"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

DO VELHO PARA O NOVO: A NUDEZ DA CRISE ("Não é o que possuímos, mas o que gozamos, que constitui nossa abundância." (Provérbio Árabe)

 


DO VELHO PARA O NOVO: A NUDEZ DA CRISE ("Não é o que possuímos, mas o que gozamos, que constitui nossa abundância." (Provérbio Árabe)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O comportamento dos desesperados é, ao mesmo tempo, contraditório e revelador: mostra o quanto são frágeis as instituições sociais que se autoproclamam protetoras. Bastou um sopro de pânico para que suas estruturas se desmanchassem como castelos de areia diante da maré. Ainda assim, nem tudo está perdido — é justamente no desmantelamento do velho que se encontra o caminho para o nascimento do novo. Até que isso aconteça, porém, reina a confusão, a pressa cega e o medo ancestral.

A pandemia escancarou a falência de nossas estruturas simbólicas com a crueldade de quem arranca véus. A educação, antes consagrada como espaço de socialização, tornou-se campo minado de desconfiança, onde há companhias que os pais já não recomendam. A segurança virou farsa decorativa: dispensamos extintores e kits de primeiros socorros nos automóveis, mas seguimos conduzindo essas máquinas mortais pelas ruas, ostentando a pronúncia sofisticada de "drive-thru" como quem purifica o pecado da ostentação pelo verniz do estrangeirismo. O consumo tornou-se liturgia, e o status, sacramento.

A religião institucionalizada, por sua vez, viu-se obrigada a suspender o comércio da fé: os templos de cura milagrosa — tão rentáveis em tempos de desespero — fecharam suas portas diante da doença real, revelando que a devoção sempre tivera preço de mercado. A ironia é amarga: igrejas que prometiam curar todos os males calaram-se diante do vírus invisível. E, paradoxalmente, foi no seio da família — esse reduto ambíguo de amor e temor, refúgio e clausura — que o confinamento encontrou abrigo. Ali, onde deveríamos nos proteger com o outro, aprendemos a nos proteger do outro. As fraquezas, enfim, revelaram as necessidades que fingíamos não ter.

Mas é preciso resistir à tentação sedutora de divinizar a tragédia. Atribuir à pandemia um "grande propósito dignificador" é correr o risco perigoso de transformar o sofrimento humano concreto em pedagogia divina abstrata, de santificar a dor alheia em nome de uma renovação que talvez nunca chegue. Quem foi dignificado, afinal? Os sobreviventes privilegiados, que puderam trabalhar de casa e aguardar a tempestade passar? Ou os mortos anônimos — pobres, negros, indígenas, trabalhadores essenciais — que nem puderam ser velados por seus amados? Crianças órfãs, idosos abandonados em UTIs superlotadas e profissionais de saúde que tombaram cumprindo seu juramento não precisavam de tal "dignificação". Se existe propósito nesse horror, talvez seja apenas o de confrontar-nos com o limite da fé e da ética — o mesmo dilema insuportável de Jó diante do silêncio ensurdecedor de Deus, ou de Ivan Karamázov recusando o paraíso se ele custasse uma única lágrima de criança.

Amar a crise, portanto, não é amar a doença que ceifou milhões; é amar a brutal clareza que ela nos impôs contra nossa vontade. A nudez exposta das instituições hipócritas, o colapso definitivo de nossas máscaras — tanto as que cobrem o rosto quanto as que encobrem o caráter. A crise não é punição celestial destinada aos pecadores; é espelho implacável colocado diante de todos. O vírus apenas revelou, com precisão cirúrgica, o que já estava infeccionado no corpo social: a desigualdade naturalizada como ordem divina, o consumo travestido de culto religioso, o egoísmo sistemático disfarçado de amor familiar, a indiferença rotineira ao sofrimento distante.

Talvez Deus realmente saiba de tudo — mas o que Ele mais parece saber é esperar, com paciência infinita ou indiferença cósmica, que o homem aprenda finalmente o óbvio: que a vida não se sustenta sobre o lucro perpétuo, que o amor verdadeiro não nasce do medo cultivado, que nenhuma economia vale mais que um único suspiro humano. Um novo modelo de sociedade poderá surgir dessas cinzas, é certo, mas não por decreto divino ou design providencial; nascerá da dolorosa e lenta consciência de nossa própria fragilidade compartilhada, da memória ainda sangrenta do que perdemos quando escolhemos o mercado em vez da solidariedade.

Portanto, não morra antes do tempo para testemunhar. A morte nunca esteve tão viva quanto agora, tão presente em cada noticiário e cada estatística desumanizada, e o amor antigo — feito de posse, hierarquia e condição — desaba lentamente para dar lugar a outro, talvez mais sóbrio, certamente mais humano. Eu amo a COVID-19 — não pela morte indiscriminada que trouxe, não pelo sofrimento que infligiu aos mais vulneráveis, mas pela verdade nua e crua que rasgou de alto a baixo, como o véu do templo. Porque o pó retornará inevitavelmente ao pó, como sempre retornou desde o princípio, e talvez, somente talvez, desse desmoronamento doloroso e desse luto coletivo ainda não elaborado, brote enfim o verdadeiro começo — não de uma civilização perfeita, mas de uma humanidade finalmente consciente de sua mortalidade partilhada e, por isso mesmo, capaz de compaixão.


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Como seu professor de Sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples. Elas abordam os principais conceitos e críticas sociais apresentadas no texto, incentivando a reflexão dos estudantes do Ensino Médio.

1. A Fragilidade das Instituições Protetoras

O texto afirma que o pânico provocado pela crise expôs a fragilidade das instituições sociais que se autoproclamam protetoras.

Questão: Explique, com base no texto, como essa crise revelou o colapso das instituições de Educação e Religião. Apresente um exemplo para cada uma, conforme o que foi exposto.

2. Consumo, Status e Alienação Social

O autor critica o papel do consumo, mencionando que "o consumo tornou-se liturgia, e o status, sacramento". Ele usa o exemplo da ostentação veicular e da pronúncia de "drive-thru".

Questão: De que forma a crise, segundo o texto, demonstrou a alienação social e a inversão de valores, transformando o consumo em um tipo de "culto religioso" ou "sacramento" na sociedade contemporânea?

3. A Família na Crise: Amor e Medo

O texto descreve a família como um "reduto ambíguo de amor e temor" durante o confinamento (lockdown), onde se aprendeu a "proteger do outro".

Questão: Discuta a contradição da instituição familiar neste contexto de crise. Como o confinamento, ao mesmo tempo, reforçou e fragilizou os laços de proteção e afeto no núcleo familiar?

4. A Crítica à Divinização da Tragédia (Ética e Desigualdade)

O autor critica a "tentação sedutora de divinizar a tragédia", questionando quem foi realmente "dignificado".

Questão: A partir da perspectiva sociológica do texto, por que é problemático considerar a pandemia um evento com "grande propósito dignificador"? Baseie sua resposta na relação entre sofrimento humano e desigualdade social (mencionando quem foi mais atingido).

5. A Crise como "Espelho Implacável"

O texto defende que "a crise não é punição celestial... é espelho implacável".

Questão: Analise o significado desta metáfora do "espelho". Que "infecções" ou falhas sociais pré-existentes o vírus apenas revelou no corpo social, conforme a conclusão do texto? Cite dois exemplos claros de vícios sociais expostos.

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domingo, 16 de outubro de 2022

CASAMENTO: A Ruína da Posse e o Novo Afeto ("O casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de apanhar uma enguia." — Leonardo da Vinci) ... Por que em cada esquina tem uma serpente oferecendo o fruto proíbido?

 


CASAMENTO: A Ruína da Posse e o Novo Afeto ("O casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de apanhar uma enguia." — Leonardo da Vinci) ... Por que em cada esquina tem uma serpente oferecendo o fruto proíbido?

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A dispensação do casamento tradicional caducou. Hoje, a união se tornou tão paradoxalmente sacralizada que transforma os cônjuges em figuras intimidantes e exclusivistas. A amizade com pessoas casadas torna-se delicada; aproximações exigem cautela e sensibilidade.

Não se sabe do que é capaz um esposo que se vê como “dono” de sua mulher. Ele pode chegar ao extremo do suicídio por um motivo ínfimo, pois qualquer ameaça à sua “cidadela” o coloca em estado de ataque — mesmo contra um adversário mais forte. Essa incentivo nasce de uma sociedade machista que ainda exige do homem a responsabilidade absoluta de proteger sua família, mesmo quando lhe faltam preparo emocional e ferramentas para tanto.

A mentalidade de posse é um terreno fértil para tragédias. A lealdade das amizades, quando envolvida nesse contexto, torna-se frágil: a ameaça nunca é a infidelidade em si, mas a ruptura da ilusão de controle. Quando essa idealização se quebra, todos sofrem. O ressentimento transborda de formas destrutivas.

Quando ocorre a separação, o impulso é encontrar culpados externos — familiares, amigos, conhecidos — em vez de assumir a falência da própria relação. E quando o amante demonstra mais força, o homem traído avança para a morte em nome do ciúme: tolice pura. A traição nunca é obra de um só; é o resultado do entrelaçamento e da responsabilidade de todos os envolvidos. O machismo é tão devastador que nem a mulher mais autoconsciente toleraria a servidão que lhe é imposta como ideal de esposa. No entanto, o maior motivo da separação disfarça-se sob a alcunha de 'incompatibilidade', que, analisada friamente, resume-se quase inteiramente à falta de sexo e, em parte crucial, à questão financeira.

Por outro lado, exibir-se pela moda ou pelo consumo é uma forma moderna de se negociar o próprio valor. Ser possuída pela moda é uma rebeldia contra a antiga submissão gratuita, é isto o que provoca furor no parceiro que ainda acredita ser ele o dono da mulher. Se ela possui renda própria e autonomia, e ele não pode conter essa liberdade, sente-se derrotado: Pois acha que cuida dela para que outros desfrutem.

Certa vez, um amigo experiente confidenciou-me, nesse contexto: “É melhor ser consumidor que fornecedor.” Não compreendi na hora. Hoje, entendo o peso da expressão: “Onde come um, come dois”, e a conta — com gorjeta e tudo — recai sobre apenas um.

A moral é simples: a paz reside no investimento correto. E esse investimento não é posse, domínio ou vigilância — mas o cultivo de vínculos baseados em equidade, respeito e afeto genuíno.


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📝 Questões Discursivas

1. A Ideologia da "Cidadela" e o Machismo

O autor afirma que a sociedade machista exige do homem a responsabilidade de proteger sua família (sua "cidadela"), mesmo que ele esteja "desarmado de ferramentas emocionais". Do ponto de vista da Sociologia de Gênero, explique como essa imposição social ao papel masculino de "protetor/dono" contribui para a fragilidade emocional e para a violência nos relacionamentos conjugais, conforme descrito no texto.

2. O Casamento como Contrato Social em Crise

O texto argumenta que a "dispensação do casamento tradicional caducou" e que a união se tornou "paradoxalmente sacralizada", gerando figuras intimidantes. Discuta a contradição sociológica apresentada: como a rigidez institucional do casamento (sua sacralização) pode, ironicamente, levar à sua fragilidade real e à desconfiança nas relações interpessoais (amizade com casados)?

3. Consumo, Moda e Rebeldia Feminina

O autor descreve que "exibir-se pela moda ou pelo consumo" é uma "rebeldia contra a antiga submissão gratuita", provocando a ira do parceiro. Analise essa observação utilizando a Sociologia do Consumo. De que forma a autonomia financeira e o consumo individual por parte da mulher se tornaram ferramentas de negociação de poder e resistência contra o domínio masculino na sociedade contemporânea?

4. Incompatibilidade: Um Disfarce para Fatores Estruturais

O texto conclui que a tão citada "incompatibilidade" que leva à separação resume-se, na prática, à falta de sexo e à questão financeira. Explique por que, do ponto de vista sociológico, é mais fácil para um casal alegar "incompatibilidade" (um problema subjetivo) do que admitir publicamente a falência de aspectos estruturais como a intimidade sexual ou o desalinhamento financeiro.

5. A Filosofia do "Investimento Correto"

A crônica finaliza com a moral de que "a paz reside no investimento correto", que é o cultivo de vínculos baseados em equidade, respeito e afeto genuíno. Em contraste com a mentalidade de "posse, domínio ou vigilância", explique como essa conclusão filosófica se alinha à busca por modelos de relacionamento mais democráticos e horizontais na sociedade atual.

Questão,Ponto Central da Resposta,Conceitos Sociológicos Chave

"1. A Ideologia da ""Cidadela"" e o Machismo","A imposição do papel de ""protetor"" e ""dono"" restringe o homem ao código da honra e da força bruta, impedindo-o de desenvolver a inteligência emocional (as ""ferramentas emocionais""). Isso torna a frustração e a perda de controle (ameaça à ""cidadela"") destrutivas, podendo levar a atos extremos (violência, suicídio).",Ideologia de Gênero; Papéis de Gênero; Masculinidade Tóxica; Estruturas Patriarcais.

2. O Casamento como Contrato Social em Crise,"O paradoxo é que a tentativa de manter o casamento como uma instituição sagrada, rígida e exclusiva (intimidante), nega a fluidez e a realidade das relações humanas. Isso gera uma pressão social insustentável que, quando falha, leva ao isolamento dos cônjuges e à desconfiança, contrariando a própria função de união social da instituição.",Instituição Social; Crise da Família Nuclear; Sacralização; Contrato Social.

"3. Consumo, Moda e Rebeldia Feminina","O consumo, facilitado pela autonomia financeira da mulher, é transformado em um ato de agência e rebeldia. Ao gastar ou exibir-se, a mulher reivindica sua individualidade e nega a ""submissão gratuita"" (ser posse sem custo ao marido). O consumo se torna um símbolo de poder e liberdade, desafiando a estrutura de posse masculina.",Sociologia do Consumo; Agência Feminina; Poder e Status; Autonomia Econômica.

4. Incompatibilidade: Um Disfarce para Fatores Estruturais,"É mais fácil alegar ""incompatibilidade"" porque é uma justificativa vaga e socialmente aceitável, protegendo a privacidade. Admitir publicamente a falta de sexo (tabu social/moral) ou crises financeiras (falha percebida na provisão) expõe o casal a um julgamento mais severo. A incompatibilidade serve como um ""véu"" para problemas estruturais e íntimos.",Desvio Social; Tabu; Estruturas Familiares; Falência Conjugal; Moralidade Social.

"5. A Filosofia do ""Investimento Correto""","A conclusão se alinha aos modelos de relacionamento pós-modernos, que rejeitam a hierarquia e o domínio (base do machismo). O ""investimento correto"" propõe uma troca baseada no reconhecimento mútuo (equidade) e na escolha contínua (afeto genuíno), características de um relacionamento democrático onde a permanência é voluntária e baseada no respeito, não na obrigação.",Relações Democráticas; Equidade de Gênero; Amor Líquido (Bauman); Vínculos Voluntários.

Casamento não dura mais por que em cada esquina tem uma serpente oferecendo o fruto proíbido.

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FRACASSADOS ELABORAM VINGANÇA ("Num país de miseráveis não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral." — Clóvis Rossi)

 


FRACASSADOS ELABORAM VINGANÇA ("Num país de miseráveis não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral." — Clóvis Rossi)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Trinta anos lecionando e descubro, nas entranhas de uma escola povoada por coordenadoras, que ainda não sei fazer um plano de aula. Não o meu plano, que sempre soube elaborar, mas o plano delas, com suas planilhas nascidas do desespero deste "novo normal", em que cada mentira exige uma cascata de outras para se sustentar. Ensina-se com livros nas mãos, não com relatórios, fichas e protocolos que ninguém lê.

De tanto me pressionarem, entreguei mais uma planilha à coordenadora principal. E, como de costume, ela voltou repleta de correções e observações redundantes — como se o papel pudesse ensinar o que décadas de sala de aula não conseguiram: que a educação não cabe em formulários.

O cúmulo da burocracia se encontrou com o absurdo moral. Uma coordenadora produziu um relatório contra mim com base na denúncia de uma ex-aluna da EJA. A "prova" era a foto de uma latinha vazia de cerveja sem álcool que descartei na lixeira do supermercado onde ela trabalhava. A ex-aluna me caçou, meticulosamente, fora de qualquer contexto pedagógico, para manufaturar o constrangimento. Seguiu meu rastro até o lixo, registrou a "prova" e a entregou à direção como quem entrega um criminoso.

Não é o ato que espanta — afinal, que transgressão há em descartar uma latinha fora das dependências da escola? — mas a arquitetura obsessiva da perseguição. Eis o núcleo de uma patologia: ex-alunos transformados em vigias, colegas em delatores, gestores em inquisidores. A escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos. É a fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia. E o sistema não apenas permite: ele recompensa essa vigilância perversa com relatórios oficiais e a chancela moral de quem “zela pela ética”.

A culpa pelo caos da educação não recai apenas sobre o professor, que é tanto vítima quanto agente de um sistema disfuncional. O problema se agrava quando os próprios colegas competem pela aprovação da comunidade escolar, numa corrida mesquinha por prestígio interno.

Acusam o professor de Língua Portuguesa de não ensinar os alunos a resumir, enquanto eles mesmos atribuem notas às “colchas de retalhos” que os estudantes entregam em suas disciplinas. E, nas reuniões pedagógicas, todos se queixam de que os alunos não aprenderam porque o colega anterior falhou. Assim, a responsabilidade circula indefinidamente — como as planilhas que retornam sempre para refação —, sem que ninguém assuma o peso real do fracasso.

Fechamos com a reflexão de Madame de Staël: “O mal que podem fazer os maus livros só é corrigido pelos bons; os inconvenientes das luzes são evitados por luzes de um grau mais elevado.” Mas que luz pode iluminar quando a própria instituição educacional alimenta as sombras?


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Sou seu professor de Sociologia. Este texto, "O Pesadelo Burocrático," é um material riquíssimo para entendermos como as instituições sociais, como a escola, se organizam, exercem poder e podem, ironicamente, gerar conflitos internos e desumanização. Nele presento três grandes temas: a burocracia excessiva, a vigilância social e a competição interna no ambiente de trabalho. A seguir, preparei 5 questões discursivas e simples para orientar nossa análise sociológica:

1 - Burocracia e Racionalização (Max Weber): O texto critica as "planilhas nascidas do desespero" e os documentos que não cabem na educação. Explique, com base no conceito weberiano de burocracia, por que a escola, ao tentar ser mais "racional" e controlável através de formulários, acaba, segundo o autor, gerando ineficácia e desumanização da prática docente.

2 - Vigilância e Disciplina (Michel Foucault): O autor afirma que "a escola deixou de educar para fiscalizar; os corredores viraram panópticos." Analise essa frase sob a ótica de Michel Foucault, explicando o conceito de sociedade disciplinar e como a vigilância (exercida pela ex-aluna, pelas coordenadoras e pelos colegas) funciona como um mecanismo de poder dentro da instituição escolar.

3 - Assédio Moral e Cultura do Ressentimento: O episódio da ex-aluna que denuncia o professor por descartar uma latinha de cerveja sem álcool é um exemplo extremo de conflito. Discuta a relação entre o assédio moral no ambiente de trabalho e o que o texto chama de "fúria do ressentimento buscando reconhecimento pela via da humilhação alheia." Como a estrutura do sistema educacional pode recompensar ou, pelo menos, dar voz a esse tipo de comportamento destrutivo?

4 - A Competição no Ambiente de Trabalho: O texto aborda a competição interna, onde "os próprios colegas competem pela aprovação" e empurram a responsabilidade pelo fracasso. Na Sociologia do Trabalho, como essa competição por prestígio interno (em vez de solidariedade) fragiliza a classe docente e impede que os problemas estruturais (como a qualidade do ensino) sejam enfrentados coletivamente?

5 - Responsabilidade Coletiva e Fracasso Escolar: O autor usa a imagem das "colchas de retalhos" para descrever os trabalhos dos alunos e a ideia de que a responsabilidade "circula indefinidamente." Discuta como essa falta de responsabilidade coletiva entre os professores e a gestão impede a solução do "fracasso" da educação. Como a sociologia da educação vê essa dinâmica de culpar o elo anterior (o colega, ou o aluno) pelo insucesso?

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A Tática da Calma e o Espetáculo da Sobrevivência ("Amar é dar razão a quem não tem." — Nelson Rodrigues)

 


A Tática da Calma e o Espetáculo da Sobrevivência ("Amar é dar razão a quem não tem." — Nelson Rodrigues)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

No "velho normal", os alunos esperavam em silêncio, na sala sem professor, apenas para iniciar a bagunça na presença dele. Não solicitavam um mestre quando ele se atrasava. Porém, queriam-no ali; embora, quanto mais demorasse na transição — a troca de professor de sala —, mais se agradavam. A má recepção, na verdade, era para desestimular o mestre a caminhar depressa. O silêncio passageiro da vacância era tática de guerra: o som do descaso disfarçado de calma.

Entre aquele silêncio estratégico e a espera fingida, desenhava-se a coreografia de um engano coletivo. O aluno, que zombava da ausência do mestre, não percebia que zombava da própria sede de aprender. O professor, por sua vez, cansado de resistir, tornava-se cúmplice involuntário de um sistema que o treinou para suportar. Ambos, vítimas e agentes de um mesmo labirinto, mantinham viva a ilusão de que ensinar e aprender ainda ocorriam — quando, na verdade, representavam um espetáculo de sobrevivência. Mas, sob as cinzas dessa encenação, ainda pulsa uma centelha: o desejo tímido, quase secreto, de reerguer a escola como espaço de encontro e tambem de troca, de diálogo e também de nota. Talvez seja nesse resquício de esperança, anônimo e resistente, que a educação ainda respira.

O problema do sistema educacional, na prática, não era a educação, mas a falta dela. As instituições zelavam de sua imagem para as catracas do sistema, todavia não se atentavam para suas relações desdentadas. Descobriram que os avaliadores tinham sede de aprová-los de qualquer jeito para também obter sua aceitação. Ou melhor, ficava claro para o alunado que os coordenadores corrigiam os professores para não perder os clientes, como se a escola não fosse necessária como disciplinadora.

Essa lógica de submissão ao cliente e à imagem, ditada pelo medo de perder verbas e popularidade, transforma a escola em um palco de performance burocrática. O que é necessário mesmo não é mais o debate rigoroso ou a formação ética, mas sim a criação de "projetinhos performáticos" nas apresentações comemorativas. Estes são moldados não para gerar consciência crítica, mas para ostentar dados estatísticos e aprovações externas, garantindo que o ciclo de financiamento e aceitação social continue. A coreografia exigida pelo sistema é aquela que gera uma "satisfação performática", onde o importante é parecer eficiente para as câmeras da avaliação, mesmo que a essência do conhecimento esteja completamente vazia por dentro.

É neste teatro de superficialidades que se sustenta a ilusão.


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Excelente texto para a nossa aula de Sociologia! Ele aborda com clareza e profundidade as disfunções da instituição escolar e as novas relações de poder impostas pela lógica de mercado. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas simples e diretas, focadas em conceitos-chave como instituição, burocracia, e a mercantilização da educação.

1. A Escola como Instituição e a Crise de Legitimidade:

O texto afirma que o professor e os alunos mantinham "viva a ilusão de que ensinar e aprender ainda ocorriam — quando, na verdade, representavam um espetáculo de sobrevivência." Defina o conceito sociológico de Instituição Social (como a escola). Explique como a situação descrita no texto sugere uma crise de legitimidade ou uma perda de função essencial dessa instituição.

2. A Burocracia e a "Satisfação Performática":

O autor critica que a escola se transforma em um "palco de performance burocrática" e exige uma "satisfação performática" para as câmeras da avaliação. Utilizando os conceitos de burocracia (Weber), explique o que significa essa "satisfação performática" no contexto educacional e por que ela é mais importante para o sistema do que a "essência do conhecimento" (o rigor e a formação ética).

3. O Aluno como "Cliente" e a Mercantilização da Educação:

O texto revela que "coordenadores corrigiam os professores para não perder os clientes". Analise o impacto da aplicação da lógica de mercado (o aluno como cliente) na instituição escolar. Como essa visão mercantiliza a relação de ensino-aprendizagem e enfraquece o papel da escola como disciplinadora e formadora ética?

4. A Indisciplina como Tática de Resistência:

A crônica descreve o "silêncio passageiro da vacância" como uma "tática de guerra: o som do descaso disfarçado de calma." Em termos sociológicos, a indisciplina e a resistência dos alunos podem ser interpretadas de diversas maneiras. Discuta como esse "engano coletivo" (entre alunos e professor) pode ser visto como uma forma de resistência contra o sistema, ou como a internalização das disfunções desse mesmo sistema.

5. A Esperança da Reconstrução e a Ação Social:

Apesar da crítica, o texto afirma que ainda pulsa um "desejo tímido, quase secreto, de reerguer a escola como espaço de encontro e de diálogo". Relacione esse desejo com o conceito de Ação Social (Weber). Qual seria o tipo de ação social necessário para que a educação se desloque da "satisfação performática" para a busca por "diálogo e formação ética"?

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sábado, 15 de outubro de 2022

A Tragédia da Essência: Os Desvios do Propósito Institucional ("A vida não tem sentido algum, literalmente. E o amor é o único que pode atenuar essa desgraça." — Kléber Novartes)

 


A Tragédia da Essência: Os Desvios do Propósito Institucional ("A vida não tem sentido algum, literalmente. E o amor é o único que pode atenuar essa desgraça." — Kléber Novartes)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Se considerarmos os absurdos e as futilidades voluntárias, os retrocessos passam a fazer sentido como consequência inevitável dos desvios de propósito. É duro admitir, mas será que, pouco a pouco, não aprendemos a chamar de progresso aquilo que, na verdade, nos afasta da essência? Em que instante o zelo se confundiu com descuido, e a liberdade, com desorientação? Talvez o problema não resida apenas nas instituições, mas em cada um de nós, que as alimentamos com nossas omissões e incoerências. Quando cada parte esquece o porquê de existir, o todo se desmorona — e, ainda assim, insistimos em chamar isso de evolução.

Essa crise atinge os grupos clássicos: família, igreja e escola. A modernidade impõe ao pai ser amigo dos filhos e, nesse afã de proximidade, ele se esquece de ser pai; pois, ao fazer uma coisa, atenua a outra. A igreja, transformada em comércio — verdadeira loja do Satanás —, prega a prosperidade financeira e se esquece do evangelho genuíno de Jesus Cristo; pois, ao fazer uma coisa, atenua a outra. A escola, reduzida a ganha-pão de professores e a centro de lazer de alunos, preocupa-se mais em atrair matrículas e verbas do que em formar consciências. Assim, esquece-se de devolver à sociedade cidadãos patriotas e competentes, capazes de ganhar o pão honestamente; pois, ao fazer uma coisa, atenua a outra.

O cerne dessa tragédia, contudo, não está apenas na troca de papéis, mas na covardia em sustentar o que é difícil. O pai moderno se rende à amizade fácil por medo de parecer autoritário e perder o afeto; a igreja abraça o mercado para não perder fiéis avessos à disciplina espiritual; e a escola abdica da formação rigorosa diante da pressão de um sistema que prioriza números e evita o conflito com sua clientela. Essa não é uma "futilidade voluntária", mas uma rendição disfarçada — uma capitulação à lógica da menor resistência, onde o rigor e a virtude são sacrificados no altar da popularidade e da conveniência imediata. O propósito não foi esquecido; foi trocado por algo mais cômodo, mais lucrativo e menos exigente.

E esta é a ementa amarga do nosso tempo: é mais fácil aturar o “aluno” carente de atenção do que o “professor” carente de poder. A crise não se limita ao sintoma; ela reside em nossa escolha contínua de perpetuar a disfunção — de nos conformarmos com o desvio e chamá-lo de destino.


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Aqui estão 5 questões discursivas e simples, formuladas no estilo de um bom professor de Sociologia do Ensino Médio. Elas estimulam a reflexão crítica, relacionando o conteúdo do texto com conceitos sociológicos, sem exigir linguagem excessivamente técnica:

1. O texto critica a forma como instituições como a família, a igreja e a escola se distanciaram de suas funções originais.

➡ Pergunta: De que maneira esse “desvio de propósito” pode ser entendido como um reflexo das transformações sociais da modernidade?

2. O autor afirma que “talvez o problema não resida apenas nas instituições, mas em cada um de nós, que as alimentamos com nossas omissões e incoerências”.

➡ Pergunta: Como a postura individual das pessoas pode contribuir para a crise das instituições sociais?

3. Ao dizer que “o pai moderno se rende à amizade fácil por medo de parecer autoritário”, o texto sugere uma mudança nas relações familiares.

➡ Pergunta: Que fatores culturais e sociais podem ter levado à transformação da autoridade familiar nas últimas décadas?

4. A escola é descrita como um espaço que prioriza números, matrículas e verbas, em vez de formar consciências.

➡ Pergunta: De que forma essa crítica se relaciona com o conceito sociológico de mercantilização da educação?

5. No trecho final, o autor afirma que “é mais fácil aturar o ‘aluno’ carente de atenção do que o ‘professor’ carente de poder”.

➡ Pergunta: O que essa frase revela sobre as relações de poder e reconhecimento dentro do ambiente escolar contemporâneo?

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sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A COVID-19, o Castigo Redentor e o Fim Imimente ("Josué suportou a falta, contorceu-se de fome no chão e sofreu até conformar-se." — Alessandro Lo-Bianco)

 


A COVID-19, o Castigo Redentor e o Fim Imimente ("Josué suportou a falta, contorceu-se de fome no chão e sofreu até conformar-se." — Alessandro Lo-Bianco)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A COVID-19 foi necessária. Deus não é mau — é justo — e ama as muitas gerações que O amam e guardam seus mandamentos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “ainda bem” que o “monstro” do coronavírus surgiu, demonstrando a necessidade da presença do Estado. Endosso suas palavras, aplicando-as ao sistema educacional público, que se revelou despreparado e, até hoje, não conseguiu se reorganizar plenamente. A pandemia apenas expôs o que sempre esteve encoberto: a fragilidade estrutural de uma educação moldada para repetir, e não para pensar. Talvez seja hora de repensar o ensino, abrindo espaço para o Homeschooling e para os EADs, não como fuga, mas como reconstrução lúcida de um modelo que já se esfarelava.

O castigo — se é que podemos chamá-lo assim — não é apenas destruição: é também um espelho que Deus estende à humanidade para que ela contemple, com dor e clareza, o próprio reflexo. Castigar é amar de modo severo; é permitir que o caos desperte a lucidez onde a rotina havia adormecido. Quando a morte visita as portas da civilização, ela não vem apenas ceifar, mas ensinar. A pandemia, nesse sentido, foi um grito de amor duro e redentor, um chamado à responsabilidade coletiva. O que parecia ira talvez fosse compaixão disfarçada, pois o verdadeiro amor divino não protege da dor — ele educa através dela. Nesse entrelaçamento entre sofrimento e aprendizado, a humanidade é convidada a renascer, se tiver humildade para ouvir.

Se eu fosse Deus, faria o mesmo. O mundo está estranho: as pessoas, tão degeneradas, confundem fé com violência, espiritualidade com espetáculo e religião com poder. Criam templos de carne e sangue, alimentando suas crenças com sacrifício humano, canibalismo e orgias morais. Embora conscientes de sua destruição, a maioria ainda não compreendeu o castigo como ato de amor divino. Quando o fizerem, chegará o instante autorizado da destruição final. Os zumbis comerão uns aos outros, e os ímpios agradecerão pela existência da morte, pedindo que as montanhas caiam sobre eles — seguindo o exemplo do Pai da Mentira, que um dia também reconhecerá a justiça de sua própria aniquilação.

TRANSBORDOU O CÁLICE DA “IRA” — OU DO AMOR — DIVINA. Os que perderam familiares choraram e amaldiçoaram a Deus. Os inimigos murmuraram como a esposa de Jó: “Amaldiçoa teu Deus e morre!”. Mas esse amor pelos que partem, ainda que puro, é menor do que o amor por Aquele que permite a morte — porque é através dela que Ele recorda aos vivos sua fragilidade. O fim é iminente, e conformar-se não é desistir, mas compreender. Estamos sobre areia movediça: quanto mais lutamos contra o inevitável, mais afundamos no caos que, paciente, nos observa e espera.


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Este é um texto com forte conteúdo ideológico e filosófico, que oferece uma excelente base para discutir temas como a Sociologia da Educação, a Mudança Social em tempos de crise e a Sociologia da Religião. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas que exploram os conceitos mais relevantes e as contradições presentes na argumentação:

5 Questões Discursivas de Sociologia (Crise, Educação e Religião)

Texto Base: A Crônica sobre a COVID-19 e o Castigo Redentor

1. A Crise e a Exposição das Estruturas Sociais:

O autor endossa a visão de que a pandemia de COVID-19 "expôs o que sempre esteve encoberto: a fragilidade estrutural de uma educação moldada para repetir, e não para pensar." De acordo com a Sociologia da Educação, explique a diferença entre a função manifesta (declarada) e a função latente (não intencional) do sistema educacional. Como o texto sugere que a função latente do sistema público seria, na verdade, a de reproduzir a estrutura social, em vez de transformá-la?

2. Mudança Social e a Lógica do Castigo:

O texto interpreta o sofrimento da pandemia como um "grito de amor duro e redentor" e um "castigo" que força a humanidade a despertar a lucidez. Como a Teoria Sociológica da Mudança Social aborda o papel das crises e catástrofes (como uma pandemia)? Diferencie a visão do autor (que atribui à dor um propósito divino de "educar") de uma análise sociológica que busca identificar as causas e as consequências das crises nas instituições humanas (políticas, econômicas e sanitárias).

3. Instrumentalização da Religião e Degeneração:

O autor critica que as pessoas, em sua "degeneração," confundem "fé com violência, espiritualidade com espetáculo e religião com poder." Qual o conceito sociológico para o fenômeno de transformação ou adaptação das práticas religiosas às lógicas de mercado ou ao uso político? Discuta como o texto sugere que a instrumentalização da religião pode desviar a função social e ética da fé para a busca por poder ou espetáculo.

4. Contradição Filosófica e Responsabilidade Coletiva:

O texto faz um "chamado à responsabilidade coletiva" como um aprendizado da pandemia, mas propõe o Homeschooling e o EAD como possíveis "reconstruções lúcidas" do ensino. Analise essa aparente contradição: pode-se fortalecer a responsabilidade coletiva da sociedade através de soluções que promovem, essencialmente, a individualização e o isolamento do processo educativo? Justifique sua resposta com base nos conceitos de vida em comunidade e espaço público.

5. Fatalismo e Agência Humana:

O ensaio conclui com uma visão de fatalismo e conformidade: "O fim é iminente, e conformar-se não é desistir, mas compreender." Qual é o impacto de uma visão fatalista na agência humana – ou seja, na capacidade dos indivíduos e dos grupos de agirem para mudar sua própria realidade social? Discuta como essa renúncia à luta contra o inevitável pode afetar a busca por reformas estruturais, como a melhoria do sistema educacional ou a luta contra as desigualdades.

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