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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 18 de outubro de 2022

GRITO NÃO É CLAMOR: O Preço do Grito e o Silêncio da Vocação ("Quando a raposa ouve o grito do coelho ela vem correndo, mas não para ajudar". — Thomas Harris)

 


GRITO NÃO É CLAMOR: O Preço do Grito e o Silêncio da Vocação ("Quando a raposa ouve o grito do coelho ela vem correndo, mas não para ajudar". — Thomas Harris)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

As greves de professores tornaram-se eventos crônicos, quase farsas recheadas de amargas ironias. Mal se inicia uma paralisação, e a pauta de reivindicações já é sumariamente ignorada por alguma autoridade governamental que, aos gritos, determina o seu fim. Pouco importa se as demandas foram atendidas; a única certeza imposta é a obrigação de repor os dias perdidos.

Por trás dessa indiferença oficial, oculta-se uma premissa cruel e degradante: os professores ganham pouco porque são muitos; qualquer um serve. Essa abundância desordenada — que atrai profissionais desmotivados e despreparados — acaba sufocando a própria categoria. Nesse cenário, um eventual "apagão na educação" talvez não fosse uma tragédia, mas um filtro impiedoso que revelaria, ao final, os poucos docentes verdadeiramente zelosos e vocacionados.

Formam-se, assim, duas frentes distintas. De um lado, a maioria busca reconhecimento pelo grito, pelo clamor coletivo. De outro, uma minoria silenciosa persegue valorização por meio da competência e da excelência no trabalho. O dilema do primeiro grupo é elementar: quem só conquista pelo grito demonstra ter apenas essa aptidão — gritar. E, como observou Edvan Antunes, "Quanto mais ignorante é a pessoa, mais alta é a sua voz."

O protesto ruidoso, porém, tem prazo de validade: depois que a voz se torna rouca, resta apenas um ruído disforme. É essencial, portanto, distinguir ação de expressão: o grito é palavra de ordem — efêmera e genérica; o clamor, por sua vez, é discurso fundamentado, capaz de mover a reflexão. A tragédia da categoria não está apenas na baixa remuneração, mas na perda de sua voz qualificada, abafada pelo barulho ensurdecedor da própria multidão.

A verdadeira luta, afinal, não deveria ser pela reposição de dias, mas pela recuperação do mérito — pela restauração da distinção e da dignidade profissional que dão sentido à vocação docente.


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Excelente texto para análise! Como seu professor de Sociologia, vejo aqui temas centrais como desvalorização do trabalho, massificação profissional, luta de classes (ou categoria) e a distinção social e simbólica dentro de uma profissão.

Abaixo, preparei 5 questões discursivas e simples para estimular a reflexão sociológica dos meus alunos sobre a crise da docência:

1 - Massificação e Desvalorização do Trabalho: O texto afirma que "os professores ganham pouco porque são muitos; qualquer um serve". Analise essa premissa sob a ótica da Sociologia do Trabalho. Como a massificação da categoria e a percepção de que o profissional é facilmente substituível (reserva de mão de obra) afetam o poder de negociação e a consequente remuneração do docente?

2 - Luta por Reconhecimento (Honra e Status): A crônica diferencia a maioria que busca valorização pelo "grito" da minoria que a busca pela "competência" e "excelência". Discuta como essa distinção entre as duas "frentes" se relaciona com a luta por reconhecimento e status social. Qual dos métodos (grito/massa ou competência/mérito) parece mais eficaz na sociedade contemporânea para resgatar a dignidade profissional?

3 - Burocracia e Controle Governamental: A imposição da reposição dos dias de greve, independentemente do atendimento da pauta, é um ato de poder estatal. Analise esse fato como uma manifestação de controle burocrático sobre a categoria. De que forma o Estado utiliza mecanismos administrativos (como a reposição de dias) para neutralizar o poder de mobilização e a força política dos professores?

4 - A Tragédia da Voz Qualificada e a Teoria do Conflito: O texto lamenta a perda da "voz qualificada" da categoria, abafada pelo "volume ensurdecedor da sua própria multidão". Aplicando a Teoria do Conflito, explique como a desunião interna ou a falta de foco no mérito (distinção) podem enfraquecer a categoria docente na sua luta contra as classes dominantes (o Governo/Estado), que se aproveitam dessa fragmentação.

5 - Grito versus Discurso (Expressão e Reflexão): O texto estabelece uma distinção filosófica entre "grito" (efêmero/palavra de ordem) e "clamor/discurso" (fundamentado/reflexão). Em termos sociológicos, qual o papel do discurso fundamentado e crítico (próprio da intelectualidade) na transformação das estruturas sociais, em contraste com o papel da mera expressão de ordem da massa mobilizada?

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