Do Truco ao Tiro: Violência, Educação e a Sociedade em Colapso ("A violência é o último refúgio dos incapazes." — Isaac Asimov)
Há uma inquietação que me acompanha. Por mais que eu tente afastá-la, ela sempre retorna, cada vez mais pesada. Não sou dado a sensacionalismos, mas o que ouvi recentemente me chocou profundamente e deixou um gosto amargo na boca. Um homem de 56 anos foi baleado pelo próprio filho em Rio Verde, Goiás. O autor dos disparos, um jovem de apenas 20 anos, declarou, com fria sinceridade, que o tiro havia sido um erro, que sua intenção era acertar o irmão. Mas não acertou. Não sei o que me assusta mais: a tragédia em si ou o enredo banal de uma briga familiar que culmina em violência extrema. O mais perturbador, talvez, seja o que isso revela sobre nós e os caminhos que estamos percorrendo.
O cenário era simples: uma casa no Jardim Adriana, uma noite que se arrastava com uma confraternização, um jogo de truco entre amigos do irmão mais novo, e o pai, de maneira aparentemente comum, pedindo que eles se retirassem. Era isso o que acontecia antes do caos se instalar. Um simples pedido, uma pequena frustração, que acabou desencadeando o que só pode ser chamado de desespero, mas também de uma tragédia que não deveria ter ocorrido.
O jovem, armado até os dentes, disparou e errou. O pai, atingido pela bala, ficou em estado regular. Mas o que isso diz sobre a construção de uma vida? A polícia apreendeu duas carabinas, uma pistola e um revólver. O homem, proprietário das armas, possuía registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC). Eu parei por um instante, tentando compreender o que aquilo representava.
No entanto, minha mente logo saltou para outro lugar. O que me assusta ainda mais, o que me inquieta de maneira mais pungente, é ver cenas que não são diferentes, mas um reflexo cruel dessa mesma banalização da violência. No meu dia a dia como professor, vejo alunos do Ensino Médio levando baralhos para a sala de aula e jogando truco durante a aula. Já não sei mais o que fazer quando tento interromper esse ciclo, esse trivial desrespeito, e sou acusado de ser racista, homofóbico ou machista. O professor, que busca apenas um mínimo de ordem, se vê em um embate onde as palavras se tornam facas afiadas, cortando qualquer tentativa de ação. O aluno, aparentemente sem limites, com as mãos na mesa e a voz alta, dizendo "truco", sente-se livre, e eu, na minha posição, só tento sobreviver ao dia.
O que me choca é a naturalização de comportamentos tão destrutivos, a indiferença que vai se formando aos poucos e corrói os alicerces da convivência. A violência, em suas mais diversas formas, se infiltra na escola, nas casas e no nosso cotidiano. E o pior: não parece mais ser uma exceção, mas sim uma regra. O professor, agora refém de acusações fáceis, se vê sem poder de ação, perdido em uma batalha que não escolheu, lutando contra um sistema que não mais o valoriza.
Às vezes, penso que o pior ainda está por vir. Essa espiral de descaso e insensibilidade em relação ao outro parece só tender a piorar. Eu sou apenas um professor, mas a reflexão que trago é de todos nós. Onde nos perderemos, se não soubermos reverter esse processo, se não conseguirmos valorizar a verdadeira educação, o respeito mútuo e o cuidado com o outro? Eu fico com essa dúvida, essa angústia que me corrói, e me pergunto: o que será de nossos filhos, de nossas crianças, se não conseguirmos olhar para tudo isso com mais atenção e humanidade?
1. O que o caso de violência familiar em Rio Verde revela sobre as relações interpessoais e os valores sociais contemporâneos?
2. Como a banalização da violência, observada tanto no caso específico quanto no cotidiano escolar, afeta a construção de uma convivência harmoniosa na sociedade?
3. De que maneira a presença de armas e o registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) influenciam as dinâmicas familiares e a percepção de segurança nas famílias?
4. Qual o impacto do desrespeito e da falta de limites no ambiente escolar sobre a autoridade do professor e a educação dos alunos?
5. Como a naturalização da violência e o processo de indiferença podem comprometer a qualidade da educação e o futuro das próximas gerações?
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