"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

domingo, 2 de agosto de 2009

Educar em Tempos de Crise: Uma Reflexão Resistida ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)






Educar em Tempos de Crise: Uma Reflexão Resistida ("A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo." — Nelson Mandela)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Naquela manhã, ao cruzar a porta da sala de aula, o peso do dia já me alcançava antes mesmo de abrir o caderno. O som da sineta, geralmente banal, reverberou como um alarme, um presságio de mais uma batalha a ser travada. Ser professor, há tempos, deixou de ser apenas ensinar. Tornou-se um ato de resistência, quase um combate diário contra forças que insistem em diminuir a relevância do nosso trabalho.

Ao longo dos anos, fui me acostumando a usar máscaras: A do "sabichão", sempre pronta com respostas certeiras, e a do “palhaço”, que tenta, com esforço, arrancar sorrisos e atenção de uma turma exausta. Mas, ultimamente, cogito máscaras bem mais concretas: capacetes blindados e coletes à prova de balas, trágicas caricaturas da violência que nos ronda. A ideia de vestir tal armadura, afinal, não parece tão absurda; para além de conhecimento, parece que agora precisamos também de proteção física.

Os desafios que já eram inúmeros tornaram-se ainda mais surreais com a chegada da pandemia. Não bastasse a precariedade habitual, a educação transformou-se em palco de estratégias políticas que exploram nossas fraquezas. Suspenderam as aulas, alegando ser uma medida de segurança, enquanto as ruas e os comércios seguiam abarrotados. O que deveria ser cuidado revelou-se descaso — um peso que só as escolas pareciam obrigadas a carregar.

Então veio a solução improvisada: máscaras de tecido de qualidade duvidosa, álcool em gel insuficiente e os famigerados "kits prevenção". Para os alunos, sugeriram, em tom irônico, algo como um "bolsa prevenção": preservativos, máscaras e testes rápidos de influenza, distribuídos como paliativos tardios. E para os professores? Nem isso. Promessas de segurança ou dignidade eram, como sempre, inalcançáveis.

Os alunos, por outro lado, não compreendiam o silêncio entre os muros escolares. Mensagens chegavam, apressadas, cobrando tarefas, pedindo exercícios ou, simplesmente, indagando:

— Professor, quando voltaremos?

E eu, cansado de "descansar", ansiava pelo retorno, ainda que em condições absurdas. Queríamos recomeçar, mas não sob o fardo de sermos tratados como peças descartáveis em um sistema que nos abandonou há muito. Afinal, dizem que somos culpados de tudo: da violência, do analfabetismo, do desinteresse generalizado.

Talvez seja por isso que os cursos de licenciatura estejam cada vez mais vazios. Quem escolheria uma profissão onde o desgaste físico e emocional é recompensado com desprezo? Recordo-me de um colega que, num desabafo ácido, resumiu a situação com precisão:

— No final, somos mais soldados do que educadores.

E, mesmo assim, seguimos. Persistimos porque, apesar de todas as adversidades, acreditamos que educar é muito mais do que um serviço: é um ato de fé em um futuro que ainda não conseguimos vislumbrar.

Quando o dia chega ao fim e a sineta anuncia o término de mais uma jornada, levo comigo não só o cansaço acumulado, mas também a convicção de que ensinar transcende conteúdos ou métricas. É um desafio constante ao sistema que tenta nos apagar, uma reafirmação da importância de formar mentes e, acima de tudo, um gesto de resistência. Educar, mais do que uma profissão, é uma missão que exige coragem, esperança e, sobretudo, um coração que, mesmo ferido, continua a pulsar.


Com base no texto apresentado, elaborei 5 questões que exploram diferentes aspectos da experiência do professor e da dinâmica escolar:


O texto compara a profissão de professor a uma batalha. Quais são os "inimigos" que o professor enfrenta nessa batalha e como eles impactam o processo de ensino e aprendizagem?

Essa questão leva os alunos a refletir sobre os desafios externos e internos que os professores enfrentam e como eles influenciam a qualidade da educação.


A pandemia da COVID-19 intensificou os desafios da profissão docente. De que forma a pandemia expôs as fragilidades do sistema educacional e como isso impactou a relação entre professores, alunos e famílias?

A questão busca que os alunos compreendam as consequências da pandemia na educação e como ela evidenciou as desigualdades e as dificuldades do sistema educacional.


O texto menciona a sensação de desvalorização e o sentimento de serem tratados como "soldados". Como essa desvalorização da profissão docente impacta a motivação dos professores e a qualidade do ensino?

Essa questão incentiva os alunos a refletir sobre a importância do reconhecimento e da valorização dos professores para a educação.


O autor questiona a eficácia das medidas de segurança adotadas durante a pandemia nas escolas. Como a falta de preparo e a improvisação podem afetar a saúde e o bem-estar dos alunos e professores?

A questão leva os alunos a analisar as políticas públicas relacionadas à educação durante a pandemia e suas consequências para a comunidade escolar.


Apesar dos desafios, o texto demonstra a persistência dos professores. O que motiva os professores a continuar trabalhando mesmo diante de tantas dificuldades?

Essa questão estimula os alunos a refletir sobre o significado da profissão docente e a importância da educação para a sociedade.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

PROFESSOR - UMA ESPÉCIE EM EXTINÇÃO - Por Veronica Dutenkefer

PROFESSOR – UMAESPÉCIE EM EXTINÇÃO 


 Por Veronica Dutenkefer (20/06/2009)
Esse texto que escrevo precisamente agora é mais um desabafo.
Desabafo de uma profissional que está lecionando há mais de 22 anos e que não sabe se sobreviverá por mais dez anos,  que é o tempo que ainda precisarei trabalhar (por mais que ame muito o que faz).
Trago comigo muitas perguntas que não querem calar. E talvez a mais inquietante é: O que será necessário acontecer para se fazer uma reforma educacional neste país????
Constantemente ouço ou leio reportagens com as autoridades educacionais proclamarem a má formação de seus professores. Culpando as universidades, a falta de cursos de formação e culpando-nos evidentemente.
Se a educação neste país não vai bem só existe um culpado: o professor.
E aí vem meus questionamentos:
Como um professor de escola pública pode fazer o seu trabalho se ele precisa ficar constantemente parando sua aula para separar a briga entre os alunos, socorrer seu aluno que foi ferido por outro aluno, planejar várias aulas para se trabalhar os bons hábitos na tentativa vã de se formar cidadãos mais conscientes e de melhor caráter?
Nos cursos de formação nos é passado constantemente a recusa de um programa tradicional e conteudista, mas nossas avaliações de desempenho das escolas, nossos vestibulares e concursos públicos ainda são tradicionais e  nos cobra o conteúdo de cada disciplina.
Como pode num país.....num estado...num município haver regras tão diferentes entre a rede particular e pública?
Na rede particular as escolas continuam conteudistas, há a seriação com reprovação, a escola pode suspender ou até mesmo expulsar um aluno que não esteja respeitando as regras daquela instituição.
A rede pública vive mudando o enfoque pedagógico (de acordo com o partido que ganhou as eleições), é cobrado cada vez menos do aluno, não se pode fazer absolutamente nada com um aluno indisciplinado que até mesmo coloca em risco a segurança de outros alunos e funcionários daquela instituição.
Dia a dia....minuto a minuto... os professores são alvos de agressões verbais e até mesmo física pelos alunos. A cada dia somos submetidos a níveis de stress insuportáveis para um ser humano.
Temos que dar conta do conteúdo a ser ensinado + sermos responsáveis pela segurança física de nossos alunos + sermos médicos + enfermeiros + psicólogos + assistentes sociais + dentistas + psiquiatras + mãe + pai ......
E quando ameaçados de morte e recorremos a uma delegacia pra fazer um boletim de ocorrência ouvimos: “Isto não vai adiantar nada!”
Meus bons alunos presenciam o mal aluno fazendo tudo o que não pode ser feito e não acontecendo nada com ele. É o exemplo da impunidade desde a infância.
Meus bons alunos presenciam que o aluno que não fez absolutamente nada durante o ano, passou de ano como ele, que se esforçou e foi responsável.
Houve um ano que eu tinha um aluno que era muito bom. E ele começou a faltar muito e ir mal na escola. Os colegas diziam que ele ficava empinando pipa ao invés de ir pra escola. Um dia, tive uma conversa com ele, e perguntei o que estava acontecendo? E ele me disse: “Prá que eu vou vir prá escola se eu vou passar de ano mesmo assim?”
Então eu procurei aconselhar (como faço com meus alunos até hoje) que ele devia freqüentar a escola, não para tirar notas boas nas provas ou passar de ano. Ele deveria vir a escola para aumentar seu conhecimento que é o único bem que ninguém poderá roubar.Que a escola iria ajudá-lo a aprender e trocar conhecimentos com os outros e ajudá-lo a dar uma melhor formação na vida..
Depois dessa conversa ele não faltou mais tanto....mas nunca mais voltou a ser o excelente aluno que era.
Qual a motivação de ser bom aluno hoje em dia?
Seus ídolos são jogadores de futebol que não falam o português corretamente e que não hesitam em agredir seus colegas jogadores e até mesmo os árbitros. Ensinando que não é necessário haver respeito as autoridades e aos outros.
Ou são dançarinas que mostram seu corpo rebolando na televisão e pousando nuas para ganhar dinheiro.
 Para quê eu me matar de estudar se há tantas profissões que não são valorizados e nem respeitadas? ??
Conheci (e ainda conheço e convivo) ao longo de minha carreira na escola pública, inúmeros profissionais maravilhosos. Pessoas que amam a sua profissão, que se preocupam com seus alunos, que fazem trabalhos excepcionais. Que possuem um conhecimento e formação excelentes, mas que estão desgastados e quase arrasados diante da atual situação educacional.
Li a poucos dias num artigo que os cursos de filosofia, matemática, química, biologia e outros todos ligados a área de magistério não estão tendo procura nas universidades.
Lógico!!!!!Quem é que quer ser professor??? ??????
Quem é que quer entrar numa carreira que está sendo extinta, não só pela total desvalorização e respeito, mas também pela falta de segurança que estamos enfrentando nas escolas.
Fiquei indignada com uma reportagem na TV (que aliás adora fazer reportagens sensacionalistas colocando o professor sempre como vilão da história) em que relatava que numa escola um aluno ameaçava os outros com um revólver e num determinado momento o repórter perguntou:”Onde estava oprofessor que não viu isso??!!”
E agora eu pergunto: “O que se espera de umprofessor (ou de qualquer ser humano), que se faça com uma arma apontada pra você ou pra outro ser humano??? Ah...já sei...o professor deveria enfrentar as balas do revólver!!!! Claro!!! As universidades e os cursos de aperfeiçoamento de professores não estão nos ensinando isso..
Vocês tem conhecimento de como os professores de nosso país estão adoecendo??? ?
Vocês sabem o que é enfrentar o stress que a violência moral e física tem nos submetido dia a dia?
Você sabe o que é ouvir de um pai frases assim:
“Meu filho mentiu, mas ele é apenas uma criança!”
“Eu não sei mais o que fazer com o meu filho!”
“Você está passando muita lição para meu filho, e ele é apenas uma criança!”
“Ele agrediu o coleguinha, mas não foi ele quem começou.”
“Meu filho destruiu a escola, mas não fez isso sozinho!”
Classes super lotadas, falta de material pedagógico, espaço físico destruído, violência, desperdício de merenda, desperdício de material escolar que eles recebem e, muitas vezes, não valorizam (afinal eles não precisam fazer absolutamente nada para merecê-los), brigas por causa do “Leve-leite” (o aluno não pode faltar muito, não por que isso prejudica sua aprendizagem, mas porque senão ele não leva o leite.)
Regras educacionais dissonantes de acordo com a classe social dos alunos.
Impunidade.
Mas a educação não vai bem, por causa doprofessor..
Encerro esse desabafo com essa pergunta que li a poucos dias:
Essa pergunta foi a vencedora em um congresso sobre vida sustentável.
"Todo mundo  'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos  filhos...  Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"
O BOM NESTE PAÍS É SER POLITICO. APOSENTA-SE COM 8 ANOS DE "TRABALHO(?) ".

domingo, 5 de julho de 2009

Sábado Letivo: A Trágica Comédia do Sábado Letivo ("O fraco rei faz fraca a forte gente." — Luís de Camões)

terça-feira, 30 de junho de 2009

A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA) A Crise da Recepção e a Busca por Sentido




Crônica

A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA) A Crise da Recepção e a Busca por Sentido

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Escrevi, com grande esmero, a crônica “Gramática é sério” para incluí-la em um projeto de livro. Ansiava pela reação de terceiros — aprovação ou reprovação, comentários positivos ou negativos. Procedo assim com todos os meus textos: considero-os definidos apenas após leituras probatórias feitas por, no mínimo, três pessoas. Sou humilde o suficiente para aceitar sugestões de melhoria e uso as observações para enriquecer meus trabalhos.

Forneci uma cópia à chefe do departamento em que trabalhei (projetos da SME). A sala estava pouco movimentada, e pareceu-me o momento ideal. Ela fitou a página por quatro minutos, imóvel. Em seguida, largou a folha em cima da mesa, junto a uma enorme papelada, e disse:

— Tenho que ler mais uma vez para lhe falar alguma coisa sobre o texto.

Assim que ela virou as costas, recolhi a cópia preciosa, sentindo-me como um garimpeiro limpando suas pepitas. De repente, um vulto passou pela janela e reacendeu minhas esperanças: era a colega da sala ao lado, do departamento pedagógico. Chamei-a e pedi que lesse a crônica ainda naquela tarde e me desse seu parecer.

O retorno foi rápido: em menos de dez minutos, ela estava de volta à sala de projetos, sentou-se à minha frente e, com ar de suspense, fez caras e bicos. Eu estava apreensivo, mas esperei em silêncio. Finalmente, ela disse:

— Olha, a crônica está muito boa, gostei muito! Só esse final poderia ser mudado, pode desagradar alguns políticos.

Levantou-se e saiu. Não tive nenhum argumento imediato; naquele instante, ela apenas apontou o óbvio. Refleti pelo resto da tarde e parte da noite: como eu gostaria que meus leitores tivessem modos de ler tão amplos, capazes de realizar leituras extensivas e estabelecer vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural. Ou estaria exigindo demais?

O assunto é sério! Ontem, por exemplo, deixei um rascunho desta história em minha escrivaninha, com o título (Lei)tura Ex...amin(ativa). Minha esposa leu e perguntou:

— Como seria essa leitura "examinativa"?

Respondi que é o exame textual praticado por aquele que sabe, de fato, atingir o pensamento alheio e visualizar com amplitude o objeto do texto. É um processo vivo de apuração tão profundo que alcança os elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto, o conhecimento prévio do leitor e outros textos já lidos.

— E como adquirir essa leitura? — perguntou-me novamente.

Expliquei que a leitura competente faz parte da luta pela dignidade humana; é mais responsabilidade que privilégio. É uma técnica de leitura particular, ligada à criatividade de cada um. Não é difícil constatar que as manifestações mais substanciosas surgem daqueles que se aprofundam no conhecimento criterioso da realidade. É o que vemos na vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas, num empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas e dos seus próprios limites.

Se me compreenderam ou não, não sei; o importante é que, após essa experiência, nunca mais lerão este texto da mesma forma. Agora, sempre o farão em um nível mais profundo.


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Este texto oferece um excelente material para a discussão sociológica sobre a burocracia, o ambiente de trabalho e o papel social do intelectual e da leitura na contemporaneidade. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas simples e diretas, focando nos conceitos de instituição, capital cultural e poder no ambiente de trabalho:

5 Questões Discursivas de Sociologia (Leitura, Poder e Burocracia)

Texto Base: A Crônica "Leitura Examinativa: A Crise da Recepção e a Busca por Sentido"

1. Burocracia e Relações de Poder no Trabalho:

A chefe de departamento demonstra desinteresse imediato pela crônica do autor, limitando-se a dizer que precisa "ler mais uma vez" antes de comentar. Analise essa interação sob a ótica das relações de poder e da burocracia no ambiente de trabalho (SME). Como a atitude da chefe pode ser interpretada como uma forma de exercer poder ou como um sintoma da rotina burocrática, onde o tempo para o "esmero" literário é inexistente?

2. A Leitura Superficial e a Cultura de Evitamento:

A colega do departamento pedagógico rapidamente retorna, elogia a crônica, mas sugere que o final "pode desagradar alguns políticos." O autor reflete sobre a ausência de "leituras extensivas" e "vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural." Explique como essa leitura superficial, focada apenas na censura política, reflete uma cultura de evitamento de conflitos ou uma leitura instrumental (funcional) típica de certas instituições.

3. O Capital Cultural e a "Leitura Competente":

O autor define a "leitura competente" ou "examinativa" como uma luta pela "dignidade humana" e um "conhecimento criterioso da realidade." Na Sociologia de Pierre Bourdieu, o que é Capital Cultural? Discuta como a posse dessa "leitura competente" pode ser entendida como uma forma de capital cultural que distingue o autor da leitura superficial de seus colegas.

4. O Papel Social do Intelectual e a Crítica Implícita:

O autor, como cronista, busca produzir um texto que atinja elementos implícitos e gere reflexão profunda. Qual é o papel social do intelectual ou do crítico em uma sociedade, de acordo com as teorias sociológicas? Explique por que a sugestão de censura ("pode desagradar alguns políticos") é vista pelo autor como o oposto da finalidade da literatura e da leitura "examinativa".

5. Mérito e Superação Pessoal (Ideologia):

O autor associa a leitura competente à "vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas" em um "empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas." Identifique a ideologia presente nessa afirmação (por exemplo, meritocracia, esforço individual). Discuta se essa visão, que valoriza o esforço individual extremo como chave para a competência, ignora ou minimiza a importância das condições sociais e do acesso a recursos educacionais de qualidade.

ALCANÇANDO AS VITÓRIAS (Dobradinha brasileira)





Crônica

ALCANÇANDO AS VITÓRIAS (Dobradinha brasileira)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era de conhecimento geral que nosso Personagem Atleta tinha uma pergunta favorita nos locais de inscrição: — A Vitória vai correr?

Vitória era uma jovem cobiçada. A princípio, a preocupação do atleta parecia incompreensível, já que ele possuía condições físicas superiores e mais tempo de prática. Além disso, em corridas de rua, homens e mulheres não disputam o mesmo prêmio. O mistério era que ele nunca conseguia imprimir uma velocidade superior à dela, tratando-a como uma espécie de "puxadora". Por que ele preferia ser puxado em um ritmo tão lento? E, o que era mais estranho: ele não reagia aos incentivos da torcida, correndo sempre com uma concentração enigmática.

Em quê? Não se sabia. Esse mistério persistiu até que, após uma dessas "provas de rua", sua postura mansa o traiu. Uma fotografia flagrou o Personagem Atleta e Vitória; pela disposição das imagens, notou-se que ele não havia sido convidado a posar, estava um pouco desajeitado, mas seu olhar estava direcionado de forma inconfundível para as partes inferiores da moça.

O quebra-cabeça finalmente se montou: ela corria sempre com um shortinho de lycra rosa, curtíssimo! Preso ao devaneio, ele mal precisava de imaginação para se distrair.

Enquanto a foto circulava, em meio a comentários maldosos, alguém concebeu uma ideia brilhante para ajudar o Personagem Atleta, um verdadeiro teste de atração fatal. — Mas, que ideia brilhante é esta? — perguntou um dos presentes em meio às gargalhadas.

O plano foi simples: convidar Vitória, usando os mesmos trajes, para fazer o percurso da próxima competição no "carro madrinha". Ela aceitou sem hesitar, e o carro foi preparado para que ela ficasse bem exposta, simulando a função de apontar o caminho. Para disfarçar a armação, ela adotou um comportamento de fachada, mantendo o pé direito enfaixado.

Chegada a hora, o carro "isca" posicionou-se diante do pelotão para a largada. Quem estava bem na frente, logo atrás do veículo, era o Personagem Atleta! Ele parecia sedento, pronto para persegui-la.

A largada foi dada para a prova de 10 km, que contava com a participação de 400 atletas, em celebração ao aniversário de uma das cidades satélites de Goiânia. Por ser feriado, o percurso estava repleto de espectadores. Todos os demais competidores tinham a motivação comum para uma boa corrida; o nosso Personagem, no entanto, tinha uma motivação extra e obsessiva.

Aos 5 km, ele foi visto liderando a prova, de boca aberta, quase babando. O carro controlava sua velocidade, e ele não queria, de forma alguma, perder o objeto de sua fixação de vista. Com essa mesma obsessão incontrolável, a plateia teve de aplaudi-lo: pela primeira vez, ele conquistou uma competição.

Campeão! A Vitória e a vitória foram conquistadas!

O texto levanta uma reflexão irônica e final: Como ajudar alguém a alcançar a vitória quando esse alguém só quer a Vitória?


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Ótima escolha de texto! Embora seja uma narrativa aparentemente leve, ela nos permite explorar conceitos sociológicos relevantes sobre motivação social, espetáculo, gênero e controle.

Abaixo, como seu professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas e simples para guiar a análise crítica dos meus alunos sobre a história do Personagem Atleta e a Vitória.

1 - Motivação e Ação Social (Max Weber): O Personagem Atleta, com condições físicas superiores, só atinge a vitória quando sua motivação se torna puramente afetiva e não racional (a obsessão por Vitória). Com base no conceito weberiano de Ação Social, diferencie a ação do Atleta durante as corridas anteriores (lenta, apesar do potencial físico) e a ação final (veloz, motivada pela proximidade de Vitória).

2 - O Corpo Feminino como Espetáculo e Meio de Controle: Vitória, mesmo não competindo, é colocada no "carro madrinha" em trajes curtos para ser a "isca". Analise como o corpo feminino, neste contexto, é transformado em um objeto de espetáculo e, ironicamente, em um instrumento de controle (o carro madrinha controla a velocidade do atleta) e de motivação masculina, desviando o foco da competição esportiva pura.

3 - A "Vitória" Além da Competição (Performance e Status): O texto brinca com a dupla conquista: "A Vitória e a vitória foram conquistadas!". O sucesso do Atleta é alcançado por uma motivação externa (a atração). Discuta a ideia de que, na sociedade contemporânea, o verdadeiro status e o reconhecimento social muitas vezes não vêm apenas do esforço racional ou do mérito esportivo, mas sim da performance (a liderança da prova, mesmo que motivada por obsessão) ou da satisfação de um desejo não relacionado à regra.

4 - A Moralidade da Ajuda e a Ética: A "ideia brilhante" dos amigos para ajudar o Atleta é baseada em uma manipulação da situação (usar a atração dele por Vitória como combustível). Do ponto de vista da moralidade e da ética social, como você avalia essa forma de "ajuda" que subverte a essência da competição (a busca pela vitória pelo mérito atlético)?

5 - O Papel do Público e o Fenômeno do Voyeurismo: O público, ao longo do percurso, aplaude o Personagem Atleta por sua liderança, ignorando a verdadeira e ridícula motivação por trás do seu desempenho (ele correndo "de boca aberta, quase babando"). Analise como a espetacularização do evento esportivo e a postura do público (que ri da situação, mas aplaude o resultado) reforçam a aceitação de um desempenho motivado por algo fútil, desde que o resultado (a vitória) seja alcançado.