"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

sábado, 26 de novembro de 2022

Professor em Território de Silêncio: DOS RELATÓRIOS MANUAIS ÀS PLANILHAS ELETRÔNICAS ("Em tempos de transição Deus levanta os improváveis!" — Marcelo Rissma)

 


Professor em Território de Silêncio: DOS RELATÓRIOS MANUAIS ÀS PLANILHAS ELETRÔNICAS ("Em tempos de transição Deus levanta os improváveis!" — Marcelo Rissma)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Antes da pandemia, a escola já mostrava suas rachaduras. O “velho normal” não era normal: era um edifício em erosão lenta, onde a aparência de ordem escondia a solidão de quem ensinava. Não me sentia amparado. Caminhava sozinho entre protocolos frágeis, atravessando salas que funcionavam mais como trincheiras do que como espaços de escuta.

A coordenação, pressionada por reclamações externas, muitas vezes escolhia o caminho mais simples: proteger a imagem da instituição. Não se julgava o mérito, mas a conveniência. O professor tornava-se o ponto mais frágil da cadeia. Bastava um desconforto, uma queixa, um ruído — e o equilíbrio se rompia.

Vieram as advertências. Vieram os registros. Cheguei a ser denunciado por ter tomado uma cerveja sem álcool fora do espaço escolar, como se a vida privada fosse um anexo da sala de aula. Uma ex-aluna da EJA, marcada por sua própria frustração, transformou ressentimento em acusação. Outras reclamações surgiam menos por justiça do que por estratégia: dar aos filhos a liberdade irrestrita dentro dos muros da escola. E a instituição, temerosa da comunidade, quase sempre optava pela capitulação.

Cada reunião terminava da mesma forma: assinaturas em atas, formalidades cumpridas, arquivos alimentados. Os documentos cresciam. Eu diminuía. Relatórios se acumulavam não como instrumentos de cuidado, mas como escudos burocráticos. O que deveria ser mediação virava registro; o que deveria ser diálogo virava dossiê. Ao lado das cópias dos meus diplomas, repousavam papéis que não contavam quem eu era, mas quem eu poderia ser, acusado de ser.

Então a pandemia chegou. E não trouxe ruptura — apenas iluminação. O que já estava doente tornou-se explícito. O distanciamento social não criou o vazio; apenas o revelou. Veio a avalanche de plataformas, siglas, formulários, planilhas, reuniões virtuais. SIAP, MAPA DE NOTA, relatórios infinitos, plataformas, grupos, formulários, apostilas repetidas para os “DESINTERNETIZADOS”. A educação foi engolida por um oceano de tarefas que simulavam trabalho, mas rareavam o sentido.

As planilhas não ensinaram ninguém. Os formulários não escutaram ninguém. O excesso de controle não produziu mais aprendizagem — apenas mais silêncio.

Depois, o retorno. Já não se denunciavam alunos. Havia medo. E o medo move o silêncio. Pais transferiam à escola o que não conseguiam fazer em casa, e à escola cabia sobreviver. O professor tornava-se alvo fácil. Não se educava pelo vínculo, mas pelo protocolo.

A escola seguiu existindo, não como espaço de formação, mas como estrutura que aprende a se manter de pé mesmo desfigurada. Sobreviveu como sobrevivem certas instituições: não pela verdade, mas pela capacidade de adaptação à própria contradição.

Hoje, quando olho para trás, percebo que a pandemia não destruiu a escola física. Ela apenas retirou o verniz. O que havia por baixo já estava ali: o cansaço, o medo, o silêncio, a burocracia travestida de cuidado.

E talvez o mais duro não tenha sido o vírus, nem as plataformas, nem as atas. Talvez tenha sido a constatação de que, nesse sistema, ensinar é um ato de resistência solitária — e permanecer humano, uma forma discreta de insubordinação.


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Como seu professor de Sociologia, este texto é um relato potente sobre a crise crônica da escola, a burocratização da docência e a solidão do professor na sociedade contemporânea. Preparei cinco questões discursivas simples para analisarmos a desfiguração da instituição escolar e as novas formas de controle.


1. Burocracia e o Dossiê como Ferramenta de Controle

O narrador afirma que os relatórios e atas não eram instrumentos de cuidado, mas "escudos burocráticos" que se acumulavam para criar um "dossiê" ao lado de seus diplomas. Utilize o conceito de Burocracia Racional-Legal (Weber) para discutir como o excesso de documentos formais é usado pela instituição escolar. De que forma o registro exaustivo de ocorrências serve para proteger a imagem institucional e controlar o professor , transferindo o ônus do conflito e minando a autoridade moral do docente?

2. O Conflito Escola versus Comunidade e a "Capitulação"

O professor relata que a instituição, "temerosa da comunidade", optava pela "capitulação" diante das reclamações dos pais, que utilizavam estratégias para garantir a "liberdade irrestrita" dos filhos. Analise essa dinâmica como uma Inversão da Autoridade Pedagógica. Por que o medo da pressão externa faz com que a escola abdique de seu papel normativo e de julgamento de mérito, e quais são as consequências dessa priorização da conveniência sobre os princípios educacionais?

3. O Distanciamento Social e a Revelação do Vazio

O texto argumenta que a pandemia “não trouxe ruptura — apenas iluminação”, e que o distanciamento social “não criou o vazio; apenas o revelou”. Discuta as implicações sociológicas dessa revelação. De que forma a crise sanitária expôs a fragilidade estrutural e o colapso de sentido que já existiam na escola do “velho normal”, mostrando que a instituição se mantinha de pé mais pela aparência do que pela coesão interna?

4. Tecnologia e a Simulação do Trabalho

A avalanche de plataformas (SIAP, MAPA DE NOTA, Google Forms, etc.) é descrita como um “oceano de tarefas que simulavam trabalho, mas rareavam o sentido”, pois "planilhas não ensinaram ninguém". Relacione esse fenômeno com o conceito de Alienação do Trabalho (Marx). De que maneira o uso excessivo de tecnologias de gestão e controle durante a pandemia desvia o foco do ato pedagógico e transforma o trabalho docente em uma atividade burocrática e inútil (simulação), gerando um profundo esvaziamento de sentido?

5. O Professor como Ator de "Resistência Solitária"

O narrador conclui que, no sistema escolar atual, “ensinar é um ato de resistência solitária — e permanecer humano, uma forma discreta de insubordinação”. Discuta o significado da resistência individual do professor. Por que o "cansaço, o medo, o silêncio e a burocracia" tornam a prática docente um ato de solidão, e como a tentativa de manter a humanidade e o foco no ensino (em vez do protocolo) pode ser vista como um ato de insubordinação ética contra o sistema?

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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O DESESPERO LEVA A LOUCURA ("Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal." — Maquiavel)

 


O DESESPERO LEVA A LOUCURA ("Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal." — Maquiavel)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A pandemia, mais do que um fenômeno biológico, revelou-se uma enfermidade psicossomática de proporções extremas, escancarando a teatralização do desespero social. A figura de um professor de jaleco branco, mascarado e munido de um megafone nas ruas, bradando ordens e apelos, consolidou-se como emblema desse colapso simbólico. Sua voz, semelhante à propaganda volante — prática já reconhecida como ineficaz nos grandes centros —, persistia em convocar alunos e pais sob o signo da urgência e da suposta “salvação” escolar. Em vez de inspirar, diminuía; em vez de orientar, deformava. O drama institucional converteu-se, assim, em espetáculo público, mais próximo da farsa involuntária do que de um genuíno compromisso pedagógico.

A crise tornou ainda mais visível o antigo conflito entre a escola e a sociedade, uma relação marcada por desavenças, busca por prestígio e disputa por legitimidade. Valores tradicionalmente ensinados — respeito, disciplina e ética — permanecem confinados ao plano do discurso, raramente encarnados na prática cotidiana. A corrupção moral, disfarçada de misericórdia, corrói o profissionalismo e esvazia o bom senso, instaurando um ambiente em que se exige reconhecimento sem o cultivo prévio da própria dignidade. O paradoxo se aprofunda quando o grito substitui o diálogo e o ruído ocupa o lugar da autoridade moral.

Nesse cenário, a normalização do absurdo já não causa espanto, pois, como advertia a tradição sapiencial, nada há verdadeiramente novo debaixo do sol. Em tempos de desespero, a inteligência passa a ser tratada como deformidade e a beleza, como pobreza, legitimando a inversão de valores não apenas como exceção, mas como método de sobrevivência. Testa-se tudo, aceita-se tudo, relativiza-se tudo, enquanto a maioria avança, sem ruptura, em direção ao limite inevitável da própria finitude. O caos deixa de ser um acidente e se consolida como regra.

Por fim, a própria pandemia é reinterpretada sob uma chave mística, atribuindo-se a ela um suposto critério vibracional de escolha, como na afirmação de que o vírus “penetra somente em corpos incompatíveis com a vibração do amor ao próximo”, segundo Melissa Tobias, autora de A Realidade de Madhu. Tal leitura revela não apenas o desespero espiritual, mas a necessidade humana de converter o incompreensível em narrativa suportável. Entre o colapso da razão, a teatralização da fé e a banalização do absurdo, impõe-se a constatação inquietante de que a crise não foi apenas sanitária, mas profunda e estruturalmente simbólica, ética e civilizatória.


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Como seu professor de Sociologia, o texto que lemos é uma crítica densa e metafórica sobre o colapso simbólico e a crise ética da sociedade durante a pandemia. Ele aborda a teatralização do sofrimento, a inversão de valores e o papel da escola nesse cenário. Preparei cinco questões discursivas simples para analisarmos a crítica social e os conceitos-chave apresentados.

1. Teatralização do Desespero e o "Colapso Simbólico"

O texto descreve o drama institucional como "espetáculo público", destacando a figura do professor de jaleco e megafone bradando ordens nas ruas, o que é visto como uma "farsa involuntária" e um "colapso simbólico". Discuta a função social da teatralização do sofrimento na sociedade contemporânea. De que forma o uso de símbolos dramáticos (jaleco, megafone) pode, paradoxalmente, esvaziar o compromisso pedagógico genuíno ao invés de legitimá-lo, transformando a crise em mero espetáculo?

2. A Corrupção Moral e a Crise de Autoridade

O autor afirma que a "corrupção moral, disfarçada de misericórdia, corrói o profissionalismo" e instaura um ambiente onde "o grito substitui o diálogo e o ruído ocupa o lugar da autoridade moral". Explique a relação entre a crise ética e a crise de autoridade na escola. Como a relativização de valores e o uso da "misericórdia" como justificativa podem minar o profissionalismo docente e impedir o estabelecimento de uma autoridade moral baseada em valores tradicionais (respeito, disciplina)?

3. Inversão de Valores e a Sobrevivência Social

O texto aponta que, em tempos de desespero, a "inteligência passa a ser tratada como deformidade e a beleza, como pobreza", normalizando a inversão de valores como método de sobrevivência. Relacione esse fenômeno com o conceito de Anomia (Durkheim). De que maneira o colapso das normas sociais (anomia) força a sociedade a legitimar o absurdo e a inversão ética como uma forma de adaptação, onde a maioria avança "sem ruptura" em direção ao caos?

4. A Crise Estrutural e a Busca por Narrativas Místicas

O texto finaliza com a reinterpretação mística da pandemia — a ideia de que o vírus "penetra somente em corpos incompatíveis com a vibração do amor ao próximo" —, vendo isso como uma necessidade de converter o "incompreensível em narrativa suportável". Discuta a função sociológica da religião ou do misticismo em períodos de crise. Por que, diante de um colapso da razão e uma crise estruturalmente simbólica, a sociedade recorre a narrativas simplificadoras e místicas para dar sentido e consolo a eventos caóticos e irracionais?

5. O Conflito Escola versus Sociedade

O texto afirma que a crise "tornou ainda mais visível o antigo conflito entre a escola e a sociedade", marcada pela "disputa por legitimidade". Analise esse conflito institucional. De que forma a escola, historicamente encarregada de transmitir valores sociais, se encontra em desvantagem na sociedade contemporânea, e por que a prática cotidiana não consegue mais incorporar os valores que ela própria prega (respeito, ética), perdendo assim sua legitimidade perante o público?

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domingo, 20 de novembro de 2022

O INFERNO DOS DEUSES ... ("É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho." — Epicuro)

 


O INFERNO DOS DEUSES ... ("É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho." — Epicuro)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Numa tarde de outono, sentado em um banco do parque da cidade, observei as folhas caindo das árvores em um balé aparentemente aleatório, mas inevitavelmente chegando ao chão. O cenário me levou a uma profunda reflexão sobre o livre-arbítrio e o destino, temas que há muito me intrigavam.

A ideia de um Deus onipresente, onisciente e onipotente sempre me trouxe conforto. Afinal, se Ele move todas as peças do grande tabuleiro da vida, como poderíamos realmente ter livre-arbítrio? No entanto, uma frase do Sadhguru ecoava em minha mente: "Se você faz de si mesmo um céu, por que desejaria ir a qualquer outro lugar?"

Essas palavras desafiaram minhas crenças mais profundas. Se tudo é predestinado, qual o propósito de nossas ações? Por outro lado, se temos o poder de escolha, não seríamos como pequenos deuses, construindo nosso próprio céu ou inferno?

Observei um casal de idosos caminhando de mãos dadas, suas vidas uma tapeçaria complexa de decisões. Quantos "sins" e "nãos" moldaram sua jornada conjunta? Ali estava a perfeita fusão entre escolha e destino - cada passo uma decisão, mas o caminho já traçado pelo tempo.

A alguns metros, uma criança corria atrás de uma borboleta, sua espontaneidade me fazendo sorrir. A criança decidiu correr, mas a borboleta, imprevisível, ditava o caminho. Não seria nossa vida assim? Uma dança entre nossas escolhas e as circunstâncias que nos são apresentadas?

Refletindo sobre minha própria jornada, questionei-me: fui eu quem escolheu estar nessa situação atual? A crença de que todos vão para o céu, independentemente de seus méritos, apenas pelos méritos de Jesus, às vezes me parece um caminho fácil demais. Seria mais digno ir para o inferno por mérito próprio do que para o céu pela graça de outrem?

Mas então, percebi que talvez o segredo não esteja em decifrar se temos ou não livre-arbítrio, mas em como usamos os momentos de escolha que a vida nos apresenta. Podemos optar por criar nosso próprio "céu" interno, independentemente das circunstâncias externas.

Seja pela predestinação ou pelo livre-arbítrio, cada dia é uma oportunidade de construir algo significativo. O verdadeiro poder está em como reagimos às cartas que nos são dadas, como transformamos desafios em crescimento.

Ao final daquela tarde no parque, saí com mais perguntas do que respostas. Mas uma coisa ficou clara: a vida é um grande mistério, e nossas crenças são apenas um reflexo de nossas experiências e interpretações do divino. O importante é viver com autenticidade e buscar sempre a verdade, mesmo que ela seja difícil de encontrar.

E você, caro leitor, já parou para pensar em como suas escolhas diárias estão moldando seu caminho? Lembre-se, o céu e o inferno podem estar mais próximos do que imaginamos - eles residem em nossas mentes e corações, esperando para serem descobertos a cada nova decisão que tomamos. Continuemos nossa jornada, construindo nossos próprios céus ou infernos, sempre na busca incessante por significado e propósito.

Duas questões discursivas sobre o texto:

1. O texto apresenta uma reflexão sobre a relação entre livre-arbítrio e destino. Considerando as diferentes perspectivas apresentadas, como você entende a influência de cada um desses elementos na vida humana?

Esta questão convida os alunos a analisar os argumentos apresentados no texto e a construir sua própria compreensão sobre a complexa relação entre as escolhas individuais e as forças externas que moldam nossas vidas.

2. O autor questiona a ideia de que todos vão para o céu independentemente de seus méritos. Essa perspectiva levanta questões importantes sobre justiça, moralidade e a natureza do bem e do mal. Discuta como essas questões se relacionam com as suas próprias crenças e valores.

Esta questão estimula os alunos a refletir sobre questões existenciais profundas, como o significado da vida, a natureza do bem e do mal, e a relação entre fé e razão.

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sábado, 19 de novembro de 2022

A CULMINÂNCIA DO NOVO (A)NORMAL: Reconfiguração Pós-Pandemia ("Desfazer o normal há de ser uma norma." — Manoel de Barros)

 




A CULMINÂNCIA DO NOVO (A)NORMAL: Reconfiguração Pós-Pandemia ("Desfazer o normal há de ser uma norma." — Manoel de Barros)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O período que se seguiu à pandemia da COVID-19 inaugurou um ciclo de transformações profundas no imaginário coletivo e nas dinâmicas de poder globais. Mais do que um evento sanitário, a pandemia funcionou como um catalisador simbólico, acelerando processos já em curso: a reorganização dos blocos geopolíticos, o redesenho dos discursos de autoridade e a redefinição dos signos que estruturam a vida em sociedade. Nesse cenário, a China passou a ocupar um papel central não apenas como potência econômica, mas como referência estratégica, observando, reinterpretando e adaptando práticas estrangeiras – sobretudo provenientes dos Estados Unidos – em um movimento típico das civilizações que buscam ampliar sua influência cultural e política.

É nesse contexto que objetos aparentemente banais, como a máscara, passaram a ser analisados para além de sua função sanitária. Em seu auge, ela operou como instrumento de proteção coletiva; posteriormente, revelou-se também como artefato simbólico, capaz de expressar medo, disciplina social e pertencimento. O debate que se seguiu não pretende negar sua legitimidade ou utilidade, mas investigar como objetos cotidianos podem se transformar em marcadores de comportamento e controle em determinados contextos históricos. O mesmo cuidado analítico se aplica à discussão em torno da burca, tema altamente sensível e atravessado por múltiplas realidades culturais e religiosas.

Nesse ponto, a reflexão encontra a contribuição de Wassyla Tamzali, que afirma que “a burka não é muçulmana, não integra uma tradição religiosa, mas é um símbolo de dominação, de terrorismo intelectual, religioso e moral contra a liberdade das mulheres e, portanto, viola os direitos humanos e não pode ser tolerada.” A citação não pretende esgotar o debate, mas evidenciar que determinados símbolos podem ser interpretados, em certos contextos, como instrumentos de coerção. Aqui, a análise não busca equiparar realidades distintas nem deslegitimar escolhas individuais, mas pensar criticamente o modo como vestimentas e objetos podem ser investidos de significados políticos ao longo da história.

Do ponto de vista geopolítico, o imaginário do “Dragão” aplicado à China opera como metáfora de sua ascensão e de sua projeção simbólica no cenário internacional. A referência ao número 666 é aqui compreendida estritamente como imagem cultural, herdeira de tradições apocalípticas e mitológicas do Ocidente, funcionando não como denúncia literal ou conspiratória, mas como signo literário de inquietação, ruptura e transição de eras. Trata-se menos de profecia e mais de linguagem simbólica para expressar o sentimento difuso de que o mundo atravessa uma mutação de paradigmas.

Separadamente, no plano interior e existencial, emerge uma outra dimensão da crise contemporânea: a crise da identidade. A ideia de que “as uvas amadurecem observando outras uvas” torna-se metáfora potente de um mundo orientado pela repetição, pela imitação e pelo contágio de comportamentos. A subjetividade, pressionada por fluxos contínuos de informação e por transformações aceleradas, passa a sofrer um processo de rarefação. O sujeito já não se reconhece com clareza, e a memória — individual e coletiva — torna-se fragmentada, descontínua, instável.

Nesse horizonte, o esquecimento deixa de ser apenas uma falha e assume o estatuto de condição estrutural da experiência moderna. À medida que o sujeito perde a continuidade de si mesmo e a coerência de sua própria narrativa, também se enfraquecem as bases do juízo, da responsabilidade e da culpa. A identidade passa a ser construída a partir de fragmentos presentes, desligados de uma raiz histórica mais profunda. O resultado não é apenas a desorientação individual, mas a sensação civilizacional de habitar um tempo em que o caos já não é exceção, mas estado permanente.


https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2013000100022



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Como seu professor de Sociologia, o texto que lemos é profundamente instigante, pois analisa a reconfiguração do poder global, o papel dos símbolos de controle e a crise de identidade no período pós-pandemia. Preparei cinco questões discursivas simples para explorarmos esses temas cruciais.


1. Símbolos de Controle: Máscara versus Burca

O texto estabelece um paralelo simbólico entre a máscara (pós-pandemia) e a burca. A burca é definida por Wassyla Tamzali como “símbolo de dominação, de terrorismo intelectual, religioso e moral contra a liberdade das mulheres”. Utilize o conceito de Poder Simbólico (Bourdieu) para discutir como objetos ou vestimentas podem transcender sua função prática ou religiosa, atuando como mecanismos de controle e coerção que limitam a liberdade e impõem códigos sociais de submissão.

2. Geopolítica e a Reconfiguração Pós-COVID-19

O texto descreve a China (o Dragão) consolidando seu poder e projetando influência global, enquanto a Ásia Central rejeita símbolos de submissão. Essa dinâmica é ligada a um rearranjamento de forças no plano internacional. Discuta como a pandemia (percebida como uma “missão” cumprida) serviu como um catalisador para a reordenação geopolítica. De que forma a ascensão de novas potências e a adaptação de modelos culturais estrangeiros (como o norte-americano) marcam essa fase de transição e inquietação global?

3. Crise de Identidade e a Imitação Comportamental

A máxima “as uvas amadurecem observando outras uvas” traduz uma crise subjetiva regida pela imitação e pelo contágio comportamental. O sujeito “já não se reconhece com nitidez”. Analise essa crise de identidade sob a perspectiva da Modernidade Líquida (Bauman) ou da Identidade Social. Por que a imitação e a erosão da memória levam à fragilização do self, e como a falta de raízes no passado torna a identidade apenas uma soma de “novas acepções” superficiais?

4. Memória, Juízo e Responsabilidade Social

O texto argumenta que a dissolução da memória conduz à dissolução do juízo e que, sem ela, “não há culpa, não há reconhecimento, nem possibilidade de reconstrução”. Discuta a função social da memória coletiva. De que forma a perda da memória histórica e individual afeta a capacidade de uma sociedade de sustentar o senso de responsabilidade, o julgamento ético e a coesão social, resultando na permanência do “caos como estado crônico”?

5. A Condição do Esquecimento como Existência Permanente

O autor conclui que o esquecimento deixa de ser uma falha e se torna a condição permanente da existência pós-pandemia. Explique as implicações sociológicas dessa conclusão. Se o passado é intencionalmente descartado em favor de "novas acepções", o que acontece com a capacidade da sociedade de aprender com seus erros e de criar um futuro que não seja apenas uma repetição descontextualizada de comportamentos e crises?

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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"VIDA DE GADO" OU DE CACHORRO? A Vulnerabilidade Pós-Confinamento e a Submissão Social ("Vida de gado. Povo marcado. Hora de mugir?" — Francismar Prestes Leal)

 


"VIDA DE GADO" OU DE CACHORRO? A Vulnerabilidade Pós-Confinamento e a Submissão Social ("Vida de gado. Povo marcado. Hora de mugir?" — Francismar Prestes Leal)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ao iniciar o dia letivo com a expectativa de convívio e socialização, o narrador foi imediatamente confrontado com a dura veracidade do ditado: "Quem fala o que quer escuta o que não quer." O paradoxo se instalou precisamente no momento de maior abertura pós-confinamento. Embora a malícia fosse percebida como rara em seu círculo, o narrador sentiu a necessidade de manter a guarda, receoso de que manipulações sutis pudessem comprometer sua vulnerabilidade recém-exposta.

A persistência das restrições do confinamento manifestou-se na rotina. Na farmácia, o aviso “Só entre, usando máscara” provocou a ironia do narrador: — “Ora, já parei de morder as pessoas.” O atendente, no entanto, rebateu com uma metáfora social incisiva: “Mas, continua latindo. Tome isto, use, é para nossa saúde.” Assim, a máscara — inicialmente um instrumento de saúde pública — transformou-se em um símbolo do controle comunicativo, imposto para conter uma agressividade ou hostilidade latente percebida na interação social pós-isolamento.

Ao sair da farmácia, o ato de subir na balança comunitária não se limitou à constatação de um ganho de peso; o espelho revelou a figura de “gado”. Essa autoclassificação é uma crítica crua à vida submissa, regida por normas e protocolos que induzem a um conformismo resignado — “É vida de gado, mesmo.” A vulnerabilidade do indivíduo é amplificada: qualquer “gripezinha” basta para despertar um temor desproporcional, revelando o quanto ele se tornou fragilizado física e emocionalmente após a imposição das regras de sobrevivência e do confinamento.

Em suma, o desejo de retomar uma vida social plena colide com a vulnerabilidade interna e a necessidade instintiva de autoproteção. A experiência na farmácia cristaliza essa tensão: o anseio por diálogo e liberdade confronta-se com a necessidade de silenciar o próprio “latido” para se adequar. A autoclassificação como “gado” e o medo constante de adoecer sintetizam uma realidade existencial pautada pela cautela e pelos protocolos, onde a fragilidade física e social permanece evidente, apesar dos esforços para retomar o convívio e a comunicação.


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Como seu professor de Sociologia, este texto é excelente para discutirmos a sociedade pós-pandemia, a vulnerabilidade do indivíduo e a conformidade social. Preparei cinco questões discursivas simples para analisarmos as metáforas e os conceitos sociológicos presentes na crônica.


1. Conflito Pós-Confinamento e Interação Social

O narrador relata que a tentativa de abertura social foi confrontada com o ditado "Quem fala o que quer escuta o que não quer." Discuta as dificuldades de reajuste da interação social no período pós-confinamento. De que forma a vulnerabilidade e a desconfiança (o receio de manipulações) se tornam fatores determinantes nas relações interpessoais, mesmo quando há um desejo de retomar o convívio?

2. A Máscara como Símbolo de Controle Social

A máscara é transformada em um símbolo de controle comunicativo imposto para conter uma agressividade ou hostilidade latente ("continua latindo"). Analise a máscara sob a perspectiva do Controle Social. Como um protocolo de saúde pública pode ser ressignificado pelo narrador como um mecanismo que visa não apenas a saúde física, mas também a regulação do comportamento e da expressão verbal do indivíduo em espaços coletivos?

3. A Metáfora do "Gado" e o Conformismo Social

A autoclassificação como "gado" expressa uma crítica crua à vida submissa e ao conformismo resignado. Utilize o conceito de Conformismo Social para explicar essa metáfora. De que maneira a imposição de normas e protocolos (como as regras de sobrevivência durante a pandemia) pode levar o indivíduo a internalizar uma identidade de passividade e perda de autonomia, aceitando a vida sob controle como a única realidade possível?

4. Vulnerabilidade e Medo na Sociedade de Risco

O texto afirma que a vulnerabilidade do indivíduo foi amplificada, a ponto de qualquer "gripezinha" despertar um "temor desproporcional". Relacione esse sentimento com o conceito de Sociedade de Risco (Ulrich Beck). Como o medo constante e a fragilidade física e emocional pós-pandemia se tornam marcas da vida contemporânea, onde o foco na cautela e na autoproteção dita a rotina e as escolhas do indivíduo?

5. A Tensão entre Diálogo e Silenciamento

O texto conclui que o anseio por diálogo e liberdade se confronta com a necessidade de silenciar o próprio "latido" para se adequar. Discuta a relação entre liberdade de expressão e adequação social. Por que, no contexto pós-crise, o indivíduo sente que precisa reprimir sua verdadeira voz ou agressividade latente para retomar o convívio e evitar novos conflitos ou punições sociais?

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domingo, 13 de novembro de 2022

HUMORISTAS DA ESCOL(inha) Crítica à Pedagogia Moderna e a Crise Ética na Escola ("O sistema educacional brasileiro é um teatro, que transforma nossas crianças em fantoches da política." — Julian Mamoru Iwasaki)

 


HUMORISTAS DA ESCOL(inha) Crítica à Pedagogia Moderna e a Crise Ética na Escola ("O sistema educacional brasileiro é um teatro, que transforma nossas crianças em fantoches da política." — Julian Mamoru Iwasaki)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A teologia do absurdo do Pastor Adélio encontra um paralelo na metodologia (des)construtivista do ensino moderno, pois ambas celebram a desordem e o retorno, operando do macro para o micro. O crescimento genuíno, contudo, sempre ocorreu no movimento inverso: do pequeno para o grande. Historicamente, os grandes intelectuais foram alfabetizados pelos elementos básicos — grafemas, fonemas, sílabas e palavras — para então avançar ao texto. Hoje, essa lógica é invertida: busca-se alfabetizar diretamente por meio de textos consagrados, ignorando que muitos alunos sequer dominam a junção das letras. Há quem celebre essa suposta economia pedagógica, mas ela apenas mascara a deficiência fundamental.

Qualquer professor que se desvie do caminho do compromisso e da responsabilidade em seu ofício atrairá não apenas a escravidão institucional, mas também seus carrascos voluntários. Uma das formas de vingança dos defasados nos estudos é utilizar denúncias por pedofilia, racismo ou homofobia como arma. As câmeras de vigilância estão onipresentes nas escolas públicas — não de forma oficial, mas na palma da mão dos alunos, cujo celular se tornou uma ferramenta de poder destrutiva.

Após décadas de docência, torna-se amarga a compreensão de que a maioria dos egressos escolares tem um único destino funcional: ser mão de obra barata, dado que a oferta de trabalhadores supera vastamente as vagas qualificadas. Paradoxalmente, o sucesso financeiro e midiático pode recair sobre quem denuncia um professor da maneira mais escandalosa possível, aproveitando a onda de justiceiros sociais atentos a essas causas. O mercado de indenizações milionárias é lucrativo, e ainda há quem explore esses dramas em comédias de stand-up, banalizando assuntos sérios.

Nesse cenário de absurdo, ressoam as palavras provocativas do profeta Kacou: "Também, deixem muitas coisas para Deus. No mês passado, uma Irmã amaldiçoou um desconhecido que roubou bananas de seu campo. E vocês estavam indignados ao ver aquilo. E portanto, um Irmão pode levar alguém, que o tenha feito mal, à polícia e isso vos parece normal. Ora, os dois atos são idênticos. A polícia apenas substituiu as maldições" (Kacou 153:10). O texto sugere uma reflexão sobre a coerência da punição: se não amaldiçoamos ou punimos animais por comerem em nossos campos, por que aplicar a força policial ou o linchamento social a homens, se os atos, em sua essência, são formas equivalentes de vingança?

Resta ao professor pedir por força e saúde para continuar cultivando — o conhecimento e a ética — tanto para si quanto para os "ladrões" e os denunciantes. A única pedagogia viável no absurdo contemporâneo é ensinar não apenas aos que aprendem, mas também àqueles que o perseguem, transformando a adversidade em um ato contínuo de responsabilidade e resiliência.


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Como seu professor de Sociologia, o texto que acabamos de ler levanta críticas severas à metodologia de ensino, à precarização da docência, e à justiça social na era da informação. Preparei cinco questões discursivas simples para analisarmos o papel da escola e as novas dinâmicas de poder e conflito.

1. Crítica à Inversão Pedagógica e Desigualdade Social

O texto critica a inversão da lógica pedagógica (do macro para o micro), que busca alfabetizar diretamente com "textos consagrados" sem garantir o domínio dos "elementos básicos". Discuta, sob a ótica da Sociologia da Educação, como essa "economia pedagógica" criticada pelo autor pode contribuir para o aumento da desigualdade social e educacional. Por que a deficiência fundamental (não saber juntar as letras) afeta mais gravemente os alunos de classes sociais menos privilegiadas?

2. O Celular como Ferramenta de Poder Destrutiva

O autor afirma que o celular do aluno se tornou uma "ferramenta de poder destrutiva" e uma forma de "câmera de vigilância" não oficial contra os professores, facilitando denúncias (pedofilia, racismo, homofobia). Analise essa situação utilizando o conceito de Poder (Foucault) e Vigilância. De que forma a tecnologia digital redistribuiu o poder na sala de aula, e por que a possibilidade de registro e viralização (o linchamento social) é percebida como uma ameaça à autoridade e integridade do professor?

3. Precarização do Trabalho e a "Mão de Obra Barata"

O texto amarga a compreensão de que a maioria dos egressos escolares tem o destino funcional de ser "mão de obra barata". Relacione essa afirmação com a Sociologia do Trabalho e a precarização do trabalho. Como a falha na formação básica (refletida na crítica à metodologia pedagógica) contribui para manter a maioria dos egressos em posições de baixa qualificação e remuneração, reforçando a estrutura de desigualdade econômica na sociedade?

4. A Banalização da Ética e a Indústria da Denúncia

O texto critica o "sucesso financeiro e midiático" e a exploração de dramas escolares em "comédias de stand-up". Discuta as consequências sociais da banalização de questões éticas graves (racismo, pedofilia) em um contexto de "indústria da denúncia". Como a busca por indenizações milionárias e o espetáculo midiático desviam o foco da justiça real e comprometem a seriedade necessária ao tratamento desses temas?

5. Ética da Punição e Coerência Social

O autor utiliza a citação do profeta Kacou, comparando a punição policial de homens à maldição de animais por roubar bananas. Explique a reflexão ética e sociológica proposta por essa comparação. O que essa analogia questiona sobre a coerência da punição e a rigidez moral na sociedade, e como ela sugere que a justiça institucional pode ser, em sua essência, apenas uma forma moderna de vingança humana?

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