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MINHAS PÉROLAS

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A Alquimia do Ofício: Entre a Vocação e a Conta de Luz ("Não se pode servir bem a uma causa quando se serve mal à própria vida." — Montaigne)

 



A Alquimia do Ofício: Entre a Vocação e a Conta de Luz ("Não se pode servir bem a uma causa quando se serve mal à própria vida." — Montaigne)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eles dizem que a vocação é uma dádiva, um chamado divino que nos preenche o espírito. Por muito tempo, acreditei nisso. A reflexão que me guiou por anos era a de que "Deus me deu o dom de ensinar não para enriquecer, mas para compreender que a verdadeira vocação exige renúncia — e que a nobreza do ofício de professor está menos no que se ganha e mais no que se torna". Essa era a minha bússola. Acreditava, com a alma de um filósofo, que meu papel era o de um alquimista, transformando conhecimento em sabedoria, informação em formação humana. A sala de aula era meu templo, e eu, um guardião de faíscas.

Mas a realidade, senhores, não respeita a metafísica. Com o tempo, a voz do idealismo começou a se calar diante do ruído estridente das contas a vencer. A nobreza do ofício, essa teoria tão encantadora, começou a se parecer mais com um martírio diário, um fardo pesado demais para se carregar. A renúncia, que eu via como desprendimento, revelou-se um abismo. Lembro-me de me pegar fazendo malabarismos, com a rotina esticada ao limite: aulas de manhã, aulas particulares à tarde e, no fim de semana, a busca por alguma renda extra para que o mês não fosse um naufrágio. O dilema se tornava cada vez mais concreto e cruel: como poderia eu me "tornar" algo grandioso se mal conseguia me "manter" com dignidade?

Não era uma questão de materialismo, mas de subsistência. A dignidade profissional se tornou um luxo inatingível. Via o desânimo se alastrar como uma praga silenciosa entre meus colegas, e sentia-o em mim. Percebi, então, com amargura, que a vocação é um fogo que precisa de lenha. E a lenha, na vida real, não é feita de belas palavras, mas de condições materiais que permitam ao educador não apenas sobreviver, mas florescer.

Certa vez, encontrei uma colega no pátio da escola, os olhos fixos em uma conta de luz vencida que trazia no bolso do avental. "Se cortarem, como é que eu preparo a aula à noite?", ela murmurou. Ao lado dela, um aluno — repetente e inquieto — me perguntou se eu ainda acreditava que estudar mudava alguma coisa. Faltou-me a resposta. Porque a mudança, para ser real, precisa ir além do discurso. Precisamos de políticas públicas que reconheçam o professor como prioridade, de um respeito que vá além do marketing educacional, de uma mobilização que nos tire da penumbra da sobrevivência. A luz que queremos acender, a do conhecimento e da esperança, começa no concreto: com um salário justo, tempo para formar-se e ensinar com dignidade, e com o básico — uma conta paga.

No fim das contas, a lição mais difícil que aprendi não veio dos livros de filosofia, mas da vida: a nobreza da nossa missão só pode se traduzir em um benefício real e duradouro para a sociedade se ela for sustentada por dignidade. É uma equação simples e brutal. E essa é uma luta que todos nós, professores e sociedade, precisamos travar. Precisamos acender a luz da dignidade, para que a chama da vocação não se apague.


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O texto que acabamos de ler nos provoca a pensar sobre a realidade da profissão docente. O autor nos leva a um dilema brutal: o idealismo da vocação versus a dura realidade material. Ele nos convida a refletir sobre a desvalorização do professor e as consequências disso para toda a sociedade. Para a Sociologia, esse texto é um material valioso! Nos ajuda a discutir conceitos como a sociologia do trabalho, o papel da instituição escolar na sociedade, as relações de poder e a desigualdade social. É uma oportunidade de olharmos para a educação não só como um ideal, mas como uma profissão real, com desafios concretos. Vamos juntos nessa reflexão!


1 - O autor descreve a rotina de malabarismos para se sustentar. A partir da Sociologia do Trabalho, como podemos analisar a precarização da profissão docente no Brasil? Quais são as consequências sociais e pedagógicas para os alunos quando o professor precisa ter múltiplas jornadas para sobreviver?

2 - A crônica questiona como é possível se "tornar" algo grandioso se mal se consegue "se manter" com dignidade. Discuta, com base na Sociologia da Desigualdade, a relação entre a baixa remuneração de uma profissão e a sua desvalorização social. Por que a sociedade, que valoriza tanto a educação no discurso, paga tão pouco ao educador?

3 - O texto apresenta a cena de uma colega com uma conta de luz vencida e a pergunta de um aluno sobre se "estudar mudava alguma coisa". Explique, a partir da Sociologia da Educação, como as condições de trabalho dos professores afetam diretamente a motivação dos alunos e a crença na educação como um motor de mudança social.

4 - A crônica sugere que a solução para a desvalorização do professor está em "políticas públicas" e "uma mobilização que nos tire da penumbra da sobrevivência". Analise sociologicamente o papel do Estado e da sociedade civil na construção e na sustentação de uma educação de qualidade. Que tipo de mobilização social seria necessária para transformar a realidade descrita?

5 - A frase "a nobreza da nossa missão só pode se traduzir em um benefício real e duradouro para a sociedade se ela for sustentada por dignidade" sintetiza a principal ideia do texto. Discuta o conceito de dignidade profissional na Sociologia. Por que, para além da questão econômica, a falta de dignidade na profissão docente é um problema social que atinge a todos?

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