PROFESSOR IMATURO ("...a única solução apaziguadora será o suicídio ?")
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Não há um único dia em que eu não chegue em casa com as pernas inchadas e a cabeça pesada — melhor dizendo, toda tarde carrego uma alma perturbada, um peso na consciência, uma sensação de transgressão, ou melhor, de dever não cumprido. É algo tão estranho que nem sei nomear. Apenas percebo que ainda sou um professor imaturo, que sofre demais com o desrespeito e o descumprimento dos acordos dentro da escola. Quem me dera não precisar mais me defender, justificar obrigações ou mendigar aceitação e reconhecimento — bastasse o que aprendi e o que sei fazer. Quando meus lábios não se abrirem mais nem para reclamar nem para incomodar os colegas, então, talvez, eu possa dormir em paz. Mas não sei como chegar a isso.
Que profissão "desgraçada" é essa em que se espera, no ato de ensinar, manifestações de amor, mas se recebe escárnio? A aula virou um campo de embates desgastantes. As relações são sempre tensas: professor com alunos, com outros professores, com coordenadores, diretores, pais, funcionários e até com os pombos e pardais do pátio! Nunca estivemos tão inseguros e emocionalmente abalados quanto nesses momentos de exposição forçada a relações inevitáveis. E as futilidades? Também ferem: a coordenadora me tira da sala, em plena aula, para cobrar a formatação das questões do "simulado" que ela mesma deveria padronizar. “‘(...) Sofria com frequência assédio moral por parte da diretora da escola em que trabalhava’, relata Gilzete, irmã de Jucélia (professora suicida), que classifica ainda a diretora da instituição de ensino como ‘desumana’.” (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/professora-comete-suicidio-sergipe.html)
Chega-se ao ponto do suicídio. Está justificado o porquê alguns desistem cedo. O professor L.V.C declarou: “Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, não tendo outras fontes de rendimentos, a única solução apaziguadora será o suicídio.” E eu acrescentaria: matam-nos com o desespero ou com a lambança da burocracia. (http://www.jn.pt/nacional/interior/aberto-inquerito-ao-caso-do-suicidio-do-professor-vitima-de-bullying-1517374.html — acessado em 20/05/2016).
Outros tantos já partiram em silêncio e caíram no esquecimento: Jailton Joaquim Graciliano (Maceió-AL), Paulo Henrique Lesbão (Senador Canedo-GO), Jucélia Almeida (Aracaju-SE)... Todos laboriosos, mas inúteis no esforço de eternizar o prestígio. Por outro lado, Wellington de Oliveira Menezes (Realengo-RJ), um professor do mal, ganhou notoriedade ao levar outros consigo. Levou os errados, por isso caiu nas graças da mídia. É chocante o número de suicídios entre os que dependem da escola para sobreviver — mas ninguém fala disso.
Eu, a cada dia, mato um pouco de mim. Sou forçado a silenciar a voz interior, tentando em vão escapar das perturbações. Mas não consigo. O lixo emocional explode, criando uma consciência fraca, viciada, depravada — que ao menos me console no torpor da existência. Quero me aquietar diante dos homens e de Deus. Ou talvez perder o respeito por mim mesmo em troca de uma influência socialmente aceitável, apenas para continuar vivendo. Ou ainda, deixar de lado o zelo e permitir que falem. Pena que, nesse suicídio em prestações, eu manche meu próprio orgulho.
É por isso que, mesmo após vinte anos de magistério, continuo imaturo. Tento consertar os outros e acabo desmantelando a mim. Hoje, entendi que não podemos exigir dos outros amor contínuo e favores, baseados em regras que nós mesmos impomos: regra sobre regra. Eles também buscam seus próprios interesses — e não precisam se importar com os meus.
Talvez o bom samaritano de hoje não ande com túnica nem montado num jumento — ele veste camiseta desbotada, carrega provas não corrigidas na mochila e anda exausto pelos corredores da escola. Não cura feridas com azeite e vinho, mas tenta estancar hemorragias emocionais com palavras de incentivo, bilhetes improvisados, ou apenas escutando silenciosamente o sofrimento alheio. Em vez de hospedaria, oferece seu próprio tempo e saúde mental. É ignorado, alvo de zombarias, mas não deixa de estender a mão. Ser bom, neste cenário, é resistir com ternura, mesmo quando tudo em volta ensina a endurecer. E se ainda houver salvação para este ofício, será pelos poucos que continuam agindo com compaixão, apesar de tudo.
Se me perguntassem hoje quem eu considero um professor maduro, mais forte, bem-sucedido e impactante, eu apontaria alguém oposto de mim: Ele seria o mais grosseiro, o mais agressivo, o dominador — o “carrasco”. Já não me importo com minha frouxidão. Para meu alento, leio na história que homens de extraordinária fé e amor não precisaram temer o esquecimento. A verdadeira bondade sempre será procurada. Os bons samaritanos são conhecidos em qualquer lugar. Ou será que o mal continuará vencendo o bem? Basta ser bom, ainda que pareça fraco.
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A crônica que acabamos de ler nos mergulha nas profundas angústias da profissão docente. O autor compartilha sua sensação de dever não cumprido, o sofrimento com o desrespeito e a burocracia, e até mesmo a chocante realidade do suicídio entre professores. Esse texto nos convida a uma reflexão sociológica urgente sobre as condições de trabalho, as relações de poder e a saúde mental no ambiente educacional. Vamos explorar essas ideias com algumas perguntas!
1 - O cronista descreve a escola como um "campo de embates desgastantes" onde as relações são "sempre tensas" entre todos os envolvidos. Analise essa afirmação à luz do conceito de conflito social. Que fatores, de acordo com o texto, contribuem para a perpetuação desses conflitos no ambiente escolar?
2 - O texto menciona casos de professores que cometeram suicídio e a "lambança da burocracia" que os "mata". Discuta como a precarização do trabalho e a pressão institucional, incluindo a burocracia excessiva e a falta de reconhecimento, podem impactar a saúde mental dos profissionais da educação.
3 - O autor fala sobre a "futilidade" de ser cobrado por formatação de questões em plena aula, enquanto a coordenadora deveria padronizar. Essa situação pode ser entendida como um problema de racionalidade instrumental na burocracia escolar. Explique como a ênfase em normas e procedimentos formais (como a formatação) pode desviar o foco da função principal da escola, que é o ensino e a aprendizagem.
4 - O cronista reflete sobre a ironia de que um "professor do mal" (como o de Realengo) ganha notoriedade, enquanto professores "laboriosos" que se suicidam caem no esquecimento. Que padrões de notoriedade e reconhecimento social o texto critica? Como a mídia e a sociedade constroem a imagem pública do professor e do que é "impactante"?
5 - Ao final, o autor conclui que um professor "maduro, mais forte, bem-sucedido e impactante" seria o "mais grosseiro, o mais agressivo, o dominador — o 'carrasco'". De que forma essa percepção, ainda que irônica e dolorosa, reflete uma possível distorção dos valores sociais atribuídos ao sucesso e à eficácia na profissão docente, em oposição a qualidades como a "bondade" e a "paciência"?
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Não há um único dia em que eu não chegue em casa com as pernas inchadas e a cabeça pesada — melhor dizendo, toda tarde carrego uma alma perturbada, um peso na consciência, uma sensação de transgressão, ou melhor, de dever não cumprido. É algo tão estranho que nem sei nomear. Apenas percebo que ainda sou um professor imaturo, que sofre demais com o desrespeito e o descumprimento dos acordos dentro da escola. Quem me dera não precisar mais me defender, justificar obrigações ou mendigar aceitação e reconhecimento — bastasse o que aprendi e o que sei fazer. Quando meus lábios não se abrirem mais nem para reclamar nem para incomodar os colegas, então, talvez, eu possa dormir em paz. Mas não sei como chegar a isso.
Que profissão "desgraçada" é essa em que se espera, no ato de ensinar, manifestações de amor, mas se recebe escárnio? A aula virou um campo de embates desgastantes. As relações são sempre tensas: professor com alunos, com outros professores, com coordenadores, diretores, pais, funcionários e até com os pombos e pardais do pátio! Nunca estivemos tão inseguros e emocionalmente abalados quanto nesses momentos de exposição forçada a relações inevitáveis. E as futilidades? Também ferem: a coordenadora me tira da sala, em plena aula, para cobrar a formatação das questões do "simulado" que ela mesma deveria padronizar. “‘(...) Sofria com frequência assédio moral por parte da diretora da escola em que trabalhava’, relata Gilzete, irmã de Jucélia (professora suicida), que classifica ainda a diretora da instituição de ensino como ‘desumana’.” (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/professora-comete-suicidio-sergipe.html)
Chega-se ao ponto do suicídio. Está justificado o porquê alguns desistem cedo. O professor L.V.C declarou: “Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, não tendo outras fontes de rendimentos, a única solução apaziguadora será o suicídio.” E eu acrescentaria: matam-nos com o desespero ou com a lambança da burocracia. (http://www.jn.pt/nacional/interior/aberto-inquerito-ao-caso-do-suicidio-do-professor-vitima-de-bullying-1517374.html — acessado em 20/05/2016).
Outros tantos já partiram em silêncio e caíram no esquecimento: Jailton Joaquim Graciliano (Maceió-AL), Paulo Henrique Lesbão (Senador Canedo-GO), Jucélia Almeida (Aracaju-SE)... Todos laboriosos, mas inúteis no esforço de eternizar o prestígio. Por outro lado, Wellington de Oliveira Menezes (Realengo-RJ), um professor do mal, ganhou notoriedade ao levar outros consigo. Levou os errados, por isso caiu nas graças da mídia. É chocante o número de suicídios entre os que dependem da escola para sobreviver — mas ninguém fala disso.
Eu, a cada dia, mato um pouco de mim. Sou forçado a silenciar a voz interior, tentando em vão escapar das perturbações. Mas não consigo. O lixo emocional explode, criando uma consciência fraca, viciada, depravada — que ao menos me console no torpor da existência. Quero me aquietar diante dos homens e de Deus. Ou talvez perder o respeito por mim mesmo em troca de uma influência socialmente aceitável, apenas para continuar vivendo. Ou ainda, deixar de lado o zelo e permitir que falem. Pena que, nesse suicídio em prestações, eu manche meu próprio orgulho.
É por isso que, mesmo após vinte anos de magistério, continuo imaturo. Tento consertar os outros e acabo desmantelando a mim. Hoje, entendi que não podemos exigir dos outros amor contínuo e favores, baseados em regras que nós mesmos impomos: regra sobre regra. Eles também buscam seus próprios interesses — e não precisam se importar com os meus.
Talvez o bom samaritano de hoje não ande com túnica nem montado num jumento — ele veste camiseta desbotada, carrega provas não corrigidas na mochila e anda exausto pelos corredores da escola. Não cura feridas com azeite e vinho, mas tenta estancar hemorragias emocionais com palavras de incentivo, bilhetes improvisados, ou apenas escutando silenciosamente o sofrimento alheio. Em vez de hospedaria, oferece seu próprio tempo e saúde mental. É ignorado, alvo de zombarias, mas não deixa de estender a mão. Ser bom, neste cenário, é resistir com ternura, mesmo quando tudo em volta ensina a endurecer. E se ainda houver salvação para este ofício, será pelos poucos que continuam agindo com compaixão, apesar de tudo.
Se me perguntassem hoje quem eu considero um professor maduro, mais forte, bem-sucedido e impactante, eu apontaria alguém oposto de mim: Ele seria o mais grosseiro, o mais agressivo, o dominador — o “carrasco”. Já não me importo com minha frouxidão. Para meu alento, leio na história que homens de extraordinária fé e amor não precisaram temer o esquecimento. A verdadeira bondade sempre será procurada. Os bons samaritanos são conhecidos em qualquer lugar. Ou será que o mal continuará vencendo o bem? Basta ser bom, ainda que pareça fraco.
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A crônica que acabamos de ler nos mergulha nas profundas angústias da profissão docente. O autor compartilha sua sensação de dever não cumprido, o sofrimento com o desrespeito e a burocracia, e até mesmo a chocante realidade do suicídio entre professores. Esse texto nos convida a uma reflexão sociológica urgente sobre as condições de trabalho, as relações de poder e a saúde mental no ambiente educacional. Vamos explorar essas ideias com algumas perguntas!
1 - O cronista descreve a escola como um "campo de embates desgastantes" onde as relações são "sempre tensas" entre todos os envolvidos. Analise essa afirmação à luz do conceito de conflito social. Que fatores, de acordo com o texto, contribuem para a perpetuação desses conflitos no ambiente escolar?
2 - O texto menciona casos de professores que cometeram suicídio e a "lambança da burocracia" que os "mata". Discuta como a precarização do trabalho e a pressão institucional, incluindo a burocracia excessiva e a falta de reconhecimento, podem impactar a saúde mental dos profissionais da educação.
3 - O autor fala sobre a "futilidade" de ser cobrado por formatação de questões em plena aula, enquanto a coordenadora deveria padronizar. Essa situação pode ser entendida como um problema de racionalidade instrumental na burocracia escolar. Explique como a ênfase em normas e procedimentos formais (como a formatação) pode desviar o foco da função principal da escola, que é o ensino e a aprendizagem.
4 - O cronista reflete sobre a ironia de que um "professor do mal" (como o de Realengo) ganha notoriedade, enquanto professores "laboriosos" que se suicidam caem no esquecimento. Que padrões de notoriedade e reconhecimento social o texto critica? Como a mídia e a sociedade constroem a imagem pública do professor e do que é "impactante"?
5 - Ao final, o autor conclui que um professor "maduro, mais forte, bem-sucedido e impactante" seria o "mais grosseiro, o mais agressivo, o dominador — o 'carrasco'". De que forma essa percepção, ainda que irônica e dolorosa, reflete uma possível distorção dos valores sociais atribuídos ao sucesso e à eficácia na profissão docente, em oposição a qualidades como a "bondade" e a "paciência"?