"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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sábado, 1 de junho de 2019

A Teia do Pensamento Humano ("Livros de AUTOAJUDA ajudam, principalmente, a quem os escreve!" — BARBOSA LAGOS)





Crônica

A Teia do Pensamento Humano ("Livros de AUTOAJUDA ajudam, principalmente, a quem os escreve!" — BARBOSA LAGOS)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

O pensamento, esse emaranhado de ideias que nos define, não é uma criação exclusivamente nossa, mas sim parte de uma grande teia cósmica que nos precede. "O homem só pensa a partir do que já existe" - esta verdade fundamental nos convida a refletir sobre nossa real contribuição para o universo do conhecimento.

À semelhança do que propõe João Cabral de Melo Neto em "Tecendo a Manhã", onde um galo sozinho não tece uma manhã e precisa de outros galos para formar uma teia de sons, nossos pensamentos são parte de uma construção coletiva. Somos como tecelões que não criam os fios, mas os entrelaçam de maneiras únicas, transformando informações preexistentes em novas configurações.

A história nos mostra que mesmo os grandes pensadores não criaram do nada. Newton, por exemplo, não inventou a gravidade, mas a descreveu a partir do conhecimento acumulado por seus antecessores. Como disse Lavoisier, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" - princípio que se aplica também ao campo das ideias.

Esta perspectiva contradiz a noção moderna de autossuficiência absoluta do pensamento. Não somos deuses criadores, como sugerem alguns discursos de autoajuda, mas participantes de um processo maior. A existência de profetas e videntes, por exemplo, não se deve a um poder sobrenatural de criação, mas à capacidade de perceber eventos que já existem em alguma dimensão.

Descartes propôs "penso, logo existo", mas talvez seja mais preciso dizer "existo, logo penso", pois nossa existência precede e possibilita o pensamento. Somos como esponjas absorvendo o mundo ao nosso redor, e nossa originalidade reside não na criação ex nihilo, mas na forma única como combinamos e recombinamos as ideias existentes.

A verdadeira liberdade não está em nos imaginarmos criadores absolutos, mas em compreender nosso papel como parte de algo maior. Ao reconhecermos a interconexão de todas as coisas, podemos contribuir mais conscientemente para o desenvolvimento do conhecimento humano, como fios individuais em um tecido infinitamente mais vasto que nós mesmos.


5 Questões Discursivas sobre o Texto


1. Qual a principal ideia defendida pelo autor sobre a origem e a natureza do pensamento humano?


2. Como a metáfora da tecelagem utilizada pelo autor ajuda a explicar a relação entre o pensamento individual e o conhecimento coletivo?


3. Qual a crítica do autor à ideia de que o pensamento humano é exclusivamente individual e original?


4. De que forma a história da ciência e da filosofia corrobora a tese defendida pelo autor sobre a natureza do pensamento?


5. Qual a importância de reconhecer a interconexão dos pensamentos e a influência do conhecimento coletivo no desenvolvimento individual?

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sábado, 25 de maio de 2019

O Peso das Rugas na Sala de Aula ("Jovem, não deboche do idoso, porque só com muita sorte você chegará lá!" — Gilberto Martini Refatti)



Crônica

O Peso das Rugas na Sala de Aula ("Jovem, não deboche do idoso, porque só com muita sorte você chegará lá!" — Gilberto Martini Refatti)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sala de aula, outrora palco sagrado de trocas e sabedoria, transformou-se num ringue onde a juventude, munida de sua arrogância temporal, desfere golpes impiedosos contra a experiência. Como professor veterano, sinto diariamente o peso crescente da discriminação etária pairando sobre mim, manifestando-se em olhares, gestos e palavras que ferem mais que críticas construtivas.

"Que nojo", disse uma aluna quando expressei admiração por ela. "Podre!", disparou uma jovem colega professora quando tentei uma aproximação profissional. Palavras simples, mas carregadas de um desprezo que ecoa muito além de seus significados literais. Não sou o único - outros colegas também relatam episódios semelhantes, onde a experiência é desvalorizada e a juventude é equivocadamente exaltada como sinônimo de superioridade.

A sociedade contemporânea, obcecada pela juventude e beleza física, parece ter esquecido o valor dos mais velhos. Os jovens são adorados e protegidos - quanto menor a idade, maior o amparo. Compreendo essa dinâmica, mas garanto: já fui jovem e não desejaria retornar àquela fase. Se pudesse escolher, preferiria manter a experiência que hoje carrego.

Observo seus comportamentos arriscados, como se a morte fosse uma impossibilidade distante, e reflito: poucos alcançarão os 60 anos. Mais importante que isso, poucos compreenderão a diferença crucial entre simplesmente durar e verdadeiramente viver. Para receber o presente da terceira idade, é preciso viver em harmonia com os elementos naturais do universo. Viver lentamente é durar, mas durar sem qualidade não é viver.

Em meio a esse cenário desafiador, encontro conforto em palavras como as de Dona Leila Maria: "Não te acho velho, pelo contrário, te admiro muito. Meu filho te adora, e eu também, meu mestre amigo! Siga em frente e não escuta o que eles falam... levanta a cabeça, você é muito inteligente e culto, parabéns!" São poucos os olhares que conseguem enxergar além das rugas, que compreendem que o essencial do ser humano está em sua contribuição para o mundo.

Como bem observou Dostoiévski, "O segredo da existência humana reside não só em viver, mas também em saber para que se vive." A inversão de valores que presenciamos nas escolas e famílias parece resultar de uma recusa ao ideário dos mais velhos, substituindo a sabedoria por futilidades e atalhos vazios.

Não estou aqui para combater a "Idosofobia" - sei que esse preconceito persistirá. Porém, a vergonha que sentem de mim hoje, amanhã sentirão de si mesmos. Como diria Charles Bukowski ao interpretar o mandamento bíblico "Amai ao próximo": "Isso poderia significar algo como: 'Deixe-o em paz.'"

A velhice não é um fim, mas um novo começo - uma oportunidade de olhar para trás e contemplar o construído, enquanto seguimos aprendendo e crescendo. Sigo em frente, cabeça erguida e coração esperançoso, pois sei que as rugas que marcam meu rosto não são símbolos de obsolescência, mas mapas das experiências que me trouxeram até aqui.


5 Questões Discursivas sobre o Texto


1. Qual a principal crítica do autor em relação à forma como a sociedade contemporânea enxerga e trata os idosos?


2. Como a valorização excessiva da juventude e da beleza física impacta a forma como as pessoas envelhecem e são vistas?


3. Qual a importância da experiência dos mais velhos para a sociedade e como ela é desvalorizada no contexto atual?


4. De que forma a educação pode contribuir para mudar a percepção sobre a velhice e promover o respeito aos mais velhos?


5. Como a busca por experiências imediatas e a valorização de uma vida rápida podem comprometer a qualidade de vida e a longevidade?

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domingo, 19 de maio de 2019

Entre Smartphones e Desrespeito: O Desafio de Ensinar Hoje ("Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca." Oswaldo Montenegro)


sábado, 18 de maio de 2019

ADVERSIDADE LABORAL ("Muitos conseguem suportar a adversidade, mas poucos toleram o desprezo". — Thomas Fuller)



Crônica

ADVERSIDADE LABORAL ("Muitos conseguem suportar a adversidade, mas poucos toleram o desprezo". — Thomas Fuller)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Em uma manhã outonal, enquanto folhas amareladas dançavam pelo pátio escolar, eu caminhava com minha pasta repleta de redações e o coração transbordando expectativas. Nem mesmo vinte anos lecionando Língua Portuguesa haviam diminuído meu entusiasmo pela arte das palavras. O corredor que levava à sala dos professores, embora fosse um campo minado de olhares e sussurros, não me impediu de prosseguir com aquela coleção de poemas dos alunos.

A proposta era simples: escrever poemas sobre amor. Em minha ingenuidade, esperava encontrar versos que ecoassem a profundidade de Santo Agostinho ou a genialidade de Fernando Pessoa. O que recebi, no entanto, foram frases soltas, sem métrica, sentimento ou qualquer vestígio de dedicação ao ofício poético. Como aceitar que um poema se resumisse a uma receita sem sabor, a uma repetição de frases rasas, desprovidas de vontade e esforço?

Foi na sala dos professores que cometi o que hoje considero meu erro mais doloroso: compartilhei minha frustração e algumas das produções dos alunos. A reação dos colegas assemelhou-se a um vendaval que arranca flores recém-plantadas. "Aceita como está", diziam uns. "É o que eles conseguem fazer, afinal, é o que pensam!", provocavam outros. Um burburinho tomou conta do ambiente, sugerindo que minhas expectativas e exigências eram excessivas.

As paredes da escola, outrora acolhedoras, começaram a ecoar histórias de traição. Descobri que alguns colegas incentivavam alunos a gravar minhas aulas, buscando deslizes como garimpeiros à procura de diamantes. Uma aluna, visivelmente instruída por terceiros, chegou a questionar minha formação acadêmica com um sorriso malicioso - pergunta que jamais surgiria espontaneamente.

A coordenação e direção, sempre à espreita nas portas das salas, pareciam mais empenhadas em apontar falhas dos professores do que em construir um ambiente propício ao aprendizado. O sistema educacional havia se transformado em uma fábrica de aprovações automáticas, onde buscar a excelência era visto como algo antiquado e excêntrico.

Penso em Fernando Pessoa, esse fingidor genial, e questiono: quantas vezes ele precisou transformar em verdade a dor que sentia ao criar? Refletindo sobre as palavras de Thomas Edison, compreendo que a genialidade nasce da resistência, da teimosia e, sobretudo, da paixão pelo que vale a pena. Talvez meu erro não esteja em exigir qualidade, mas em esperar que outros compartilhem dessa busca pela excelência.

Como ensinou Chico Xavier, às vezes a verdade pode ferir mais que uma doce mentira, mas é através dela que edificamos bases sólidas para o futuro. A arte de ensinar, assim como a poesia, demanda coragem - coragem para manter padrões elevados em um mundo que celebra a mediocridade, coragem para persistir quando todos ao redor parecem ter desistido.

Diante disso, como professor, vejo-me entre dois caminhos: conformar-me com o pouco ou persistir em acreditar no muito. Escolho resistir e não baixar meus padrões, transformando cada poema malescrito em oportunidade de ensino, cada crítica em força para minhas convicções. Afinal, não são as notas altas ou aprovações fáceis que transformarão a vida dos alunos, mas aquele momento singular em que descobrem sua capacidade de superação.

Assim, persisto em plantar sementes de excelência, mesmo em solo aparentemente infértil, alimentando a esperança de que um dia, um aluno me surpreenderá com um poema que diga tudo sem dizer nada - e então, o mundo transcenderá os limites da escola.


Com base na profunda reflexão do autor sobre o ensino e a busca pela excelência, proponho as seguintes questões para estimular um debate rico e crítico:


Qual a principal crítica do autor ao ambiente escolar atual?

Essa questão direciona os alunos a identificar os pontos centrais da insatisfação do professor com a educação.


Como as expectativas do professor em relação aos poemas dos alunos colidiram com a realidade da sala de aula?

A pergunta incentiva os alunos a refletir sobre a importância das expectativas e como elas podem influenciar o processo de ensino-aprendizagem.


Qual o papel da escola na formação de indivíduos críticos e criativos?

Essa questão leva os alunos a considerar a função da educação na sociedade e os valores que devem ser transmitidos.


Como a busca pela excelência pode ser conciliada com a necessidade de acolher as diferenças individuais dos alunos?

A pergunta incentiva os alunos a pensar sobre como equilibrar a exigência de qualidade com a valorização da diversidade.


Quais os desafios para construir uma educação que valorize a criatividade e a originalidade dos alunos?

Essa questão abre espaço para uma discussão mais ampla sobre os obstáculos que impedem a construção de uma educação mais significativa.


Observações:

Abordagem interdisciplinar: As questões incentivam os alunos a relacionar os conceitos sociológicos com conhecimentos de outras áreas, como literatura, psicologia e filosofia.

Crítica e reflexão: As perguntas estimulam os alunos a pensar criticamente sobre as informações apresentadas no texto e a construir suas próprias opiniões sobre o tema.

Diálogo e debate: As questões podem ser utilizadas como ponto de partida para debates em sala de aula, promovendo o respeito às diferentes perspectivas e a construção de um conhecimento coletivo.

Ao trabalhar com essas questões, é importante que o professor crie um ambiente seguro e acolhedor para que os alunos possam expressar suas ideias e opiniões de forma livre e respeitosa. A partir desse debate, é possível aprofundar a reflexão sobre temas como educação, criatividade, excelência e o papel do professor na sociedade.

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domingo, 12 de maio de 2019

QUEM DITA AS REGRAS NA ESCOLA? ("O respeito pelos pais só resiste enquanto os pais respeitem o interesse dos filhos." — Raul Brandão)


QUEM DITA AS REGRAS NA ESCOLA? ("O respeito pelos pais só resiste enquanto os pais respeitem o interesse dos filhos." — Raul Brandão)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sabe aquele sonho que nos acompanha por uma vida inteira? O meu era simples, mas significativo: comprar um carro e viajar pela Costa Nordestina com minha esposa. Depois de décadas economizando cada centavo, finalmente conseguimos realizar esse desejo. Lá estávamos nós, dois velhinhos empolgados, prontos para enfrentar a estrada com nosso possante zero quilômetro.

A euforia inicial, no entanto, logo deu lugar a uma série de pequenos imprevistos. Mal tínhamos saído da cidade quando os problemas começaram. A cada obstáculo, eu parava o carro e sacava minha carteira de motorista do bolso, como se aquele pedaço de plástico pudesse me dar a confiança que eu tanto precisava.

"Querido, por que você fica olhando tanto para essa carteira?", perguntou minha esposa, intrigada.

"Por segurança", respondi com um sorriso nervoso. "É que aqui diz que sou habilitado para dirigir. Preciso me certificar de que não é mentira."

Enquanto seguíamos viagem, entre solavancos e paradas bruscas, comecei a refletir sobre minha jornada como professor. Quantas vezes não me senti como agora, inseguro ao volante de uma sala de aula? A licenciatura era minha carteira de habilitação, mas será que ela bastava?

Percebi que, assim como na estrada, ser professor vai muito além de conhecer a matéria ou ter um diploma. É preciso conhecer os alunos, observá-los, entendê-los. Eles são os verdadeiros guias dessa viagem chamada educação, o mapa e a bússola de nossa travessia.

Lembrei-me das reuniões com coordenadores pedagógicos, sempre à caça de professores perdidos, sem rumo. E dos pais, ah, os pais! Exigindo rigidez na escola enquanto seus filhos ditavam as regras em casa. Era como dirigir em uma estrada esburacada, com placas confusas e motoristas imprudentes por todos os lados.

A disposição de espírito para ser um bom professor é como um tanque cheio de combustível, mas nossa "carne fraca" é como um pneu furado. Precisamos constantemente calibrar nossas ações, alinhar-nos com os alunos, observar e avaliar. Sem observação, a avaliação se torna um exercício vazio; sem avaliação, a observação é mera presunção.

No fundo, sabemos que a estrada da educação é longa e cheia de desafios. E, assim como aquele motorista inexperiente que confere sua licença na esperança de garantir sua competência, seguimos aprendendo, ajustando o curso, na tentativa de nos tornarmos melhores guias nessa jornada.

Chegamos ao nosso destino depois de muitas aventuras e desventuras. Olhando para o mar do Nordeste, entendi que tanto na estrada quanto na sala de aula, a jornada é o que importa. Os obstáculos, as paradas inesperadas, as mudanças de rota - tudo isso faz parte do aprendizado.

Ser professor é como realizar esse sonho de viagem, requer paciência, perseverança e a coragem de seguir em frente, mesmo quando o caminho parece incerto. O que importa é reconhecer que estamos todos, alunos e professores, no mesmo caminho. Sejamos capazes de nos guiar e aprender uns com os outros, para que, quando os imprevistos surgirem, estejamos prontos para continuar a viagem, mais fortes e mais preparados.

E você, caro leitor, qual é a sua jornada? Lembre-se, seja na estrada ou na vida, não é o destino que nos define, mas como escolhemos percorrer o caminho.


Com base no texto apresentado, elabore respostas completas e concisas para as seguintes questões:


O autor estabelece uma analogia entre a experiência de dirigir e a experiência de ser professor. Qual a principal ideia que essa analogia busca transmitir?


O texto menciona diversos desafios enfrentados pelos professores. Quais são os principais desafios destacados e como eles se relacionam com a prática pedagógica?


A importância da observação e da avaliação é enfatizada no texto. Explique como esses elementos se complementam e contribuem para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.


O autor reflete sobre a jornada do professor e a importância de aprender com os alunos. Como essa perspectiva pode transformar a relação professor-aluno?


Qual a mensagem central que o texto transmite sobre a profissão docente?

sábado, 11 de maio de 2019

DENUNCIAR POR DENUNCIAR ("Falar mal dos outros agrada tanto às pessoas que é muito difícil deixar de condenar um homem para comprazer os nossos interlocutores". — Leon Tolstói)



Crônica

DENUNCIAR POR DENUNCIAR ("Falar mal dos outros agrada tanto às pessoas que é muito difícil deixar de condenar um homem para comprazer os nossos interlocutores". — Leon Tolstói)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era mais uma manhã na secretaria de educação. O ar estava carregado de tensão e expectativa enquanto pais e alunos chegavam em ondas, cada um com sua própria história para contar, sua própria denúncia a fazer. O espetáculo estava prestes a começar.

— "Meu filho foi injustamente rejeitado na matrícula!" - bradava uma mãe indignada, com o rosto vermelho de raiva. Observei, fascinado, o funcionário acatando o pedido sem questionar. Vivíamos em um mundo onde a razão havia sido substituída pela conveniência, onde a verdade se tornara menos importante que a aparência de justiça. As palavras de Diógenes ecoavam em minha mente: "Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador". A observação se encaixava perfeitamente ao que testemunhava. Com o avançar do dia, as denúncias se multiplicavam. Cada pessoa encontrava sua própria causa, sua cruzada particular. Hal Ozsan sussurrava em meus pensamentos: "E eu nunca conheci um louco, que não tem uma causa, e eu nunca conheci um pervertido, que não tem um coração partido". Era fascinante observar como as pessoas se agarravam a títulos e posições que não lhes pertenciam. Denunciantes se portavam como autoridades, guardas como policiais, tratoristas como motoristas, leiteiro como fazendeiro e caixa de lotérica como bancário. Um verdadeiro carnaval de identidades trocadas, um baile de máscaras onde ninguém era quem alegava ser. O aspecto mais perturbador era perceber como as verdadeiras vítimas sofriam duplamente: primeiro pelo ato que as vitimizou, depois pela exposição e pelo circo que se formava em torno de seu sofrimento. A dor alheia transformava-se em palco para autopromoção. Refletindo sobre as artes, o teatro e como a transgressão se tornara a nova norma, recordei Umberto Eco: "Para rebater uma acusação, não é necessário provar o contrário, basta deslegitimar o acusador". Era impressionante como se tornara fácil descartar acusações legítimas com argumentos retorcidos! Ao final do dia, exausto e contemplativo, as palavras de Tito ressoavam: "Tudo é puro para os que são puros; mas nada é puro para os impuros e descrentes, pois a mente e a consciência deles estão sujas". Observei a pilha de denúncias e os rostos ansiosos que aguardavam resoluções rápidas e fáceis. Estávamos presos em um ciclo interminável onde denúncias geravam mais denúncias, e acusações multiplicavam acusações. Em meio a esse turbilhão, a verdade e a justiça pareciam cada vez mais distantes. Deixei a secretaria naquela noite com questionamentos profundos: Em um mundo de denunciantes, quem assume o papel de juiz? Quem ousa ser simplesmente humano, com todas as suas imperfeições e complexidades? Por que persistimos nessa caça frenética sem fim aparente?
Talvez estejamos todos aprisionados neste teatro de aparências e moralismos superficiais, buscando papéis que nos façam sentir menos culpados ou mais importantes. A verdadeira questão que devemos enfrentar, enquanto o espetáculo das denúncias prossegue indefinidamente, é: quem está realmente em paz com sua consciência?

Duas questões discursivas sobre o texto:


1. O texto descreve um cenário de constantes denúncias e acusações. Como a busca por justiça pode se transformar em um espetáculo, onde a verdade se perde em meio a interesses pessoais e disputas de poder?


Esta questão convida os alunos a refletir sobre os mecanismos sociais que podem transformar a busca por justiça em um jogo de poder, e as consequências dessa dinâmica para as relações sociais.


2. O texto questiona a natureza das acusações e a busca por pureza em um mundo marcado pela complexidade humana. Como a sociologia pode contribuir para uma compreensão mais profunda das motivações que levam as pessoas a denunciar e acusar os outros, e quais as implicações sociais dessa prática?


Esta questão estimula os alunos a analisar as diferentes motivações que levam as pessoas a denunciar e acusar os outros, considerando os fatores sociais, psicológicos e culturais que podem influenciar esse comportamento.

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