Educar em Tempos de Crise: Uma Reflexão Resistida ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)
Naquela manhã, ao cruzar a porta da sala de aula, o peso do dia já me alcançava antes mesmo de abrir o caderno. O som da sineta, geralmente banal, reverberou como um alarme, um presságio de mais uma batalha a ser travada. Ser professor, há tempos, deixou de ser apenas ensinar. Tornou-se um ato de resistência, quase um combate diário contra forças que insistem em diminuir a relevância do nosso trabalho.
Ao longo dos anos, fui me acostumando a usar máscaras: A do "sabichão", sempre pronta com respostas certeiras, e a do “palhaço”, que tenta, com esforço, arrancar sorrisos e atenção de uma turma exausta. Mas, ultimamente, cogito máscaras bem mais concretas: capacetes blindados e coletes à prova de balas, trágicas caricaturas da violência que nos ronda. A ideia de vestir tal armadura, afinal, não parece tão absurda; para além de conhecimento, parece que agora precisamos também de proteção física.
Os desafios que já eram inúmeros tornaram-se ainda mais surreais com a chegada da pandemia. Não bastasse a precariedade habitual, a educação transformou-se em palco de estratégias políticas que exploram nossas fraquezas. Suspenderam as aulas, alegando ser uma medida de segurança, enquanto as ruas e os comércios seguiam abarrotados. O que deveria ser cuidado revelou-se descaso — um peso que só as escolas pareciam obrigadas a carregar.
Então veio a solução improvisada: máscaras de tecido de qualidade duvidosa, álcool em gel insuficiente e os famigerados "kits prevenção". Para os alunos, sugeriram, em tom irônico, algo como um "bolsa prevenção": preservativos, máscaras e testes rápidos de influenza, distribuídos como paliativos tardios. E para os professores? Nem isso. Promessas de segurança ou dignidade eram, como sempre, inalcançáveis.
Os alunos, por outro lado, não compreendiam o silêncio entre os muros escolares. Mensagens chegavam, apressadas, cobrando tarefas, pedindo exercícios ou, simplesmente, indagando:
— Professor, quando voltaremos?
E eu, cansado de "descansar", ansiava pelo retorno, ainda que em condições absurdas. Queríamos recomeçar, mas não sob o fardo de sermos tratados como peças descartáveis em um sistema que nos abandonou há muito. Afinal, dizem que somos culpados de tudo: da violência, do analfabetismo, do desinteresse generalizado.
Talvez seja por isso que os cursos de licenciatura estejam cada vez mais vazios. Quem escolheria uma profissão onde o desgaste físico e emocional é recompensado com desprezo? Recordo-me de um colega que, num desabafo ácido, resumiu a situação com precisão:
— No final, somos mais soldados do que educadores.
E, mesmo assim, seguimos. Persistimos porque, apesar de todas as adversidades, acreditamos que educar é muito mais do que um serviço: é um ato de fé em um futuro que ainda não conseguimos vislumbrar.
Quando o dia chega ao fim e a sineta anuncia o término de mais uma jornada, levo comigo não só o cansaço acumulado, mas também a convicção de que ensinar transcende conteúdos ou métricas. É um desafio constante ao sistema que tenta nos apagar, uma reafirmação da importância de formar mentes e, acima de tudo, um gesto de resistência. Educar, mais do que uma profissão, é uma missão que exige coragem, esperança e, sobretudo, um coração que, mesmo ferido, continua a pulsar.
Com base no texto apresentado, elaborei 5 questões que exploram diferentes aspectos da experiência do professor e da dinâmica escolar:
O texto compara a profissão de professor a uma batalha. Quais são os "inimigos" que o professor enfrenta nessa batalha e como eles impactam o processo de ensino e aprendizagem?
Essa questão leva os alunos a refletir sobre os desafios externos e internos que os professores enfrentam e como eles influenciam a qualidade da educação.
A pandemia da COVID-19 intensificou os desafios da profissão docente. De que forma a pandemia expôs as fragilidades do sistema educacional e como isso impactou a relação entre professores, alunos e famílias?
A questão busca que os alunos compreendam as consequências da pandemia na educação e como ela evidenciou as desigualdades e as dificuldades do sistema educacional.
O texto menciona a sensação de desvalorização e o sentimento de serem tratados como "soldados". Como essa desvalorização da profissão docente impacta a motivação dos professores e a qualidade do ensino?
Essa questão incentiva os alunos a refletir sobre a importância do reconhecimento e da valorização dos professores para a educação.
O autor questiona a eficácia das medidas de segurança adotadas durante a pandemia nas escolas. Como a falta de preparo e a improvisação podem afetar a saúde e o bem-estar dos alunos e professores?
A questão leva os alunos a analisar as políticas públicas relacionadas à educação durante a pandemia e suas consequências para a comunidade escolar.
Apesar dos desafios, o texto demonstra a persistência dos professores. O que motiva os professores a continuar trabalhando mesmo diante de tantas dificuldades?
Essa questão estimula os alunos a refletir sobre o significado da profissão docente e a importância da educação para a sociedade.
Um comentário:
Olá Professor!
Desejo-lhe calma e lucidez para enfrentar de cabeça erguida e por própria voz -não da maioria conformista - como bem expôs no comentário sobre o filme "Entre os muros da escola", o semestre que está por iniciar finalmente.
Compartilho alguns questionamentos e desabafos seus. Há que se ter uma maioria para sobrepor a maioria que define e decide. Muito bem colocado.
Um abraço
Angela Caruso
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