"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

Pesquisar neste blog ou na Web

MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 30 de junho de 2009

O "MENTIRÁRIO" ( Diário de Classe: Corromperam meu instrumento de trabalho!)



CRÔNICA

O "MENTIRÁRIO" (Diário de Classe: Corromperam meu instrumento de trabalho!)


Por Claudeci Ferreira de Andrade

          Alguns anos atrás, uma coordenadora pedagógica recusou-se a olhar meus diários de classe, no final do bimestre, alegando que as “notas quebradas”, ali registradas, dificultavam seu trabalho (A dita cuja se dizia licenciada em matemática). Fui, então, encaminhado para a outra, a principal da dupla, em um clima muito ruim de insatisfação pessoal, esta autorizou meus diários assim mesmo, se impôs sobre mim e sobre sua parceira de trabalho, sua intenção era de se redimir de outras ofensas do passado a mim cometidas. Pois, não era só esse o meu problema com os diários, eu me recusava assinar no final de cada linha escrita e no traço diagonal que eu mesmo fazia por recomendação pedagógica, era para inutilizar os espaços em branco. Além do mais, rubricava na linha subtraçada, própria para assinatura, no rodapé de cada folha, e elas queriam o meu nome por extenso. Obrigavam-me a falsificar a minha própria assinatura, uma vez que a minha carteira de identidade ostenta rubrica. Ainda hoje, fazem o mesmo, e há quem goste!
           Que "documento" tão sério é esse que somos obrigados a assinar todas as linhas utilizadas, nos forçando a crer que não há nenhuma chance de fraude? Que veracidade tem isso: lançar-se o dia primeiro de junho como letivo, para obrigar professores e alunos a participarem do evento, que é aniversário da cidade de Senador Canedo, validando as aulas que teriam naquele dia! Outra coisa, o que se chama de bimestre, no diário é registrado ora três meses, ora dois e meio! Os coordenadores inventaram isso. Ah, "hora aula" não é "hora relógio", e por aí vai! Todos os professores lançam o tal "sábado letivo" no diário como um dia normal, o conteúdo de um dia escolhido, se o Ensino Médio tem 11 disciplinas fica registrado que cada série teve 11 aulas naquele turno sabático. É possível?
          O diário demanda contra a própria coordenação de turno, que tem que dar conta do aluno dentro da unidade escolar, quando um aluno no mesmo período do mesmo dia tem falta com um professor e com outros, não; isto acontece frequentemente,  bastando apenas um ou outro professor deixar de fazer a chamada naquela aula, aí surge a pergunta: onde estava o aluno ausente da terceira aula que respondeu a chamada da primeira aula e da última? Sem falar que uns respondem a chamada por outros.  O professor devia está preocupado com isso, sabendo que falta, na prática, não reprova? ( pelos critérios da lei é impossível reprovar por falta, sendo a computação das mesmas no geral de horas letivas do ano - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96 - em Art.24 inciso VI). Quem se candidataria a fraudar um diário de classe? Até porque não é índice de crescimento reprovar o aluno! Se simplificássemos esse “gerador de divergência profissional”, ou melhor, desprofissionalizador, acabar-se-iam todas as funções dos coordenadores pedagógicos? – Se isso é o que os faz tremer! O coordenador ainda teria de se preocupar com o cumprimento dos duzentos e nove dias letivos, driblando vários deles com eventos culturais, e conselhos de classe, etc. 
          Vejo que para os coordenadores, o diário de classe é mais importante do que o próprio professor, provando assim a coisificação do humano que trabalha na unidade escolar. Para castigar-nos, no mesmo colégio em que trabalho, em pleno século XXI, onde já aceitavam o diário totalmente digitado, bastando apenas trocarem de coordenadora, retroagiram, para um tempo do absurdo, obrigando o professor a fazer as folhas da frequência de aluno em manuscrito, o resto do diário continuaria digitado. Assim fica claro a desvalorização da boa estética e da uniformidade do "documento" (a beleza do inútil?). Para justificar a incoerência, a coordenadora explicou-nos que precisava verificar se a chamada era praticada rigorosamente todos os dias (como se ela tivesse disposição para isso), por causa dos professores "malandros" que fazem a chamada por amostragem. Pois é, mas esta mesma coordenadora, em reunião anterior, orientou os mesmos que não deviam lançar faltas para os alunos na última semana de janeiro e nem no mês de fevereiro (2011). De que parte do inferno estão vindo as orientações para o manuseio deste "ditoso" instrumento de trabalho do professor? Agora compreendo, por que uma boa parte dos professores pagam para outros mais inescrupulosos fazerem seus diários de classe. E não tem como não errar o preenchimento do diário, pois a maior parte de seu conteúdo é inventado!
          Corrigir provas com caneta de tinta vermelha pode, mas preencher diário de classe com essa caneta nem pensar. O que é mais importante? Já refiz diários sem rasura nenhuma, só porque estava em vermelho. Comprovaram as minhas suspeitas, porque tinha feito de propósito! Só as leis de Murphy explicam, especialmente estas: "Quando um trabalho é mal feito, qualquer tentativa de melhorá-lo piora." "Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível."
         Sem falarmos que preencher diários de classe atrofia o cérebro dos professores pela falta de exercício criativo, pois a siste(mato)logia é sem motivação a novos sentidos. É uma rotina descomunal e toma uma grande parcela do seu tempo fora de classe, em que poderiam exercer imaginação fértil. Eu por exemplo só entrego meus diários atrasados, pois tiro um tempinho para exercitar meu cérebro, lendo temas diversificados e escrevendo sobre minhas desgraças (atualizo meu blog toda semana - Crônicas da vida escolar).           
           Se a escola pública tem fama de fingir ensinar, e o aluno fingir aprender, eu diria que seus documentos fingem uma seriedade impecável. Assim, vamos coniventemente, é claro, em busca da mentira perfeita! Portanto, culpados, mas ainda recebemos o tratamento dispensado aos mais altos escalões da sociedade: “Educadores”. Deveríamos ser chamados de políticos, e os políticos de professores, pois eles é que têm "moral" e merecem salários, cada vez, melhores.
           Deixemos de considerar leviano o dolo, e o Sistema Educacional em que estamos inseridos pagará por isso, aliás é um sistema cruel que se vinga de si mesmo. O que farão elas, funcionárias de "notas redondas", desprestigiadoras do computador, quando o "Diário de Classe Eletrônico" for-lhes metido de goela abaixo? Ou goela acima!? E assim como diz Sacha Guitry, vivemos (professores e coordenadores): "Uma das mentiras mais fecundas, interessantes e fáceis é fazer a pessoa mentirosa pensar que acreditamos no que ela nos diz".
           Seis anos depois, estou editando esta crônica, acrescentando este último parágrafo, pois o diário eletrônico chegou de fato e em todas as escolas que trabalho, cumpriu-se a profecia. Agora, faço o tal diário digital. A minha vingança foi satisfeita ao assistir as tais professoras com muita dificuldade para lidar com um computador. Mas, não sei se posso ficar feliz, acho que não: Justamente nesse ano, depois de ter digitado todo o conteúdo dos dois  últimos bimestres, de todas as salas, a coordenadora entrou em minha conta e apagou tudo, não sei se por incompetência ou de propósito para sacanear comigo, devido minhas críticas. O certo é que tive que digitar tudo novamente. Não sei o que acontece, se no conselho de classe são usadas a listas de notas digitadas na página eletrônica do professor, não falta nenhuma nota e depois aparecem alguns alunos sem nota no boletim ...?! Todos têm a senha de acesso ao diário do professor, só o professor não tem ao SIGE. Imagina se um professor traidor tiver acesso a página de notas do colega...! Nem se fala quando a internet está congestionada, e a plataforma em manutenção sem aviso algum, digita-se de duas a três vezes até salvar o conteúdo e haja tempo desperdiçado. Contudo, quero comemorar o cumprimento da profecia. E o "avanço" tecnológico na educação! E pelo fato de não preenchermos mais diário de papel, acham-se que podem nos encher de trabalho, pois agora estamos sobrecarregado de tantas pautas, projetos e formulários para enviar em tempo determinado. A secretaria bloqueia e desbloqueia o aplicativo quando bem quer, tornou-se a atual Coleira eletrônica: "Os demais que atrasarem a entrega irão ter advertência anexada à avaliação profissional e será prejudicado o recebimento integral do Bônus" - diz a gestora.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 02/08/2009
Código do texto: T1732260

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
Comentários

A POLÍTICA DA SOBREVIVÊNCIA (Alugam-se crianças a preço de banana!)




Texto

A POLÍTICA DA SOBREVIVÊNCIA ("A miséria é mãe da indústria." — Daniel Defoe)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Chorou-me a alma gotas de hormônio — o hormônio da compaixão. Era exatamente isso que eu sentia.

Naquele sábado, às oito horas da manhã, o transporte coletivo seguia lotado rumo a Goiânia. Na antecatraca, cinco senhoras tumultuavam o compartimento. Como muitas pessoas, elas não haviam comprado suas passagens com antecedência. Eu também estava ali, prensado “como pinto no ovo”, embora a imprudência, nesse caso, não fosse minha; eu tinha passagem, só não conseguia passar.

Infelizmente, elas impediam qualquer acesso ao interior do veículo — e talvez, com um solavanco, ainda coubesse só mais um. Demonstravam até boa vontade, tentando se ajeitar para facilitar a passagem, mas era inútil: o corredor era estreito e, como cada uma carregava um bebê nos braços, ninguém ousava pressioná-las. Além disso, o cheiro nauseabundo, combinado à sujeira de suas vestimentas, nos afastava. Pés descalços e sacolas a tiracolo, tão surradas que pareciam poder ser arrastadas pelo chão sem ressentimento.

Sem entrar nos falatórios típicos dos que têm pressa e se veem impedidos de avançar, direi apenas que precisei reclamar — e até sugerir soluções. Depois de muito custo, consegui girar a “catraca” e seguir até as últimas cadeiras. Mais confortável, no fundo do ônibus, pude observar melhor as cinco senhoras que ainda entulhavam a cabine do motorista. Após uma breve e discreta conferência, decidiram combater um inimigo comum: passar a catraca sem pagar e resolver, de uma vez, aquele impasse.

Continuei observando quando uma movimentação — fruto do amor materno, ou talvez de um instinto de sobrevivência — tomou conta do espaço, chamando a atenção de todos. Uma segurou duas crianças enquanto a colega passava; esta, ao conseguir se arrastar por baixo, retribuiu o favor, permitindo que a outra fizesse o mesmo. As demais preferiram caminhos distintos: pularam a roleta ou se espremeram pela lateral interna do ônibus.

Quando a última atravessou, olhei do fundo da “nave” — e lá estavam todas sentadas nas primeiras cadeiras! Como conseguiram assentos numa fileira só? Que projeto bem elaborado!

De forma discreta, passei a observar as serenas criancinhas nos braços daquelas que pareciam ser suas mães de verdade. Eu duvidava, pois, a olho nu, não se pareciam em nada com suas amparadoras — e, afinal, elas não precisavam saber disso. Uma menina chorou e recebeu uma mamadeira vazia na boquinha. Que mãe é essa? Além disso, todos os bebês tinham praticamente o mesmo tamanho. Que coincidência é essa?

No destino final, todos os estranhos se dispersam. Refiro-me não apenas ao desembarque daquela tripulação heterogênea que chegara ao seu alvo, mas também à dissolução simbólica dos distintos em algum ponto do etéreo — se é que os opostos realmente se atraem.

No dia seguinte, encontrei uma daquelas senhoras na feira de domingo em Senador Canedo, pedindo esmola. Observei bem: a criança que ela carregava não era a mesma do ônibus. Não dei um centavo, mas esperei que outros dessem, na mesma fé daqueles que, no dia anterior, haviam cedido seus assentos. Com nada menos que um bom projeto, faz-se a política da sobrevivência.

Neste Brasil inescrupuloso, as crianças são usadas para assegurar casamentos e, muitas vezes, até para evitar longas filas no comércio. Também servem como peças valiosas nos depósitos públicos educacionais — as chamadas Escolas de Tempo Integral — criadas para arrecadar mais dinheiro do FNDE. Isso não está escrito no ECA!


-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/


QUESTÕES DISCURSIVAS - "A Política da Sobrevivência"

Questão 1 - Desigualdade Social e Mobilidade Urbana

O texto apresenta uma cena cotidiana no transporte coletivo envolvendo cinco senhoras em situação de vulnerabilidade. Explique como essa situação reflete as desigualdades sociais presentes no Brasil e de que forma o acesso (ou a falta dele) ao transporte público pode aprofundar essas desigualdades.

Questão 2 - Estratégias de Sobrevivência

O narrador descreve as ações das senhoras como uma "política da sobrevivência". O que você entende por essa expressão? Dê exemplos, baseados no texto, de como pessoas em situação de pobreza precisam criar estratégias para garantir sua sobrevivência diária.

Questão 3 - Instrumentalização de Crianças

No final do texto, o autor afirma que "as crianças são usadas" para diversos fins. Explique o que significa "instrumentalizar" crianças e reflita: por que pessoas em situação de extrema necessidade recorrem a esse tipo de prática? Essa prática resolve o problema social de fundo?

Questão 4 - Preconceito e Compaixão

O narrador admite sentir "o hormônio da compaixão", mas também descreve o "cheiro nauseabundo" e a "sujeira" das senhoras, além de não dar esmola no dia seguinte. Analise essa contradição: é possível sentir compaixão e, ao mesmo tempo, manter preconceitos sociais? Justifique sua resposta.

Questão 5 - O Papel do Estado

O texto critica as "Escolas de Tempo Integral" e menciona que crianças são tratadas como "peças valiosas nos depósitos públicos educacionais". Na sua opinião, qual deveria ser o verdadeiro papel do Estado na proteção e educação das crianças em situação de vulnerabilidade? As políticas públicas atuais são suficientes?

Comentários

INCOERÊNCIAS LICENCIADAS (Educação é polidez?)



Claudeci Ferreira de Andrade

          Um dia, fui à Câmara dos Vereadores para participar de uma capacitação do PES (Planejamento Estratégico da Secretaria), como cheguei um pouco depois do início, tive dificuldade para arranjar um assento, pois cada professor, ali, ocupava duas cadeiras, uma para se assentar e outra para colocar seus pertences. Ao entrar, quando empurrei a porta de vidro, soou um barulho que fez notória minha chegada, dei alguns passos para frente à procura de uma cadeira disponível, mas nenhuma estava.  Porém, não me restava outra opção, senão escolher uma das pessoas ali e o fiz; passaram-se uns dois a três minutos até que ela arrumasse, no colo, toda a sua papelada e outros objetos de uso pessoal, constrangeu-me muito pedir licença, eles estavam indiferentes. Contudo, eu já tinha compreendido a sua má vontade, ela entraria em prejuízo com relação aos demais! Sendo assim, eu também estava, somente procurei tirar a diferença, dirigindo a palavra àquela “virtual” cursista, digo virtual, porque estava cochilando, minha tão conhecida de outros encontros. É claro que apenas murmurei a seus ouvidos; a reunião estava a todo vapor:

          — Não me leve a mal, professora Ana, mas como estar o desempenho do palestrante?

          Na verdade, eu não queria saber do desempenho de ninguém. O que eu queria mesmo era quebrar o “gelo”. Ela demorou um pouco até retornar ao mundo real, então repeti a pergunta, foi quando o dirigente virou-se para a tela de projeção, criando oportunidade para o nosso diálogo, que me respondeu:

          — Estou gostando!

          — Você não acha uma incoerência paralisar todos os gestores e o pessoal da Secretaria para tratarem de um assunto pertinente só a uns poucos diretores de departamento? Falei sem muita propriedade, pois acabara de chegar e ainda não tinha pegado o “fio da meada”.

          Naquele momento, interessava-me apenas o momento, e ela teria que me aceitar em “sua cadeira guarda-volumes”, portanto, para isso, estava tentando lhe provar que eu seria uma boa companhia, que me ceder a cadeira foi um bom investimento. E me pareceu ter conseguido, porque ela preferiu desabafar-se comigo a assistir a reunião.

          — E o que não é incoerente na educação? – Perguntou-me sem muita meticulosidade e continuou enumerando outras contradições: — Os professores cobram da Secretaria cursos de aperfeiçoamento, e depois colocam mil dificuldades para participar. Veja quantas pessoas estão aqui!

          Na deixa, pensei e retruquei imediatamente: — Se todos os professores estivessem aqui como cumpririam o calendário letivos? Quando fariam a reposição das aulas?

          — Você tem razão, – disse ela – lembrando que um sábado letivo não serve para repor um dia letivo, sobra pouco espaço no calendário escolar! Que isso também é uma grande incoerência, não se discute.

          Conversa vai, conversa vem, e eu já preocupado com o desconforto que estávamos causando aos vizinhos de simpósio, com nosso zum-zum-zum, chamei sua atenção para o assunto da palestra:
          — Parece-me que este tal "PES" é igual ao "PDE"!?

          — É incoerente do mesmo jeito. — Disse ela com ares de descrença.— Elabora-se um plano de ações financiáveis no início do ano, com dados do ano passado, para se executar com o dinheiro já insuficiente que vai chegar no final do ano vigente.

          — Mas, com isso estamos acostumados, – asseverei – elaboramos nossas aulas em janeiro para os alunos que nem conhecemos!

          Eu tentei confortá-la; o que consegui foi apenas lhe apertar no amaranhado do infortúnio da libertinagem educacional. Fui, também, um exemplo de incoerência. Como pude ir a uma palestra e ficar tão ausente! Talvez a Ana seja apenas o prefixo de Analfabeto ou Anacrônico; eu, nesse caso, seria o morfema lexical de Claudicar, porém se damos mancadas, ou não sabemos das coisas, ou, ainda, estamos fora de moda, ninguém mais se incomoda com essas coisas! Educação é "polidez"?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 31/07/2009
Código do texto: T1728900

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas



SE NÃO SEI, EIS A QUESTÃO (A meus (ex)-alunos)


SE NÃO SEI, EIS A QUESTÃO (A meus (ex)-alunos)

por Claudeci Ferreira de Andrade

           Agora sei que sou um “péssimo” professor, pois eles me convenceram a isto, aqueles do terceiro ano do Ensino Médio, dizendo: — "Você é péssimo porque é muito certinho, formal, nunca falta e fala difícil, é velho e feio, não nos traga mais jornais, queremos aquilo que cai nos vestibulares."
           A verdade é que ensino a variedade padrão da língua portuguesa, com metodologias diversificadas. O que outros mais prendados diriam se eu fosse avacalhado e descompromissado como requerem os moldados pelas novelas: Rebelde, Malhação e Caminho das índias; incluindo nesse lixão outros programas humorísticos que caricaturizam as salas de aula?! Compreendo por que alguns colegas disseram que eu não sei dar aula e tenho pouco a contribuir para unidade escolar. É que estou do outro lado. Mas, consigo entender perfeitamente o que significa ter salário por fazer o que é correto. Pelo menos ainda tenho consciência!
           O aprendizado e a formalidade (disciplina), como experiência, são inseparáveis. Podemos separá-los pedagogicamente, mas na vida real da sala de aula, não se pode assimilar o conteúdo ensinado sem respeito e reflexão. Os grandes educadores, que também foram grandes alunos, mantiveram o devido equilíbrio entre o aprendizado e a disciplina.
           Se eu não tiver quem me ouça, as páginas da história apregoarão que o aprendizado só acontecerá mediante grande esforço. E isso é sintetizado no cotidiano. Só não sei aonde a escola pública quer chegar, dando tudo, gratuitamente, alimentando os alunos que nem valorizam. Nesse sentido, O bom aluno fica raro demais nos sistemas paternalistas. Como é difícil "criança criada por avó"!
           Meu conforto é que o mundo ensina, disciplina e corrige. É o mercado de trabalho, que  não dar nada a ninguém que nos habilita a obedecer. É o trabalho que paga nossa penalidade. É a vida que comunica seu poder para alcançarmos a vitória sobre nossos erros. Oxalá que meus ex-alunos, se fracassados, não me acusem de culpado porque não fui maioria, lembrando que a maioria nem sempre está certa.
            É porque me amo, acima de tudo, que aprendi a obedecer, bem cedo, na vida. Louvado seja o mundo por fazer o que a educação não consegue.
             Não existe péssimo professor para o bom aluno. Antes de ser aluno seja humilde, pois antes de ser professor fui aluno humilde.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 30/07/2009
Código do texto: T1727016


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

NA CONTRA PERNA DA EDUCAÇÃO (“Só ensina quem aprende”)

Na contra perna da educação
Claudeci Ferreira de Andrade

         Era um congresso de professores, mas eles chamaram-no de movimento popular, por se tratar de um evento de educadores populares: 5º MOVA – BRASIL, este era o slogan utilizado, tudo a ver com o impulso da paixão que se elevava na alma daqueles Alfabetizadores. Como membro do Núcleo da Educação de Jovens e Adultos para a Cidade de Senador Canedo, propus-me a participar da comoção juntamente com mais dois representantes do NEJA: os Josés. Senti-me indigno daquele local de tão aconchegante que era: CTE-CNTE (centro de treinamento educacional), mas depois que foram chegando os representantes de outros segmentos, convenci-me de que estava em qualquer lugar. Após nosso credenciamento, só deu tempo de guardarmos as malas naquele apartamento de cinco camas e logo descemos para o jantar daquele primeiro dia. Como eu estava ansioso para conhecer pessoas novas, Aquela seria a melhor ocasião. À mesa das iguarias, formou-se uma longa fila. Tamanha era nossa vontade de exibir nossos patrocinadores que parecíamos mais um arco-íris em flocos desordenados. Na minha frente, estava um alfabetizador, vestindo uma camiseta do movimento dos sem-terra, como a fila estava muito lenta, e eu, muito cansado, juro que, por um momento, desejei ardentemente me escorar na muleta dele, pois lhe faltava uma perna; percebi, também, quando cambaleava nos pequenos movimentos rumo ao self service que lhe faltava algo mais: estava bêbado! Pensei comigo mesmo – se é apenas um alfabetizador de adultos, esse hábito não faz tanto mal! Mas, mudei a forma de pensar em menos de vinte minutos, já com os pratos cheios nas mãos, rumo às mesas, quando, de súbito, ele escorregou na ardósia polida e caiu sobre mim. A ironia da vida convenceria qualquer um que naquele momento, eu estaria mais faminto que todos ali, porque sua comida esparramou-se toda em minha barriga numa atração fatal. Alguém cuidou de pegar rapidamente meu prato, nem vi quem foi, agora com as mãos desocupadas, atraquei-me com aquele sujeito com o intuito de não deixá-lo derrubar a refeição de todo mundo, se apoiando no balcão dos servidores; agora, eu também estava bêbado, deslizamos desequilibradamente, por alguns instantes, no óleo da comida derramada no piso, até que uma equipe, de meia dúzia de pessoas, contornou a situação, colocando-nos em equilibrio.
Que professora generosa! Aquela que tirou o prato de minha mão, evitando quebrá-lo, e aguardava-me à mesa; agradeci e formulei um elogio como é do meu feitio, não daquela forma, mas ali, eu não estava com espírito para essas coisas, mesmo assim disse:
— como você é ágil! Preciso ver se a carteira ainda se encontra em meu bolso!
— Você está me chamando de ladra ou de prostituta? – perguntou-me num impulso agressivo.
— Nem uma coisa, nem outra, estou apenas enaltecendo sua eficiência e agilidade como a de um ladrão.
Eu não estava em condições de continuar me justificando naquela celeuma e me retirei, mas ainda não havia “comido” o suficiente. À noite, dormi mal, assistindo ao reflexo daquela criatura de "boa" interpretação, sendo mais claro, meu colega de quarto, que também era paraense, levou-a para dormir com ele em sua cama.
Alguém já havia me dito que “só ensina quem aprende”; que “a educação não muda o mundo, a educação muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo”; que “ninguém educa ninguém, se educa sozinho, nós nos educamos juntos”; que “o homem não nasce fazendo nem sabendo, O homem nasce brincando”. Também me disseram que “todo professor tem problemas psicológicos”. Eu não queria acreditar, mas depois de tantas capacitações vividas, não sei se preciso de um tratamento especializado, ou de mais um congresso de professores!

Aprende-se com motivação (Não existe coincidência, existe sim providência.)

Aprende-se com motivação (Não existe coincidência, existe sim providência.)
Claudeci Ferreira de Andrade

         Tinha um cigarro entre os dedos, atitude esta repugnante para mim; não para ela, pois agia tão naturalmente que não se dava conta que estava sendo alvo de meu julgamento hostil. Então veio em minha direção, sentou-se gentilmente ao meu lado, pareceu-me muito tímida pela maneira acanhada que me cumprimentou, continuei observando discretamente seu comportamento, sua cabeça virava-se de um lado para outro, de baixo para cima com frenesi. Foi por isto que deduzi: pelo seu olhar descomprometido com qualquer alvo fixo, procurando algo que não estava ali; então somei coragem para dirigir-lhe a palavra, mexi-me na mureta onde estávamos assentados, em um ponto de ônibus. Para tanto, retomei o espaço o qual ela criara entre mim e si para não me incomodar com a fumaça; fiz uma aproximação sutil e lhe perguntei:

         — Como aprendeu a fumar?

         Agora controlada por outro espírito, com o olhar voltado para baixo em contrição, como quem precisava se confessar; respondeu com palavras que pareciam não querer sair de seus lábios, pois vinham de um passado muito mordaz:

  — Foi participando de rodas de amigos, nas quais brincávamos de quem segurava mais a cinza na ponta do cigarro, quem a deixasse cair primeiro pagaria uma prenda. Eu era sempre quem perdia, não sabia fumar, a certa altura me engasgava com a fumaça e tossia muito, então tinha que pagar a prenda, era um pacto sério entre nós! Quem não satisfizesse o contrato seria cortado do grupo. Por essa razão, o perdedor ficava sujeito a um sorteado do grupo para fazer o que ele quisesse. Se uma menina perdia, sorteava-se entre os homens; se um menino perdia, sorteava-se entre as mulheres; a verdade é que quase sempre terminava em “transa”. Elas estavam acostumadas “naquilo”, eu não, tinha só treze anos naquela época, e perdi minha virgindade à vista de todos. Olha, mas eu não culpo meus amigos, apesar de ter herdado o vício e hoje sentir dores nos pulmões, ainda fui infeliz em meu casamento por meus desajustes psicológicos, enganava meu esposo muitas vezes quando fugia para as rodas licenciosas. Eu era mesmo uma viciada. Ele, porém, não era daquilo, era um homem comedido. Agora só me resta lamentar duas dores vizinhas em meu peito: dói os pulmões e o coração. Ultimamente estou frequentando uma “célula”, lendo a Bíblia e orando muito. Já abandonei tudo de errado! Para eu viver melhor só me resta abandonar o cigarro. Você não merece respirar fumaça, e a “fumaça” de minha boca!
         Terminava de falar quando chegou sua irmã menor, era uma criança de aspecto bem diferente, duvidei que, de fato, fosse da mesma família, tinha tez e olhos claros, mas me apresentou e disse que era ela a razão de sua inquietação naquele momento, pois estavam sozinhas e precisavam chegar em casa em paz. Então desejei-lhe essa paz que tanto almejava; no momento da despedida, acrescentei-lhe uma promessa:

  — Sua história será contada a muitas pessoas por algumas gerações para falar do bem que você me fez, mostrando-me o poder da transformação, quando eu já contava que o meu seria um caso perdido.

Apenas me agradeceu com uma entonação de dúvida, ela não entendeu que eu falava de minha consciência pesada, porque contemplava nela o cachorro que fugia do vômito, e eu, o cachorro que voltava ao vômito. Presenteei-lhe um livro, na tentativa de merecer suas orações. Neste momento, confirmo, mais uma vez, a veracidade do pensamento que não existe coincidência, existe sim providência.

Professor, cadê seu texto? (Os verdadeiros cegos são aqueles que veem, mas preferem ser mal conduzidos.)


CRÔNICA


Professor, cadê seu texto? (Os verdadeiros cegos são aqueles que veem mas preferem ser mal conduzidos.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Ontem, enquanto caminhava pelo corredor da escola onde leciono há mais de duas décadas, ouvi uma frase que me fez parar: "Faça o que digo e não faça o que faço." A ironia daquelas palavras, pronunciadas por um colega professor a um aluno desatento, ecoou em minha mente, levando-me a refletir sobre o poder da influência em nossas vidas.

Como educadores, frequentemente caímos na armadilha de pregar a importância da leitura e da escrita sem demonstrá-la em nossa própria conduta. Exigimos textos bem escritos, mas quantos de nós realmente nos dedicamos à escrita além das anotações no quadro? Esta contradição entre nossas palavras e ações ilustra perfeitamente como a influência age de forma silenciosa e poderosa.

Lembrei-me de uma cena cômica no refeitório da escola: um aluno bocejou e, em segundos, uma onda de bocejos se espalhou pela mesa. Até eu, observando de longe, senti a vontade de bocejar. Este simples episódio demonstra como somos influenciados pelos outros em cada aspecto da vida, desde os gestos mais triviais até as decisões mais complexas.

O Talmude sabiamente observa: "Uma ovelha segue a outra." Esta frase sintetiza a essência da influência. Não são apenas os humanos que sucumbem a esse poder; até os animais são tocados por ela. Um antigo provérbio chinês diz: "Não os gritos, mas o voo do pato selvagem leva os demais a voar e a acompanhá-lo". O exemplo não precisa de palavras para ser entendido; ele fala por si, e quem observa, mesmo que inconscientemente, segue o rastro deixado.

Como professor, tenho visto ao longo dos anos o impacto que nossas ações têm sobre nossos alunos. Aqueles que se dedicam à leitura e à escrita, compartilhando suas produções com a turma, exercem uma influência muito mais profunda do que aqueles que apenas cobram sem demonstrar. Não há como ensinar o que não se sabe fazer; não há como guiar onde não se esteve.

Recordo-me de um momento marcante em minha carreira, quando pedi aos alunos que escrevessem um ensaio sobre um tema complexo. Diante de seus olhares apreensivos, percebi que era minha responsabilidade mostrar o caminho. Sentei-me e, junto com eles, comecei a escrever. O silêncio na sala foi quebrado apenas pelo som de canetas deslizando sobre o papel. Ao final daquela aula, não apenas eu tinha um texto para compartilhar, mas cada aluno havia produzido algo do qual se orgulhava.

A escrita, percebi, é uma forma de condução. Quem escreve tem o poder de guiar o leitor por caminhos de ideias e emoções. O leitor, por sua vez, tem a liberdade de seguir ou divergir, de concordar ou discordar. Mas é na interação entre escritor e leitor que se constrói o verdadeiro diálogo. Como disse a professora Lourdinha: "Os verdadeiros cegos são aqueles que não veem a ordem e, por isso, preferem ser mal conduzidos."

Ao final desta reflexão, lanço um desafio a meus colegas educadores: sejamos exemplos vivos daquilo que pregamos. Que nossos alunos nos vejam lendo, escrevendo, questionando e aprendendo. Pois é através de nossas ações, muito mais do que de nossas palavras, que exercemos nossa influência mais profunda e duradoura. A influência é como um bocejo – sutil, mas irresistível. Ela se espalha, silenciosamente, de um para o outro, moldando comportamentos, atitudes e pensamentos. O que fica é a certeza de que, mais do que palavras, são nossas ações que deixam marcas profundas nas vidas que tocamos.

Encaminhamento de Percepção

1 Quão influente é o exemplo?

2 O que acha do pensamento: Só se aprende escrever escrevendo!

3 Como cobrar para ensinar o que não sabe fazer?

4 Têm os outros professores de outras disciplinas obrigação se saber escrever bem para exigir dos seus alunos melhor desempenho?

5 Por que os rebeldes à leitura são considerados os verdadeiros cegos?


segunda-feira, 29 de junho de 2009

QUEM É O PROFESSOR MAIS FELIZ?











QUEM É O PROFESSOR MAIS FELIZ?

segunda-feira, 29 de junho de 2009
 Claudeci Ferreira de Andrade

            Os diferentes cursos de graduação, na maioria das vezes, são escolhidos não por grau de vocação a uma profissão, mas por amor ao dinheiro e ao emprego, visando apenas maior segurança material.
            Almejemos  sim, da segurança desse pretenso emprego; não renunciemos a possibilidade de um salário que nos será proporcionado justamente. Porém, nessa extremidade estão os professores de "sangue azul" que renunciam ao sacerdócio e à vocação, e procuram evadir-se aos bons princípios éticos, focalizando apenas a possibilidade de melhorar financeiramente. Mesmo assim, conscientemente, alguns entram na obra como mercenários por "merreca"; outros, às vezes, já a muito tempo no trabalho, continuam desprezando até mesmo seu público alvo que surpreendentemente "paga o pato", não passa de coisa. E ainda procuram provar seu triunfo fora do que os profissionais de boa índole mais prezam: os valores internos. Ainda, às vezes, perdem de vista o pagamento justo pelo que fazem e querem muito mais, atirando-se nos movimentos grevistas e atraindo a infâmia sobre todos nós. Esta dedicação interesseira ao magistério cativa admiração de muitos até, e deixa pouca esperança para o resto da categoria.
           Para sermos felizes, precisamos ser superiores não somente ao dinheiro e seus males, mas também a seus valores. Não há dúvida de que muitos devotam ao magistério e satisfazem suas necessidades materiais, isto é, ganham o dinheiro que precisam! Mas, não há como alcançar a felicidade, exercendo uma profissão totalmente desprovido de amor à causa. O salário é consequência.
           São mais felizes os que estão livres da dominação do egoísmo. O professor deve ser senhor de todas as coisas. Quem quer que vá pela vida, supondo que a felicidade e a satisfação virão mediante a prosperidade material, abrindo mão das coisas da alma, ficará desapontado. Sacrifício é sempre um serviço de amor: amor ao próximo e à profissão.
           Neguemo-nos a nós mesmos e nos demos aos outros em serviço útil. Nosso verdadeiro relacionamento com o professorado não é simplesmente sobrepormo-nos a ele, nem, principalmente, dele obter riquezas materiais, mas amá-lo como Cristo amou o mundo e morreu para salvá-lo. Amemos o professorado, porque na atividade do vocacionado há vida real. Deixe o professor a sua vocação e não haverá para a sociedade valores morais, nem vida, nem futuro. A vocação restaura no homem o supremo valor profissional e seus atributos reconciliam no homem o trabalho e o prazer. Em qualquer profissão podemos acumular grandes riquezas, podemos melhorar as condições humanas; tudo isso seria possível, também, com uma atuação desvocacionada, mas os homens ainda estariam perdidos, se o amor não fizesse a diferença. Só é feliz o professor que ama o que faz, independente do que ganha para fazê-lo.

 Encaminhamento de percepção

 1- Deveria um professor, devotado ao Professor dos professores (Jesus Cristo), participar de movimentos grevistas por melhoria salarial em detrimento aos transtornos educacionais e a despeito do que possa manchar sua imagem missionária?
 2- Que relação contemplamos com respeito à formação acadêmica e o desempenho de um professorado próspero?
 3- Quais são as características de um professor vocacionado?
 4- Que efeitos chegarão a um professor insatisfeito com seu trabalho – a ele e a seu público?
 5- O que significa amar o que fazemos?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 26/07/2009
Código do texto: T1719745

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

LIÇÃO ECOLÓGICA (Alguém fez isso!)











LIÇÃO ECOLÓGICA (Alguém fez isso!)

por Claudeci Ferreira de Andrade

          Da vila Galvão para o terminal do Novo Mundo não é muito longe, mas para mim, foi uma eternidade. Já eram 6 horas da tarde quando estava de volta. Tive que dividir, no ônibus, um banco de dois assentos com uma jovem de mais ou menos 16 anos que me fez refletir em coisas profundas da alma: o que é nossa vida?! Fui motivado a chegar a respostas deprimentes ao contemplar sua aparência que era digna de compaixão: tinha os cabelos tingidos de louro, amarfanhados, na verdade era uma espécie de matiz esfumaçado de preto com louro; seu cheiro era uma mistura de urina com álcool; suas roupas, que mal cobriam as vergonhas, não tinham cor definida, eram pura sujeira. Olhei para os seus pés, estavam descalços, sujos e com unhas crescidas.
          Encolhi-me em meu canto, quando percebi que ela se movimentou para me dirigir a palavra; que hálito insuportável! Seus lábios estavam inchados e inflamados. Falou-me do aparelho celular que acabara de roubar de um homem bêbado, queria se desfazer do tal objeto rapidamente por medo de ser apanhada pela polícia, então insistia para eu comprar o telefone por dez reais; apenas abanei a cabeça algumas vezes em sinal de reprovação e me virei para a janela, desejando que tivesse mais espaço naquela direção. Mas as circunstâncias forçaram-me a me reportar mentalmente para outro cenário.
          Lá fora, visto que passávamos na GO-403, às margens do rio meia-ponte, no meio dele, contemplei uma garça paralisada a espreita de algo que pudesse alimentar-se, já que ela não podia roubar celular para vender. Pensei, tendenciosamente, olhando apenas para mim mesmo, que a situação da garça solitária se assemelhava mais com a minha do que com a daquela jovem. Porém, logo depois, concluí que, por ter de suportar o mau cheiro daquelas águas poluídas e o roçar morno da correnteza opaca na pernas, por horas a fio, de plantão e não ter pescado nada, se é que tinha algum peixe ali para ser pescado, a garça assemelhava-se mais com ela naquele momento! Ora se parecia comigo, ora com ela!
           Só contemplando um pouco mais a alteração artificial da paisagem, visível a olho nu, e a contaminação do meio, palpável, pude ver, cá no ônibus, a minha semelhança com a maltrapilha! Que situação a nossa! Por que a garça não tinha suas penas branquíssimas como deveriam ser!? Seria uma camuflagem! Uma nova espécie!? Ou essa contaminação lhe incomodava? Certamente! Corajoso e atrevidamente me virei para minha parceira de viagem e perguntei se suas roupas sujas lhe incomodavam. Não! Justificou-se, dizendo que a culpa era de alguém, assim como o rio a sujou, e alguém sujou o rio. Estremeci pela a evidência de que a jovem também contemplava a garça encardida e tinha as mesmas impressões que eu. Naquele momento, desfizeram-se todas as nossas diferenças, ela também pensava, não apenas vegetava, ou melhor, isso fez a diferença, apreendi. Somos vítimas igualmente. Alguém fez isso e não foi a chuva! Ou seja, Deus!

Encaminhamento de percepção

 1- Reflita também sobre a pergunta: O que é nossa vida?
 2-Que tipos de vícios relata a crônica e qual é o grau de influência nas situações mencionadas?
 3-Qual seria sua reação se encontrasse alguém como essa jovem?
 4-Em que circunstâncias a garça suja e solitária pode ser tanto o narrador personagem, quanto a jovem maltrapilha?
 5- Por que o narrador chegou a pensar que a jovem não teria sensibilidade suficiente para relacionar as situações?
 6- A quem se refere o texto na frase: “Alguém fez isto”
?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 25/07/2009
Código do texto: T1718151

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

LENTES DE ALUNO (Os jovens precisam mais de modelos sociais e não de grevistas)





















LENTES DE ALUNO (Os jovens precisam mais de modelos sociais e não de grevistas)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Escrevo esta crônica, especialmente, supondo que sempre há um ou outro aluno contemplando longa e constantemente a vida de seus mestres e procurando imitá-la; com certeza, sei que conseguirão. Mas, uma coisa gostaria de saber: É a nossa vida assim digna de imitação? Tudo que nossos alunos precisam é de exemplos de amor e justiça para segui-los!
Suponhamos que alguém lhe dê uma paleta, pincéis e tinta, e mande você imitar um mestre da pintura. Quantas horas necessitaria para estudar suas pinturas? Isto na verdade não é impossível. O mesmo aconteceria se tivesse de imitar um famoso cantor, e muitos o fazem. Quantos dias, meses e anos de prática seriam necessários para chegar a imitá-los? Na verdade, com muito esforço, um dia tudo será possível. Porém imitar os bons é muito necessário e urgente, visto que o dia já declina. Falo, sobretudo, da arte de moldar o caráter como parte da responsabilidade social, um talento que Deus deu a todos. Aliás, uma habilidade que Deus não negou a nenhum de nós, bastando apenas desenvolvê-la dentro dos moldes da contemplação: é molduragem do caráter 
Como podem imitar a seus professores e líderes por olhando-os longamente, examinando-lhes cada movimento e cada palavra que eles proferirem sem copiar deles também o caráter? Isto acontece espontaneamente; é uma imitação natural. Aconselho que continuemos com a disciplina pessoal do eu, em concentração constante, com pouco ou o mínimo possível do tempo de lazer (afrouxamento dos princípios morais) para maior dedicação à formação pessoal para a vida: disciplina. Já é o que a nova escola pretende: “educar para vida”. Que redundância,  se isso a própria vida já o faz. Volto a afirmar, os alunos precisam, na verdade, é de professores formadores de bons cidadãos, motivados de dentro para fora; isso implica verdadeira reforma em sua natureza interior, transformação essa inspiradora nas nossas demonstrações: modelos sociais e não de grevistas. Por isso, nós, mestres, chefes e líderes precisamos nos regenerar primeiro e viver uma vida socialmente “ideal”, porque somos lentes para nossos seguidores. Então, a você que segue meu conselho: ache-se em si mesmo antes de imitar-me; saiba quem você é, e aonde quer chegar; não seja apenas uma conformidade externa, mas uma resposta espiritual.
Os bons exemplos não se relacionam com os outros tão fluentemente como os fazem os maus exemplos, que são atrevidos. A imitação do mau deixa-nos afastados de nós mesmos, entorpecidos. Nesse caso, quando procuramos reagir e viver como os bons vivem, o fazemos sob nossa própria força é assim que funciona, precisamos da fé e obras. Lembremos que os bons precisam comunicar aos maus, cada dia, nova vida. Precisamos ser o amor personalizado. Nada menos que isto satisfará a demanda vigente.  Assim é a experiência do mestre que também é aprendiz. A harmonia social depende da proliferação dos bons.

Encaminhamento de percepção

1-Onde a escola peca quando se propõe a educar para vida?
2-O que vale mais na arte de ensinar: o palanque do professor ou o seu exemplo de vida dentro e fora da sala de aula?
3-Quando decidimos resolver os problemas a nosso modo, com nossas próprias forças, sem contar com a ajuda de Deus, o que acontece?
4-A vida de nossos professores modernos é digna de imitação?
5-Em que condição nossos mestres, chefes e líderes devem ser imitados?