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terça-feira, 30 de junho de 2009

A POLÍTICA DA SOBREVIVÊNCIA (Alugam-se crianças a preço de banana!)




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A POLÍTICA DA SOBREVIVÊNCIA (Alugam-se crianças a preço de banana!)

terça-feira, 30 de junho de 2009
Por Claudeci Ferreira de Andrade

          Chorou-me a alma gotas de hormônio, o hormônio da compaixão. Foi isso, exatamente, o que senti! Eram apenas oito horas da manhã, daquele sábado, o transporte coletivo rumava cheio para Goiânia. Como muitos não costumavam comprar suas passagens com bastante antecedência, cinco senhoras ali tumultuavam o compartimento antecatraca. Eu também estava ali, prensado com pinto no ovo, mas a imprudência não era meu caso. Elas infelizmente estavam impedindo qualquer acesso ao interior do veículo, que, talvez bastasse um solavanco para caber só mais um. Até que elas tinham boa vontade, mexiam-se tentando facilitar a movimentação, mas não adiantava, o corredor era muito estreito, e como cada uma tinha um bebê nos braços, não podíamos fazer muita pressão, até porque, o cheiro nauseabundo, que combinava com a sujeira de suas vestimentas, nos repelia. Pés descalços e sacolas a tiracolo que podiam esfregá-las no chão sem nenhum ressentimento. Sem revelar os falatórios característico daqueles que tinham pressa, e se sentiam impedidos de passar, vou dizer apenas, que tive de reclamar também com algumas sugestões. Depois de muito custo, conseguimos rodar a “catraca” e no interior do ônibus, agora, já, mais confortavelmente  pude observar melhor àquelas cinco senhoras, que depois de uma pequena e rápida conferência, tomaram uma atitude para combater um inimigo comum: passar a catraca sem pagar e resolver, de vez, aquele problema. Continuei observando, quando uma movimentação, produto do amor materno, tomou conta daquele espaço, chamando a atenção de todos. Primeiro uma segurou duas crianças enquanto sua colega passava, e esta, ao conseguir se arrastar por baixo, retribuiu o favor para que aquela fizesse o mesmo. Porém, as outras preferiram caminhos diferentes. Pularam a roleta ou se espremeram na lateral interna do ônibus! Quando a última passou, olhei para o final da “nave”, e todas estavam sentadas! Como conquistaram os assentos numa fileira só? Que projeto bem elaborado!
           De uma forma bem discreta, comecei a olhar para as serenas criancinhas nos braços de quem parecia ser sua mãe de verdade. Mas, elas não precisavam saber disso. Fui eu quem imaginou, porque, a olho nu, não se pareciam, nem um pouco, com as suas respectivas amparadoras. Uma menina chorou, e recebeu uma mamadeira vazia na boquinha! Que mãe é essa? Todos os bebês com mais ou menos o mesmo tamanho! Que coincidência é essa?
           No destino final, todos os estranhos se perdem, refiro-me, não só ao desembarque da tripulação heterogênea que chegou à seu alvo, mas, pensando, também, na fusão dos distintos em algum momento no etéreo. Se é que os opostos se atraem!
           No dia seguinte encontrei, na feira de domingo, uma daquelas senhoras pedindo esmola, e a criança que ela conduzia não era a mesma que levava naquele ônibus. Não dei centavo algum, mas esperei que outros dessem na mesma fé daqueles que cederam seus assentos no ônibus (cenário do ontem). Com nada menos que um bom projeto, faz-se a política da sobrevivência.

            Nesse Brasil inescrupuloso, as crianças são usadas para assegurar casamento, e muitas das vezes, até para se evitar as grandes filas do comércio. Elas também são peças valiosas nos depósitos públicos educacionais, chamados Escolas de Tempo Integral,  para arrecadar mais dinheiro do FNDE. Isso não está escrito no ECA! 
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 01/08/2009
Código do texto: T1730766

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