"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

segunda-feira, 21 de abril de 2025

No Dia do Índio, o Teatro da Inclusão (Quando o português chegou/ Debaixo duma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido O português.— Oswald de Andrade)

 

No Dia do Índio, o Teatro da Inclusão
(Quando o português chegou/ Debaixo duma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido O português.— Oswald de Andrade)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa manhã abafada de abril — daquelas em que o calor se esconde entre os azulejos da escola — que presenciei a cena. Era o Dia do Índio, como indicava o calendário pedagógico pendurado na sala dos professores. E, como de costume, as crianças da educação infantil estavam sendo pintadas. Carvão no rosto, penas de papel na cabeça e uma cantiga antiga repetida em coro, como se a cultura indígena coubesse em meia hora de tinta guache e estereótipos reciclados.

Assisti àquela encenação com um misto de cansaço e vergonha. Vi a professora enfileirar as crianças, uma a uma, como se fossem moldes prontos, e ouvi sua voz animada declarar: “Hoje vocês vão ser índios!”. Mas ninguém ali sabia sequer ler o próprio nome. A maioria mal segurava o lápis com firmeza, tropeçava nas vogais, confundia o som do B com o do D — e, mesmo assim, saía da atividade com o rosto pintado e um cocar mal recortado como prova de uma aula "sobre diversidade".

Era isso que a escola entendia por inclusão: brincar de índio sem jamais escutar um. Pintar sem compreender. Celebrar sem ensinar. Enquanto isso, lá fora — longe daquela encenação alegre — havia meninos e meninas de verdade, filhos do Xingu, do Araguaia, do cerrado adentro, tentando aprender o português que lhes foi imposto, lutando por um espaço onde não fossem apenas folclore de abril.

Naquele dia, entre uma criança maquiada e outra, percebi o quanto temos nos enganado. A escola, que deveria ser espaço de leitura do mundo, escolheu decorar o teatro. Não alfabetiza, mas pinta. Não escuta, mas encena. Ensina a cantar sobre o índio sem dizer por que ele chora. Faz festa com cartolina, mas esquece o silêncio de quem nunca foi convidado a falar.

Somos um país que se orgulha da pluralidade, mas apenas quando ela serve ao enfeite. Preferimos exaltar símbolos a oferecer sentido. E é por isso que seguimos repetindo os mesmos refrões, enquanto as crianças crescem sem compreender o próprio lugar — nem o do outro.

Hoje, cada vez que vejo uma pena colorida colada numa tiara de EVA, penso que há algo de cruel nessa inocência. Porque não há nada mais desrespeitoso do que reduzir um povo à maquiagem de um dia. E nada mais triste do que perceber que a escola, que deveria libertar, está ensinando a decorar prisões coloridas.

A verdadeira homenagem não está nas tintas. Está no gesto de ensinar com verdade. Está na escuta. No respeito. E, sobretudo, no compromisso de alfabetizar antes de enfeitar.



Este texto oferece um olhar sociológico aguçado sobre a forma como a sociedade e as instituições (como a escola) lidam com a diversidade e a representação cultural. A crítica à superficialidade e ao estereótipo é um ponto de partida excelente para a análise sociológica.

Com base nas ideias principais do ensaio, preparei 5 questões discursivas simples para explorar esses temas sob uma perspectiva sociológica:


1. Representação Cultural e Estereótipos: O texto critica a atividade do "Dia do Índio" por reduzir a cultura indígena a "estereótipos reciclados". Sociologicamente, o que são estereótipos culturais e como eles podem simplificar excessivamente e distorcer a complexidade e diversidade de um grupo social na representação pública?

2. Inclusão Simbólica vs. Substantiva na Escola: O autor contrasta "brincar de índio sem jamais escutar um" com a luta de indígenas reais. Como a Sociologia diferencia ações de inclusão ou celebração que são meramente "simbólicas" (focadas em datas, rituais superficiais) de abordagens "substantivas" (que envolvem respeito genuíno, escuta, reconhecimento e mudanças estruturais)?

3. O Papel da Escola na Reprodução Social: O texto sugere que a escola, ao focar em "decorar o teatro" em vez de "alfabetizar" e "escutar", falha em seu papel fundamental. Como a Sociologia analisa a função da escola como instituição social: ela age principalmente para promover o pensamento crítico e a transformação, ou pode, por vezes, reforçar ou reproduzir visões simplificadas e desigualdades existentes na sociedade?

4. Símbolos Nacionais e Sentido Social: A crítica se estende ao país que "prefere exaltar símbolos a oferecer sentido". Do ponto de vista sociológico, qual é a importância dos símbolos na construção da identidade e da coesão social de uma nação, mas quais são os perigos quando esses símbolos perdem sua conexão com a realidade vivida pelos diferentes grupos sociais que eles representam?

5. Educação e a Metáfora das "Prisões Coloridas": A frase final, "ensinando a decorar prisões coloridas", é uma metáfora forte. O que essa imagem sugere, sociologicamente, sobre o impacto de uma educação que foca na aparência e no estereótipo em vez de capacitar os indivíduos com conhecimento crítico para compreenderem e, talvez, transformarem as estruturas sociais que os cercam?

domingo, 20 de abril de 2025

O Que Eu Amo, O Que Me Cansa ("Há feridas que a gente não sabe que tem senão quando a mão de alguém as toca." — Clarice Lispector)

 

O Que Eu Amo, O Que Me Cansa ("Há feridas que a gente não sabe que tem senão quando a mão de alguém as toca." — Clarice Lispector)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Outro dia, enquanto esperava o café coar, deparei-me com um comentário que não me saiu da cabeça: “Se você não está feliz com sua profissão, saia. Tem quem queira.” A frase, aparentemente simples, atravessou-me como um grito mal disfarçado. De início, respirei fundo; tentei rir, como quem não se afeta. Mas, veja bem, sou professor. E, quando se é professor, há coisas que simplesmente não dá para deixar passar.

Não sei precisamente quando deixei de ser visto como vocação e passei a ser encarado como estorvo. Talvez tenha sido quando começaram a me chamar de “tiozão” e, convenientemente, esqueceram que ali, diante de uma lousa, havia um profissional formado, estudado, que insiste em ensinar mesmo diante do caos.

Gosto, sim, e gosto muito de ser professor. Gosto de olhar uma turma no início do ano, cheia de dúvidas, receios e desconfianças, e presenciar, meses depois, o brilho no olhar de quem finalmente entendeu uma ideia, escreveu um texto decente ou respondeu a uma pergunta com coragem. Isso me enche de alegria, é o que me move. Contudo, gosto também de dizer a verdade — e, sim, a verdade cansa.

Cansa o sistema, que nos aperta com metas inatingíveis e relatórios sem fim. Cansa a sala lotada, o salário minguado e a sensação de que somos vistos mais como babás do que como educadores. Cansa a estrutura falida, o improviso diário e a constante falta de apoio. E cansa, sobretudo, o despreparo — não o nosso, mas o daqueles que esperam que sejamos psicólogos, assistentes sociais, ou até mesmo mágicos.

Cansa, também, o desrespeito. O de adolescentes que chegam sem limites, o de pais que delegam tudo e depois cobram tudo, e o de gente que nunca pisou numa sala de aula como docente e, ainda assim, acha que sabe como deveríamos trabalhar. Tudo isso, sim, cansa. E cansa muito.

Mas sair? Não. Porque, se todos que estão cansados forem embora, quem fica? Quem acolherá, orientará e ensinará os seus filhos, os seus netos? Quem segurará a barra quando o sistema insiste em nos empurrar ladeira abaixo?

Eu fico. Por teimosia, talvez, mas, com certeza, por amor. Contudo, não me peçam para sorrir quando doem as costas, o bolso e a alma. Quero apenas que compreendam: gostar da profissão não significa fechar os olhos para o que está errado. Pelo contrário; quem ama de verdade, denuncia, luta, exige mudança.

Portanto, antes de sugerir que alguém saia, pergunte-se: por que essa pessoa está infeliz? Talvez, se ouvíssemos mais e julgássemos menos, ainda daria tempo de consertar essa casa que chamamos de escola. Ainda daria tempo de valorizar quem insiste em ensinar, mesmo quando tudo ao redor parece tender a desaprender.


Com base nas ideias principais do meu texto, preparei 5 questões discursivas e simples, pensadas para explorar esses temas sob um olhar sociológico:


1. A Percepção Social da Profissão: O autor menciona a transição de professor visto como "vocação" para "estorvo". Quais fatores sociais mais amplos você acredita que podem ter contribuído para essa possível mudança na percepção da profissão docente na sociedade contemporânea?

2. Os Desafios do Sistema Educacional como Estrutura Social: O texto lista elementos do "sistema" que causam cansaço (metas, relatórios, salário, estrutura, etc.). Escolha dois desses elementos e discuta como eles representam desafios estruturais que afetam a prática pedagógica e o bem-estar do professor.

3. As Múltiplas Expectativas sobre o Papel do Professor: A queixa sobre a expectativa de que professores sejam "psicólogos, assistentes sociais, ou até mesmo mágicos" reflete uma sobrecarga de papéis. O que essa multiplicidade de expectativas revela sobre o papel da escola e as demandas sociais em relação a essa instituição hoje em dia?

4. Relações Sociais na Escola e na Família: O desrespeito vindo de alunos e pais é apontado como uma fonte de cansaço. Como as dificuldades nessas relações, descritas no texto, podem ser analisadas no contexto das transformações sociais que afetam a família e a dinâmica escolar?

5. Resistência Individual diante das Adversidades Coletivas: Apesar do cansaço, o autor afirma: "Eu fico" e fala em "denunciar, lutar, exige mudança". De que maneira essa atitude individual de permanecer e buscar a transformação se relaciona com a ideia de agência social ou resistência dentro de um sistema com problemas estruturais?

ANTIFARISEU — Ensaio Teológico VIII(6) “A Tapeçaria da Sabedoria: Tecendo a Experiência Humana”

 



Ensaio

ANTIFARISEU — Ensaio Teológico VIII(6) “A Tapeçaria da Sabedoria: Tecendo a Experiência Humana”

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sabedoria, em sua essência, é uma tapeçaria tecida com os fios da experiência humana, como observou Carl Sagan. No entanto, a visão dogmática promovida por algumas igrejas restringe essa tapeçaria à estreita moldura das escrituras bíblicas. Como nos lembra Provérbios 1:7: "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria", mas é fundamental reconhecer que não deve ser o seu fim.

A curiosidade — chave para o conhecimento, segundo Stephen Hawking — conduz-nos além das fronteiras religiosas e culturais. As contribuições de pensadores, filósofos e cientistas, que expandiram os horizontes do saber humano, não podem ser ignoradas. Como enfatizou Richard Feynman, a filosofia da ciência é uma exploração livre do mundo natural.

A arte e a literatura, por sua vez, são fontes inesgotáveis de sabedoria, oferecendo valiosos insights sobre a condição humana. Toni Morrison nos recorda que "estamos sempre trabalhando para deixar uma declaração sobre a vida espiritual humana". A sabedoria manifesta-se em todas as culturas e tradições, como uma árvore de raízes profundas fincadas na história, na origem e na identidade de um povo — como afirmou Nelson Mandela.

Reduzir a sabedoria a uma única fonte representa um desserviço à diversidade do pensamento humano e à busca universal por conhecimento e compreensão. A verdadeira sabedoria reside em abraçar a pluralidade de perspectivas, em questionar os dogmas e em manter a mente aberta às inúmeras vozes que enriquecem nossa jornada intelectual e espiritual.

ALINHAMENTO CONSTRUTIVO

1. A Sabedoria Além das Escrituras:

Como a visão de Carl Sagan sobre a sabedoria como uma tapeçaria tecida com os fios da experiência humana desafia a perspectiva dogmática de algumas igrejas?

Que outras fontes de conhecimento, além das escrituras bíblicas, podem contribuir para a construção da sabedoria?

Como podemos evitar que o "temor do Senhor" se torne um obstáculo para a busca por conhecimento e compreensão?

2. A Curiosidade como Motor do Conhecimento:

Como a curiosidade, segundo Stephen Hawking, nos impulsiona a buscar o conhecimento além das fronteiras religiosas e culturais?

Que exemplos de pensadores, filósofos e cientistas demonstram a importância da curiosidade para o desenvolvimento do conhecimento humano?

Como podemos incentivar a curiosidade e a investigação crítica nas diferentes áreas do saber?

3. A Arte e a Literatura como Fontes de Sabedoria:

De que forma a arte e a literatura, como afirma Toni Morrison, oferecem insights valiosos sobre a condição humana?

Que exemplos de obras literárias e artísticas exploram temas como a busca pela sabedoria, o sentido da vida e os desafios da existência?

Como podemos utilizar a arte e a literatura para promover a reflexão crítica e o desenvolvimento da sabedoria?

4. A Sabedoria na Diversidade Cultural:

Como a sabedoria se manifesta em diferentes culturas e tradições, conforme Nelson Mandela?

Que exemplos de diferentes culturas demonstram a riqueza e a diversidade do conhecimento humano?

Como podemos promover o diálogo intercultural e o respeito à sabedoria presente em diferentes povos e comunidades?

5. A Mente Aberta como Caminho para a Verdadeira Sabedoria:

Por que limitar a sabedoria a uma única fonte é um desserviço à humanidade?

Como podemos abraçar a pluralidade de perspectivas e manter uma mente aberta para diferentes formas de conhecimento?

Qual o papel da educação na promoção da tolerância, do respeito à diversidade e da busca incessante pela sabedoria?

Dicas para responder as questões:

Leia o texto com atenção e reflita sobre os temas abordados.

Utilize o texto como base para suas respostas, mas não se limite a ele.

Busque outras fontes de informação para enriquecer seus argumentos.

Seja criativo e original em suas respostas.

Apresente seus argumentos de forma clara e concisa.

Fundamente suas ideias com exemplos e dados concretos.

Lembre-se: A busca pela sabedoria é uma jornada lifelong que exige mente aberta, diálogo e respeito à diversidade. Através da exploração de diferentes fontes de conhecimento, do questionamento constante e da valorização da cultura e da experiência humana, podemos construir um mundo mais rico em sabedoria e compreensão.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O Quadro-negro e o Palanque ("Não me mostre o caminho já trilhado, mas abra-me a veredas." Autor: Cora Coralina)

 

O Quadro-negro e o Palanque ("Não me mostre o caminho já trilhado, mas abra-me a veredas." Autor: Cora Coralina)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Nunca esqueci o dia em que entrei em sala de aula pela primeira vez como professor. Havia uma lousa limpa, cadeiras enfileiradas e um cheiro forte de giz novo — desses que riscam com facilidade e soltam um pó fino que se entranha nos dedos. Eu havia preparado uma aula sobre cidadania, uma daquelas que a gente imagina que vai mudar o mundo. Mas bastou abrir a boca para perceber que o mundo já tinha mudado... e eu não tinha sido consultado.

Os alunos, ainda adolescentes, pareciam recitar um roteiro ensaiado, como se já soubessem as respostas antes mesmo das perguntas. Falavam de opressores, estruturas de dominação e hegemonia cultural com uma fluidez que me espantou. Pensei: quando foi que ensinaram isso a eles? E, mais importante, por que não sabiam sequer localizar os estados brasileiros no mapa que estava ao lado?

Ali, naquele instante, percebi que a escola já não formava leitores, mas soldados. A gramática virou “instrumento de dominação”, o cálculo, “expressão do capitalismo”, e até a literatura foi reduzida a um campo de batalha entre classes. O livro didático se tornara manifesto. E o professor? Um mediador de lutas, não mais um guia para o conhecimento.

Senti-me deslocado. E não era pela idade. Era pelo espanto de ver a educação transformar-se em campo ideológico. Ao invés de iluminar o caminho, apagava-se a luz para que ninguém enxergasse a porta de saída. Formava-se, ali, uma geração que aprendera a suspeitar antes de entender, a acusar antes de escutar. A escola, outrora templo de dúvidas, virou fábrica de certezas prontas — e todas com a mesma cor.

Houve um tempo em que se aprendia a pensar para escolher. Hoje, ensina-se a escolher sem pensar. Os discursos são decorados, as convicções não passam por reflexão. E quando se ousa discordar, a resposta vem em coro: “você é opressor”. Nunca vi tamanha obediência travestida de rebeldia.

Não se trata de negar a história, tampouco de ignorar desigualdades. Mas quando a educação perde o senso de universalidade, quando passa a servir a projetos políticos e não a projetos de vida, é o aluno quem mais sofre. Não porque esteja sendo oprimido, mas porque foi convencido de que pensar por conta própria é um perigo. E se é verdade que um povo ignorante é mais fácil de manipular, então o objetivo parece ter sido atingido com maestria.

Hoje, ao olhar meus próprios alunos — muitos incapazes de escrever uma carta com coerência, mas prontos para marchar por slogans — sinto que a escola falhou. E falhou não por falta de recursos ou tecnologia, mas por excesso de intenções.

Educar não é pintar o mundo com uma única cor. É dar ao aluno a paleta completa, para que ele próprio misture, teste e descubra a sua. Ensinar é um ato de confiança — confiança de que o outro pode pensar diferente de você e, mesmo assim, não ser seu inimigo.

Ao final de cada aula, apago o quadro e olho para as cadeiras vazias. Às vezes penso que a escola virou um palanque — e, entre discursos e palavras de ordem, o silêncio do pensamento crítico se perdeu. Mas eu sigo ali, esperando que um aluno qualquer levante a mão e diga: “professor, posso discordar?”. Nesse dia, talvez eu volte a acreditar que ainda há esperança. Os marcos antigos são apontados como referência para resgatar valores tradicionais na educação, família e escola.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples que exploram os pontos cruciais do meu relato sobre a experiência em sala de aula:


1. O autor descreve uma mudança na forma como os alunos se expressam em sala de aula, utilizando termos como "opressores" e "hegemonia cultural". Como essa linguagem surpreendeu o professor em seu primeiro dia, e qual a principal preocupação que essa observação levanta sobre a formação dos estudantes?

2. Segundo o autor, a escola parece ter se transformado em algo diferente de um espaço de aprendizado tradicional. Que metáfora ele utiliza para descrever essa nova função da escola, e quais as implicações dessa transformação para o papel do professor e o desenvolvimento dos alunos?

3. O autor argumenta que, em vez de aprenderem a pensar para escolher, os alunos são ensinados a "escolher sem pensar". Explique o que ele quer dizer com essa afirmação e quais as consequências desse modelo de ensino para a autonomia e o pensamento crítico dos jovens.

4. Em sua análise, o autor diferencia entre reconhecer a história e as desigualdades e o que ele considera um excesso de "intenções" na educação. Qual é a crítica principal por trás dessa distinção, e como ele acredita que essa situação afeta a experiência dos alunos?

5. Na conclusão do texto, o autor expressa uma esperança em relação ao futuro da educação. Qual é essa esperança, e que tipo de interação em sala de aula representaria um sinal positivo para ele? Como essa expectativa se relaciona com a visão de educação que ele defende ao longo do texto?

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Do Lado de Cá da Cerca ("A santidade que se ostenta é a que menos se pratica." Autor: William Shakespeare)

 

Do Lado de Cá da Cerca ("A santidade que se ostenta é a que menos se pratica." Autor: William Shakespeare)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há vizinhos muito inteligentes. Não falo da inteligência brilhante, daquelas que abalam a ciência e mudam o mundo, mas da sabedoria cotidiana que rege as pequenas ações diárias. Eles sabem onde o limite da sua propriedade termina e a minha começa, como se houvesse uma linha invisível de respeito que deve ser preservada a todo custo. Capinam suas terras com régua e compasso, respeitam o espaço e, em cada gesto, parecem mostrar que entendem o valor da boa convivência. Esses são os mestres da ordem, os defensores da moral… ou ao menos dessa parte da moral que se apura apenas na superfície.

Mas, ao lado desse zelo, surge uma contradição escancarada: o lixo. Quando se trata de manter a fachada limpa, eles são primorosos. Porém, no que diz respeito ao que sobra, ao que não interessa mais, a regra parece mudar. O lixo não respeita limites, claro, e tampouco os vizinhos. O braço se estica além da cerca e, de maneira quase invisível, o entulho, a sujeira, o que não presta, encontra abrigo no meu terreno. Não é uma grande quantidade, mas suficiente para criar aquele desconforto sutil, aquela sensação de que o respeito está indo embora, que há uma falha no contrato de convivência.

Esses mesmos vizinhos, que possuem um domínio invejável da disciplina na capina, são os mesmos que, com a bíblia nas mãos e um sorriso sereno no rosto, dirigem-se à igreja aos domingos, com o desejo explícito de conquistar os céus. Batizam-se, comungam e rezam, pedindo perdão, tentando se livrar das imperfeições da carne, buscando a salvação da alma. São figuras de fé, não há dúvida, mas, paradoxalmente, são também figuras de esquecimento — esquecem-se do essencial, daquilo que, de fato, deveria ser purificado antes da alma: a própria ação.

Porque, veja bem, eu não me importaria se o lixo fosse de qualquer outro lugar, se caísse no terreno de alguém que não se importa, que talvez até o recebesse com um sorriso, como quem recebe um presente inesperado. Mas não. O lixo, sempre que se solta do braço do vizinho, encontra seu caminho certo: vai direto ao meu lado da cerca. E, no final, é isso o que mais me incomoda — o símbolo de um desleixo disfarçado de perfeição, de um gesto impuro travestido de santidade.

Eles querem ir para o céu, claro. E, se forem, não vou impedir. Mas, antes disso, eu gostaria que eles soubessem que o céu, às vezes, começa aqui, na terra. Começa no respeito ao espaço do outro, na atenção aos detalhes que parecem insignificantes, mas que no fundo definem nossa convivência. Porque, quando se joga lixo no terreno alheio, por mais invisível que seja o gesto, ele reverbera em quem o recebe. E é na vida cotidiana, nesses pequenos gestos, que medimos o verdadeiro caráter de alguém.

Então, querido vizinho, antes de pensar no céu, talvez seja bom olhar para baixo. Não é necessário muito esforço para manter a terra limpa e o espaço ao redor em ordem. Ao contrário, o trabalho para limpar a alma começa aqui — no chão, no limite da cerca, onde, por um simples gesto, podemos escolher jogar lixo ou respeitar.

E, caso decida seguir para o céu, leve o lixo com você. Quem sabe lá em cima, onde tudo é puro, você possa também aprender a purificar os pequenos gestos que tanto falham por aqui.


Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples que exploram as principais ideias do meu texto:


1. O autor descreve dois tipos de "inteligência" nos vizinhos. Explique a distinção que ele faz entre a "inteligência brilhante" e a "sabedoria cotidiana", utilizando exemplos do texto para ilustrar sua resposta.

2. Apesar da aparente ordem e respeito demonstrados pelos vizinhos em relação aos limites de suas propriedades, o autor aponta para uma "contradição escancarada". Qual é essa contradição e o que ela revela sobre o comportamento social dos vizinhos, segundo o texto?

3. O texto estabelece uma relação entre as práticas religiosas dos vizinhos e suas ações cotidianas, como o ato de jogar lixo no terreno alheio. De que maneira o autor analisa essa relação, e qual crítica social ele parece estar implícita nessa análise?

4. Na perspectiva do autor, qual a importância dos "pequenos gestos" na avaliação do "verdadeiro caráter" de uma pessoa? Utilize o exemplo do lixo jogado na propriedade para fundamentar sua resposta.

5. O autor afirma que "o céu, às vezes, começa aqui, na terra". Explique o significado dessa afirmação dentro do contexto do texto, relacionando-a com a mensagem que o autor busca transmitir sobre a convivência e o respeito entre vizinhos.

Espero que estas questões estimulem a reflexão e a compreensão das complexas dinâmicas sociais presentes no seu texto!

quarta-feira, 16 de abril de 2025

A Aula Que me Cortou por Dentro ("No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho" — Carlos Drummond de Andrade)

 

A Aula Que me Cortou por Dentro ("No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho" — Carlos Drummond de Andrade)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A notícia me alcançou na sala dos professores, entre pilhas de provas por corrigir. Veio pelo rádio, na voz de um locutor que, com sua frieza jornalística, destoava do calafrio que me subiu pela espinha: um colega de profissão, em São Miguel do Araguaia, havia sido atacado pelas costas. Com um canivete. Por uma aluna. As palavras flutuaram no ar antes de afundarem como pedras no estômago. Aquele nome de cidade, até então apenas um ponto distante no mapa de Goiás, tornou-se, de súbito, o epicentro de um terremoto íntimo — um drama que senti ecoar em qualquer sala de aula. Inclusive na minha.

Ao longo do dia, os detalhes emergentes tornavam a história ainda mais sombria e perturbadora: a idade da agressora, quinze anos; a menção a um desentendimento anterior, soando como um eco fraco e insuficiente para justificar tamanha violência; o cálculo frio para burlar a segurança, escondendo a arma no muro e recuperando-a após passar pelo detector de metais.

Fechei os olhos e a cena se desenhou, indesejada. Não visualizei uma sala específica, mas a ideia universal de uma: o cheiro do marcador, o murmúrio contido dos alunos, o professor de costas, absorto em seu ofício diante do quadro branco. Um gesto tão cotidiano — símbolo da partilha do saber, da confiança implícita que depositamos a cada aula — transformado, num instante, em vulnerabilidade absoluta. Ali, naquele segundo suspenso no tempo, não o som de uma resposta nem o burburinho do intervalo, mas o brilho rápido e frio da lâmina. Imagino o susto, a dor aguda, a incredulidade nos olhos dos presentes, o caos rompendo a frágil paz de um ambiente que deveria ser sagrado.

Pensei no colega desconhecido. No homem que dedica seus dias a iluminar mentes e vê sua segurança estilhaçada pelas mãos de quem deveria orientar. A ferida física, felizmente, não foi grave; ele seria liberado e voltaria ao trabalho na semana seguinte. Uma semana para processar, talvez para tentar remendar a confiança rompida. Mas, e a outra ferida? Aquela que não sangra? A cicatriz invisível do medo que, talvez, o acompanhe toda vez que virar de costas para escrever no quadro? Perguntei-me se eu teria essa mesma coragem.

Na minha escola, o assunto dominou as conversas. Discutimos segurança, dividimos angústias, confessamos medos guardados. Um colega de matemática, pela primeira vez em vinte anos, admitiu sentir receio ao entrar em certas turmas. Essa revelação doeu. Há algo de profundamente simbólico — e cruel — em ser atacado no exato momento em que se ensina. No gesto de confiança que agora parece tingido de ingenuidade. A violência que invade o espaço da educação não fere apenas um professor; atinge a própria ideia de escola como refúgio, revelando-a porosa, vulnerável às mesmas sombras que rondam o mundo lá fora.

Dias depois, ao retornar à minha sala, peguei-me olhando por sobre o ombro enquanto escrevia no quadro. Um reflexo involuntário. Um pequeno trauma adquirido por procuração. Percebi, então, que embora não estivesse no Colégio Dom Bosco naquela terça-feira, algo em mim também fora atingido. Aquele episódio não era um caso isolado. Soava, antes, como um sintoma doloroso de algo maior — uma rachadura na nossa capacidade de diálogo, de cuidar da saúde mental de jovens e educadores.

Enquanto psicólogos e assistentes sociais tentam costurar o tecido esgarçado daquela comunidade escolar, permaneço aqui, remoendo o ocorrido. O quadro branco daquela sala, em São Miguel, talvez já tenha sido limpo. Mas a mancha deixada por aquele gesto — essa não se apaga com um simples apagador. Ela nos interpela. Obriga-nos a olhar além da superfície e perguntar: onde foi que nós, como sociedade, começamos a errar o traço?

Torço para que meu colega desconhecido, ao pegar novamente o pincel de escrever, ainda consiga acreditar que “cada linha vermelha traçada é mais poderosa que qualquer lâmina”. E que todos nós, professores, mesmo marcados por cicatrizes — visíveis ou não — possamos continuar escrevendo histórias de esperança. Porque, apesar da dor, ainda é no quadro que tentamos desenhar um futuro menos violento, mais humano e, quem sabe, um pouco mais justo.


https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2025/04/16/estudante-da-golpe-de-canivete-em-professor-durante-aula.ghtml (Acessado em 16/04/2025)


Com base nas ideias e reflexões apresentadas nesta crônica, aqui estão 5 questões discursivas e simples com enfoque sociológico:


1. Espaço Social e Significado: A crônica descreve a escola como um lugar que deveria ser um "refúgio" e ter uma paz "sagrada". Do ponto de vista sociológico, como a invasão da violência nesse espaço (a sala de aula) afeta o significado social atribuído à escola pela comunidade e, em particular, pelos professores, conforme descrito no texto?

2. Vulnerabilidade e Identidade Profissional: O narrador relata o medo compartilhado entre os colegas e o seu próprio "trauma adquirido por procuração". Explique como um evento de violência direcionado a um membro de um grupo profissional (professores) pode impactar a percepção coletiva de vulnerabilidade e a própria identidade desse grupo na sociedade.

3. Ato Individual como Sintoma Social: O texto sugere que o ataque não é apenas um ato isolado, mas um "sintoma doloroso de algo maior", mencionando "rachadura na nossa capacidade de diálogo, de cuidar da saúde mental". Como a sociologia pode analisar a relação entre um ato individual de violência (como o da estudante) e problemas estruturais ou falhas em processos sociais mais amplos?

4. Simbolismo e Relações Sociais: A crônica enfatiza o simbolismo do professor ser atacado "enquanto escrevia no quadro", um gesto de "confiança implícita". Analise sociologicamente o que esse ato específico (o ataque durante o gesto de ensinar de costas) revela sobre as expectativas, a confiança e a quebra das relações sociais esperadas dentro do ambiente escolar.

5. Coesão Social e Resposta à Crise: Diante do medo e da angústia ("conversas na sala dos professores", "medos guardados"), como a crônica ilustra as formas pelas quais um grupo social busca lidar com uma crise que abala sua segurança e coesão, e como tentam reafirmar seu propósito ("continuar escrevendo histórias de esperança")?