou tortura? A pergunta ecoa em minha mente enquanto 2025 desponta silencioso, mas não menos mágico. Talvez tenhamos aprendido que o maior espetáculo não está no céu, mas na capacidade humana de escolher a compaixão sobre a tradição, o cuidado sobre o costume.
Naquela noite tranquila, quando 2025 nasceu sem alarde, o som mais marcante não veio do céu, mas do chão da sala: o ronronar contínuo do meu gato, que pela primeira vez não fugiu para debaixo da cama. Seu corpo relaxado, estirado sobre o tapete, vibrava em ondas suaves — um motorzinho de paz, quase imperceptível, mas cheio de significado. Aquela pequena sinfonia felina, antes abafada pelo estrondo dos fogos, agora preenchia o ambiente com uma ternura inédita. Era como se o tempo tivesse desacelerado para que a vida, enfim, pudesse ser ouvida em sua forma mais delicada. E eu entendi: talvez o verdadeiro espetáculo seja esse — um animal em paz, num mundo que, por alguns instantes, decidiu não ferir.
E assim, entre o ronco dos fogos de ontem e o silêncio dos de hoje, percebo: às vezes, evoluir é simplesmente aprender a celebrar sem fazer barulho. (Cifa
A crônica que acabamos de ler nos convida a uma viagem no tempo, refletindo sobre as tradições de Réveillon e as mudanças que atravessam nossa sociedade. O autor nos leva a pensar sobre o impacto das festividades nos animais e a crescente busca por celebrações mais compassivas. Essa é uma excelente oportunidade para discutirmos, sob o olhar da Sociologia, como as sociedades se transformam, quais valores emergem e como nos adaptamos a novos paradigmas. Vamos às questões!
1 - O texto descreve a transição dos "morteiros ecoando pelos bairros" para os "shows de luzes silenciosas". Analise essa mudança no contexto da transformação cultural de uma sociedade. Que novos valores e sensibilidades parecem emergir ao longo do tempo, e como eles impactam as práticas sociais estabelecidas?
2 - A crônica menciona que "não foram apenas leis municipais que decretaram o fim dos fogos — houve uma transformação mais profunda na alma coletiva". Discuta como as normas sociais e a legislação se interligam: a lei pode impulsionar uma mudança, mas qual é o papel da "alma coletiva" (ou seja, da mudança de mentalidade e valores) para que essa transformação seja duradoura?
3 - O autor observa um paradoxo: "aqueles cães resilientes deram lugar a uma geração canina mais sensível, enquanto nós, humanos, nos tornamos os novos sensíveis". Explique como essa inversão de papéis pode ser interpretada sociologicamente, pensando na nossa relação com os animais e na emergência da causa animal como um movimento social relevante.
4 - A frase "Cultura ou tortura?" ecoa na mente do autor. Reflita sobre o conceito de tradição e como ele pode ser tensionado por novas preocupações éticas. Em que medida uma prática cultural, mesmo que antiga, pode ser questionada e ressignificada quando entra em conflito com o bem-estar de outros seres?
5 - Ao final, o cronista conclui que "talvez o verdadeiro espetáculo não esteja no céu, mas na capacidade humana de escolher a compaixão sobre a tradição". Discorra sobre como essa reflexão aponta para uma possível evolução das sensibilidades sociais, onde o individualismo cede espaço para uma visão mais coletiva e empática sobre as celebrações e o convívio em sociedade.