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MINHAS PÉROLAS

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A Fome de Escola que Roubou a Merenda ("A indiferença é o peso morto da história." - Georges Bernanos)

 

  • A Fome de Escola que Roubou a Merenda ("A indiferença é o peso morto da história." - Georges Bernanos)

    Por Claudeci Ferreira de Andrade

    A notícia chegou cedo, antes mesmo do café esfriar na xícara. Sob a luz pálida da lua minguante, a Escola Municipal Moacir Faria, em Piraju, tornava-se palco de um ato insólito — um crime que revelaria muito mais do que a simples presença de um cadeado rompido.

    Na calada da noite, um homem transformou-se em um vulto faminto, esgueirando-se pelas sombras do pátio escolar. Seus olhos não buscavam computadores, equipamentos ou dinheiro; miravam a cozinha, onde quase vinte quilos de carne da merenda repousavam, alheios ao destino que os aguardava.

    Com a destreza de um felino acuado, ele arrombou a porta, libertando no ar o aroma da própria necessidade. O eco de risadas infantis, ainda impregnado no ambiente vazio, contrastava com o silêncio daquele gesto desesperado. Encheu os braços com os pacotes e desapareceu na escuridão, levando não apenas alimento, mas também o peso de uma dignidade já perdida em alguma outra escola qualquer.

    Na manhã seguinte, a notícia se espalhava como fogo em palha seca. A diretora, com a serenidade de quem já viu de tudo, tratava de resolver a situação. Os 160 alunos, entre quatro e seis anos, permaneceram alheios ao ocorrido, graças à rápida reposição dos alimentos. A rotina escolar seguiu seu curso, como se a madrugada anterior não tivesse sido marcada por aquele crime silencioso.

    Mas a escola, ferida em sua alma, sofria para além da perda material. O que leva alguém a arrombar uma escola em busca de carne? Até onde vai a linha tênue que separa a necessidade do crime? Enquanto giramos como ponteiros de um relógio quebrado, tentando encontrar respostas, restam apenas o vazio na despensa e o desconforto de um país que insiste em desviar o olhar do Sistema Educacional.

    Que este episódio sirva de alerta, iluminando o caminho para uma necessária transformação social. A carne roubada não é apenas um item em um boletim de ocorrência — é o símbolo da nossa omissão diante da precariedade da nossas Escolas, um grito de fome ecoando nos corredores vazios de nossas consciências.

    Em algum canto esquecido da cidade, um homem carrega sua fome e sua culpa, enquanto nós, testemunhas dessa realidade cruel, nos perguntamos: até quando a miséria humana continuará escrevendo histórias como esta, onde a fome rouba não apenas a comida, mas também a dignidade de todos nós?


    https://g1.globo.com/sp/itapetininga-regiao/noticia/2025/02/06/homem-invade-escola-municipal-e-furta-pedacos-de-carne-da-merenda-em-piraju.ghtml (Acessado em 6/01/2025)


    1. Qual a principal contradição apresentada no texto entre a aparente normalidade da rotina escolar e a gravidade do furto ocorrido na escola?

    2. De que forma o texto associa o furto da carne na escola à perda da dignidade, tanto para o homem que furta quanto para a sociedade como um todo?

    3. Além da questão da fome, que outros problemas sociais são apontados no texto como contribuintes para o tipo de crime ocorrido na escola?

    4. Qual o significado da expressão "ponteiros de um relógio quebrado" no contexto do texto e que relação ela tem com a busca por soluções para o problema da fome?

    5. Que tipo de impacto o autor busca provocar no leitor ao comparar a carne roubada a um "grito de fome" e ao destacar a omissão da sociedade diante da precariedade das escolas?

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