Crônica
A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA) A Crise da Recepção e a Busca por Sentido
Escrevi, com grande esmero, a crônica “Gramática é sério” para incluí-la em um projeto de livro. Ansiava pela reação de terceiros — aprovação ou reprovação, comentários positivos ou negativos. Procedo assim com todos os meus textos: considero-os definidos apenas após leituras probatórias feitas por, no mínimo, três pessoas. Sou humilde o suficiente para aceitar sugestões de melhoria e uso as observações para enriquecer meus trabalhos.
Forneci uma cópia à chefe do departamento em que trabalhei (projetos da SME). A sala estava pouco movimentada, e pareceu-me o momento ideal. Ela fitou a página por quatro minutos, imóvel. Em seguida, largou a folha em cima da mesa, junto a uma enorme papelada, e disse:
— Tenho que ler mais uma vez para lhe falar alguma coisa sobre o texto.
Assim que ela virou as costas, recolhi a cópia preciosa, sentindo-me como um garimpeiro limpando suas pepitas. De repente, um vulto passou pela janela e reacendeu minhas esperanças: era a colega da sala ao lado, do departamento pedagógico. Chamei-a e pedi que lesse a crônica ainda naquela tarde e me desse seu parecer.
O retorno foi rápido: em menos de dez minutos, ela estava de volta à sala de projetos, sentou-se à minha frente e, com ar de suspense, fez caras e bicos. Eu estava apreensivo, mas esperei em silêncio. Finalmente, ela disse:
— Olha, a crônica está muito boa, gostei muito! Só esse final poderia ser mudado, pode desagradar alguns políticos.
Levantou-se e saiu. Não tive nenhum argumento imediato; naquele instante, ela apenas apontou o óbvio. Refleti pelo resto da tarde e parte da noite: como eu gostaria que meus leitores tivessem modos de ler tão amplos, capazes de realizar leituras extensivas e estabelecer vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural. Ou estaria exigindo demais?
O assunto é sério! Ontem, por exemplo, deixei um rascunho desta história em minha escrivaninha, com o título (Lei)tura Ex...amin(ativa). Minha esposa leu e perguntou:
— Como seria essa leitura "examinativa"?
Respondi que é o exame textual praticado por aquele que sabe, de fato, atingir o pensamento alheio e visualizar com amplitude o objeto do texto. É um processo vivo de apuração tão profundo que alcança os elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto, o conhecimento prévio do leitor e outros textos já lidos.
— E como adquirir essa leitura? — perguntou-me novamente.
Expliquei que a leitura competente faz parte da luta pela dignidade humana; é mais responsabilidade que privilégio. É uma técnica de leitura particular, ligada à criatividade de cada um. Não é difícil constatar que as manifestações mais substanciosas surgem daqueles que se aprofundam no conhecimento criterioso da realidade. É o que vemos na vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas, num empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas e dos seus próprios limites.
Se me compreenderam ou não, não sei; o importante é que, após essa experiência, nunca mais lerão este texto da mesma forma. Agora, sempre o farão em um nível mais profundo.
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Este texto oferece um excelente material para a discussão sociológica sobre a burocracia, o ambiente de trabalho e o papel social do intelectual e da leitura na contemporaneidade. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas simples e diretas, focando nos conceitos de instituição, capital cultural e poder no ambiente de trabalho:
5 Questões Discursivas de Sociologia (Leitura, Poder e Burocracia)
Texto Base: A Crônica "Leitura Examinativa: A Crise da Recepção e a Busca por Sentido"
1. Burocracia e Relações de Poder no Trabalho:
A chefe de departamento demonstra desinteresse imediato pela crônica do autor, limitando-se a dizer que precisa "ler mais uma vez" antes de comentar. Analise essa interação sob a ótica das relações de poder e da burocracia no ambiente de trabalho (SME). Como a atitude da chefe pode ser interpretada como uma forma de exercer poder ou como um sintoma da rotina burocrática, onde o tempo para o "esmero" literário é inexistente?
2. A Leitura Superficial e a Cultura de Evitamento:
A colega do departamento pedagógico rapidamente retorna, elogia a crônica, mas sugere que o final "pode desagradar alguns políticos." O autor reflete sobre a ausência de "leituras extensivas" e "vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural." Explique como essa leitura superficial, focada apenas na censura política, reflete uma cultura de evitamento de conflitos ou uma leitura instrumental (funcional) típica de certas instituições.
3. O Capital Cultural e a "Leitura Competente":
O autor define a "leitura competente" ou "examinativa" como uma luta pela "dignidade humana" e um "conhecimento criterioso da realidade." Na Sociologia de Pierre Bourdieu, o que é Capital Cultural? Discuta como a posse dessa "leitura competente" pode ser entendida como uma forma de capital cultural que distingue o autor da leitura superficial de seus colegas.
4. O Papel Social do Intelectual e a Crítica Implícita:
O autor, como cronista, busca produzir um texto que atinja elementos implícitos e gere reflexão profunda. Qual é o papel social do intelectual ou do crítico em uma sociedade, de acordo com as teorias sociológicas? Explique por que a sugestão de censura ("pode desagradar alguns políticos") é vista pelo autor como o oposto da finalidade da literatura e da leitura "examinativa".
5. Mérito e Superação Pessoal (Ideologia):
O autor associa a leitura competente à "vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas" em um "empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas." Identifique a ideologia presente nessa afirmação (por exemplo, meritocracia, esforço individual). Discuta se essa visão, que valoriza o esforço individual extremo como chave para a competência, ignora ou minimiza a importância das condições sociais e do acesso a recursos educacionais de qualidade.



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