A DISCRIMINAÇÃO DESCRIMINÁVEL ("De que adianta você discriminar e ter vontade de usar." — Skilo G.C.I.)
Aqui estou, sentado no fumódromo — esse curioso território criado para garantir ao fumante o direito à sua felicidade privada, ainda que às custas do ar comum e do meio ambiente. Uma inovação civilizada, dizem. Respeita o indivíduo, mas esquece a natureza. Esquece que eu também sou natureza. E você, não é? Recordo o tempo em que se fumava em qualquer espaço público: a conivência vinha do hábito, a imposição, do vício. Hoje, mesmo com áreas delimitadas, o fumo continua a se espalhar como se a regra fosse apenas decorativa.
Confesso: aplaudo essa forma específica de discriminação. Não por ódio ao fumante, mas por amor à vida saudável e ao direito coletivo de respirar. Ainda assim, vivemos numa pseudo-sociedade em que os valores parecem caminhar de cabeça para baixo. A fantasia se impõe à realidade, e a chamada “sociedade organizada” passa a tratar o homem honesto, o sujeito coerente e ético, como ameaça. O bem se torna suspeito; a verdade, incômoda. E, por isso mesmo, perseguida.
Dizem que “a democracia nos dá o direito de ser diferente”, mas os autoproclamados antidiscriminadores insistem em nos nivelar, misturar tudo, apagar distinções essenciais. “Toda generalização é burra”, já se disse — e, ainda assim, generalizamos com fervor quando isso convém ao conforto coletivo. O que proponho não é hierarquia, mas clareza: que se fortaleçam as minorias que defendem a vida, a saúde, o equilíbrio com a natureza. Não se trata de conservadorismo. Como lembrava Franklin D. Roosevelt, conservador é aquele que tem as pernas intactas, mas nunca aprendeu a andar para a frente.
Se minhas palavras soam estranhas, talvez seja porque ainda não cabem no presente. Trago verdades que hoje parecem mentiras — e mentiras que o futuro, ironicamente, tratará como verdades. Sou incoerente com a atualidade, admito. Discriminem-me agora por ousar discriminar ideias, comportamentos, escolhas. No fim, o tempo nos misturará a todos no mesmo seio da terra. O comum, quando imposto, é que nos torna imundos. Não foi assim que chamaram, durante séculos, leprosos, prostitutas, gays?
É aqui que entra Suely. Ou melhor, O Céu de Suely. Uma prostituta circunstancial que retorna a Iguatu-CE — “igual a tu”, como sussurra a ambiguidade do nome. O espaço que deveria ser céu transforma-se em inferno. E ser o inferno de alguém, definitivamente, não é de Deus. Suely nos obriga a olhar para a discriminação que exclui, humilha e destrói. Mas também nos provoca a perguntar: que tipo de Suely somos nós quando aceitamos, em silêncio, as violências cotidianas travestidas de normalidade?
Talvez seja hora de distinguir melhor as coisas. Há uma discriminação que isola para ferir, marginaliza para apagar. E há outra — mais rara, mais incômoda — que reconhece diferenças para proteger a diversidade, que estabelece limites não para excluir pessoas, mas para preservar a vida comum. A discriminação, como faca de dois gumes, exige responsabilidade. Usada sem reflexão, corta; usada com consciência, pode esculpir.
No fim, tudo retorna à mesma pergunta: se somos todos parte da natureza, por que insistimos em viver contra ela? Pense nisso. Eu, do fumódromo, continuo pensando.
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Como seu professor de Sociologia, fico muito feliz em trazer esse texto para nossa aula. Ele é um excelente ponto de partida para discutirmos temas complexos como ética, direitos individuais versus coletivos, estigma social e a nossa relação com a natureza. O autor nos provoca a pensar que "discriminar" nem sempre é um ato de ódio, mas pode ser um ato de escolha e proteção de valores. Vamos exercitar nosso olhar crítico com as questões abaixo?
1. Liberdade Individual vs. Direito Coletivo
No início do texto, o autor descreve o "fumódromo" como um território que tenta conciliar a "felicidade privada" do fumante com o "ar comum". Questão: Explique, do ponto de vista sociológico, como ocorre a tensão entre os desejos do indivíduo e as necessidades do grupo (coletividade). Por que a criação de regras e espaços delimitados é necessária para a manutenção do Contrato Social?
2. Os Dois Lados da Discriminação
O autor faz uma distinção polêmica: existe uma discriminação que "isola para ferir" e outra que "reconhece diferenças para proteger a diversidade" e a vida. Questão: Diferencie esses dois conceitos apresentados no texto. Como o uso da "consciência" e da "responsabilidade", citadas pelo autor, podem transformar o ato de distinguir comportamentos em uma ferramenta de preservação da saúde pública e da ética?
3. Valores Invertidos e a "Pseudo-sociedade"
O texto afirma que vivemos em uma sociedade onde "o homem honesto, o sujeito coerente e ético" passa a ser tratado como uma ameaça, e a verdade torna-se incômoda. Questão: Relacione essa ideia ao conceito de Anomia Social (desregulação de normas e valores). De que maneira a inversão de valores morais pode dificultar a coesão social e a confiança entre as pessoas em uma democracia?
4. Estigma e Exclusão Social (O Exemplo de Suely)
Ao citar a personagem Suely, o autor menciona grupos que foram historicamente discriminados, como "leprosos, prostitutas e gays". Questão: Com base no conceito de Estigma Social, de Erving Goffman, explique como a sociedade constrói rótulos que marginalizam determinados indivíduos. De que forma a "violência cotidiana travestida de normalidade" mencionada no texto contribui para essa exclusão?
5. O Ser Humano como Parte da Natureza
O autor questiona: "se somos todos parte da natureza, por que insistimos em viver contra ela?". Ele critica a inovação que "respeita o indivíduo, mas esquece a natureza". Questão: Discuta a relação entre a sociedade contemporânea e o meio ambiente. Como a visão de que o ser humano é algo "separado" da natureza impacta nossas escolhas cotidianas (como o ato de fumar em locais comuns) e a sustentabilidade do planeta?
Dica do Prof: Para responder a essas questões, tente se colocar no lugar do observador no fumódromo. A Sociologia nos convida justamente a isso: sair do automático e olhar para o que parece "normal" com um ponto de interrogação!




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