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MINHAS PÉROLAS

sábado, 22 de março de 2025

Quem Tem Piolho Que Se Coce ("Palavras são pontes de papel." - Carlos Drummond de Andrade)

 

Quem Tem Piolho Que Se Coce ("Palavras são pontes de papel." - Carlos Drummond de Andrade)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Quarenta anos de magistério e Maria das Graças Oliveira nunca imaginou que uma sexta-feira qualquer a levaria a sentar do outro lado da mesa em uma delegacia. Ela, com seus 59 anos, professora de português do colégio estadual em Campina Grande do Sul, com mais diplomas na parede do que paciência nos dias ruins, indiciada por injúria racial. A vida tem dessas ironias — passa-se décadas tentando ensinar os jovens a serem melhores pessoas, e em um instante de irritação, é-se alvo da própria lição.

Começou como qualquer segunda-feira, 17 de março de 2025. O ar condicionado quebrado, trinta e cinco adolescentes inquietos e Maria, com a garganta já rouca na primeira aula. Quando avistou aquele pontinho preto pulando entre os cabelos de Bruno, seu aluno do segundo ano do ensino médio, foi como se um interruptor tivesse sido acionado dentro dela. Um piolho. Um simples e minúsculo piolho.

— "Bruno, você está com piolho", - anunciou, com a naturalidade de quem comenta sobre o clima. A sala inteira congelou por um segundo, para em seguida explodir em risadas. O rosto de Bruno, um garoto negro de dezesseis anos que sempre se sentava no fundo da sala, ardeu em vermelho sob sua pele escura.

—"Não tenho não, professora", - ele murmurou, passando as mãos pelo cabelo crespo, cortado bem rente à cabeça.

Ela deveria ter parado ali. Deveria ter mudado de assunto, pedido silêncio, continuado a aula sobre orações subordinadas. Mas há algo no cansaço acumulado de quatro décadas que às vezes faz esquecer o óbvio — que as palavras têm peso, especialmente quando vêm de cima de um tablado, diante de uma plateia juvenil ávida por drama.

— "Se tem piolho, come ele então, Bruno. É o que fazem os..." — e parou. Maria jurava que havia parado antes de completar a frase. Mas o estrago já estava feito. O silêncio que se seguiu pesava toneladas. Uma aluna da primeira fileira, Janaína, ergueu o celular sorrateiramente. A professora sabia que estava sendo gravada, mas algo nela já havia desistido de lutar contra a maré.

A ordem, disparada em tom autoritário e carregada de desprezo, foi de uma crueldade impensável. A referência ao piolho, um ser desprezível para muitos, remeteu a um estigma de inferioridade que associa a humanidade à animalidade. O gesto foi além do insulto; foi uma marca na alma de quem presenciou a cena, e de quem, com o tempo, ouviria falar sobre o ocorrido.

Maria experimentou aquela sensação de estar assistindo a si mesma de fora do corpo. Viu-se de longe, uma senhora de cabelos grisalhos presos em um coque desalinhado, óculos de armação vermelha escorregando pelo nariz, olhando para um adolescente humilhado enquanto a sala inteira prendia a respiração.

Bruno levantou-se em silêncio, juntou seu material e saiu. Não bateu a porta. Talvez isso tenha sido o pior — o modo digno como ele se retirou, sem dar à professora o luxo de poder dizer depois que ele foi desrespeitoso.

A diretora chamou Maria no final do dia. As câmeras de segurança da escola haviam registrado o momento exato em que Bruno, no corredor, desabou em lágrimas contra a parede de azulejos desbotados. A ata escolar já estava sendo preparada. A mãe dele havia sido chamada.

— "Maria, por que logo você?", - perguntou Eliane, a diretora, com quem ela compartilhava cafés há mais de vinte anos.

Como explicar? Como dizer que não foi racismo, mas cansaço? Que não associou o piolho à cor da pele dele, mas à condição humana universal de às vezes ver-se infestado por parasitas — literais ou metafóricos? Como argumentar que sua frase inacabada poderia ter mil finais diferentes daquele que todos presumiram?

Mas a verdade é que nem ela mesma sabia qual seria o final daquela frase se não tivesse se contido a tempo.

A notícia se espalhou mais rápido que piolho em creche. Na sexta-feira, o inquérito policial já estava aberto e o nome de Maria circulava nos grupos de WhatsApp da cidade inteira. Campina Grande do Sul pode ser pequena demais para os sonhos de muitos adolescentes, mas é grande o suficiente para que uma fofoca se transforme em escândalo público em questão de horas.

O caso não passou despercebido. Testemunhas relataram a humilhação do aluno, e as imagens das câmeras de segurança mostraram o que, em outras circunstâncias, poderia ter sido apenas um desentendimento verbal. A investigação foi conduzida com a seriedade que o caso exigia. A escola, palco da tragédia, foi envolvida em um processo de apuração que visava compreender a extensão da agressão.

Sentada na delegacia, olhando para o delegado que poderia ser seu ex-aluno, trinta anos mais novo que ela, Maria entendeu finalmente o que tantas vezes tentou ensinar nas suas aulas de análise textual: palavras têm contexto, têm história, têm DNA. Certas expressões carregam séculos de opressão em suas sílabas.

Agora, com o indiciamento por injúria racial pesando sobre seus ombros, esperava pelo parecer do Ministério Público, enquanto as horas se arrastavam como lesmas de borracha. Já não dava aulas — estava afastada "para preservar o ambiente escolar", como dizia o documento oficial da Secretaria de Educação.

Bruno voltou às aulas, soube por colegas. Parecia que os outros professores estavam extra-atenciosos com ele. Maria esperava sinceramente que esta história não o marcasse para sempre, que ele conseguisse ver que o erro terrível dela não definia quem ele era ou seria.

O que aconteceu naquela sala de aula é um reflexo de um problema muito maior que perpassa as paredes das escolas e entra pelas frestas da educação brasileira. Não é apenas um episódio de crueldade isolada ou de um erro pontual. Revela um estado de coisas que, talvez, ainda não estejamos prontos para compreender em sua totalidade.

Como fica o aluno? O que ele aprende em uma escola que, ao invés de formar cidadãos, destrói sua autoestima? O que fica de uma experiência escolar marcada pela dor e pelo medo? Não se pode esperar que alguém se torne um sujeito pleno e consciente se, dentro da própria escola, as bases de seu desenvolvimento são minadas.

A escola, que deveria ser o refúgio do aprendizado, não pode ser um campo de batalha. Não pode se tornar um lugar onde o poder de um professor sobre o aluno é exercido através da humilhação e da opressão. A sala de aula, mais do que um espaço físico, deve ser um lugar de empatia, onde a educação vai além da transmissão de conteúdos, e envolve, acima de tudo, o respeito e a valorização do ser humano.

Quanto a Maria, descobria tardiamente que ensinar também é aprender, muitas vezes da maneira mais dolorosa. No seu caso, aprendeu que não importa quantos livros lemos ou quantos diplomas penduramos na parede — se não houvermos interiorizado verdadeiramente o respeito pela dignidade de cada ser humano, todo nosso conhecimento não passa de casca vazia.

Essa história não é uma exceção. Ao contrário, é um reflexo de uma realidade que, por vezes, se esconde sob o manto de uma autoridade mal compreendida. Somos todos responsáveis pela construção de um ambiente educacional mais saudável e inclusivo, onde todos, professores e alunos, possam se respeitar como seres humanos, acima de qualquer hierarquia ou hierarquização.

E assim, a escola, que deveria ser o lugar da transformação, precisa urgentemente se transformar. Para que o exemplo de hoje não se repita, para que o poder do educador nunca mais seja usado contra a dignidade de um ser humano. Porque, no fim, o que nos une enquanto educadores e alunos não é o medo ou a submissão, mas a crença de que, na escola, todos devem ter a chance de crescer e aprender com respeito e humanidade.

E se o poder de um piolho pode ser tão grande assim, o poder da educação deveria ser infinitamente maior.

Como aqueles piolhos que, ironicamente, Bruno nem mesmo tinha.


https://bandnewsfmcuritiba.com/professora-e-indiciada-apos-mandar-aluno-comer-piolho-durante-aula/ (Acessado em 22/03/2025)


Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado:


1. A atitude da professora Maria das Graças é descrita como "injúria racial". Explique, com base no texto, por que a ordem dada ao aluno Bruno pode ser classificada dessa forma, considerando os elementos de poder e preconceito presentes na situação.

2. O texto levanta a questão do cansaço e da frustração da professora como possíveis fatores para sua atitude. De que maneira a sociologia pode analisar a relação entre as condições de trabalho dos professores e a ocorrência de incidentes como o relatado?

3. A reação da escola e a abertura de um inquérito policial demonstram uma resposta institucional ao ocorrido. Qual a importância dessas medidas para a manutenção de um ambiente escolar respeitoso e para a promoção da justiça social?

4. O texto afirma que o caso de Maria das Graças reflete um problema maior na educação brasileira. Quais elementos da narrativa sugerem que esse incidente não é um caso isolado e aponta para questões mais amplas no sistema educacional?

5. A reflexão final do texto aborda a necessidade de a escola ser um lugar de empatia e respeito. Como a sociologia compreende o papel da escola na formação de cidadãos e na construção de valores como o respeito à diversidade e à dignidade humana?

sexta-feira, 21 de março de 2025

O homeschooling no Brasil ("A educação é um ato de esperança." - Rubem Alves)

 

O homeschooling no Brasil ("A educação é um ato de esperança." - Rubem Alves)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Na abafada tarde de Salvador, Dona Célia Regina, aos 65 anos, se viu em uma situação que jamais imaginaria. O bairro Resgate, conhecido por suas inúmeras histórias de luta e sobrevivência, foi palco de um episódio que ultrapassou os limites das paredes da escola. Ela, uma professora que dedicou quarenta anos de sua vida ao ensino, enfrentou de forma brutal algo que nunca deveria fazer parte de sua rotina: a violência.

Célia escolheu a profissão de professora por acreditar na transformação que a educação pode proporcionar. Como dizia Paulo Freire, "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". Apesar dos desafios que enfrentou ao longo de sua carreira, essa convicção sempre a manteve firme.

Tudo começou de forma simples, quase rotineira para quem vive no universo educacional. Era uma segunda-feira comum. O sol de Salvador iluminava a sala onde ela dava aulas de reforço. João (nome fictício) parecia mais disperso do que o habitual. Seus cadernos estavam em branco, e a lição passada na semana anterior permanecia intocada.

— "João, precisamos conversar sobre o exercício que você não copiou", - disse ela, com a mesma voz serena que usava há décadas em sala de aula.

O que veio a seguir era algo que ela jamais imaginou vivenciar em sua trajetória como educadora. O olhar do menino se transformou. — "O que é que você quer? Você não tem nada a ver com isso!", - disparou ele, antes de sua mão atingir o rosto dela com um tapa.

O tempo congelou naquele instante. O som da agressão ecoou pela sala vazia. O rosto de Célia ardia menos do que sua dignidade. Com mãos trêmulas, ela pegou o telefone e ligou para a mãe do aluno, cumprindo o protocolo que sempre seguiu: envolver a família quando necessário.

A mãe chegou sem demora. Não houve perguntas, nem repreensões, apenas um olhar frio na direção da professora, enquanto ordenava ao filho que descesse. Da janela, Célia os viu partir, sentindo um nó na garganta que não conseguia engolir.

O que ela não sabia é que aquele gesto seria apenas o início de um tormento que a transformaria em vítima de um sistema falido e de uma violência sem limites. O pior ainda estava por vir.

No dia seguinte, a campainha tocou. Através do interfone, Célia escutou uma voz masculina que não reconhecia.

— "Preciso falar com a senhora", - disse a voz.

— "Quem é?", - perguntou Célia, já sentindo o coração acelerar.

—"Sou pai do João", - mentiu ele, como ela descobriria depois. Era o padrasto.

Sem saber o que estava prestes a enfrentar, ela ingenuamente permitiu que ele subisse. Quando abriu a porta, o homem não estava sozinho. A mãe e outra mulher, que ela logo descobriu ser a tia do menino, o acompanhavam. A mãe segurava o que Célia identificou como uma pistola de choque elétrico.

Não houve tempo para reação. O homem agarrou-a pelos cabelos com força, lançando-a ao chão como se fosse um objeto sem valor. Começou então o que só poderia ser descrito como uma sessão de espancamento. Golpes vinham de todos os lados — ele puxava de um lado, elas de outro.

A dor era insuportável. Célia sentiu seus cabelos sendo arrancados, punhos atingindo suas costas e seus braços. Em determinado momento, humilhada e incapaz de resistir à dor, perdeu o controle de sua bexiga. Urinou-se, enquanto implorava para que parassem.

— "Isso é para você aprender a não se meter com o menino", - gritavam, entre ofensas que ela jamais poderia repetir.

O padrasto do aluno, impune, dizia com frieza que sairia facilmente de qualquer audiência de custódia, como se a vida de Dona Célia fosse apenas mais uma estatística de violência banal. Ele ainda proferiu ameaças que gelavam a alma: prometeu matá-la e estuprá-la, gabando-se de que nada aconteceria com ele, não importando o quanto ela lutasse por justiça.

Quando finalmente partiram, Célia ficou ali, no chão de sua própria casa, com o corpo coberto de hematomas, os cabelos parcialmente arrancados, os braços dormentes e as costas em chamas de dor. Sua dignidade, destroçada junto com seu corpo.

Dias depois, ela ainda não conseguia se deitar. Permanecia sentada, com as manchas roxas espalhadas pelo corpo, como testemunhas silenciosas da violência que sofrera. O braço dormente, um lembrete constante do preço que pagara por simplesmente fazer seu trabalho: ensinar, orientar, educar.

Ela não sabia mais se os hematomas que cobriam seu corpo eram a dor das pancadas ou o peso de uma sociedade que falha em proteger aqueles que, como ela, dedicam a vida ao bem-estar do outro. E, no entanto, o mais aterrador não foi a violência física. Foi a ameaça de morte que ecoou em seus ouvidos, como uma sentença de que sua luta, sua carreira, seus anos de dedicação não significavam nada diante do descaso e da impunidade.

Enquanto Dona Célia se recupera fisicamente debilitada, mas emocionalmente devastada, a realidade da educação no Brasil se revela em sua forma mais crua. Estamos vivendo um momento em que os professores, esses pilares de nossa sociedade, são constantemente ameaçados, não apenas pela indisciplina dos alunos, mas pela indiferença de um sistema e de uma sociedade que parece não se importar.

Célia não era um caso isolado. Ao conversar com colegas, ela descobriu histórias semelhantes. Professores que recebiam ameaças, tinham seus carros fotografados e eram intimidados quando tentavam impor os limites necessários ao processo educativo. Viviam com medo.

Quando escolheu a educação como profissão, Célia sabia que enfrentaria desafios. Sabia que os salários seriam baixos, que as condições seriam precárias. Mas jamais imaginara que o respeito — esse mínimo de civilidade — seria algo pelo qual teria que lutar todos os dias.

Hoje, ao olhar para Dona Célia, vemos não só uma professora ferida, mas uma mulher que se torna símbolo de todas as dificuldades enfrentadas por aqueles que dedicam suas vidas à educação. Ela, como tantos outros, representa o fracasso de um sistema que deveria proteger, apoiar e valorizar a educação, mas que, na realidade, tem contribuído para a desvalorização de seus profissionais.

O que aconteceu com ela expõe uma ferida profunda na sociedade. A escola não pode ser apenas um lugar de transmissão de conteúdos. Ela precisa ser um espaço de construção de valores, de civilidade, de respeito. Mas como pode a escola cumprir esse papel quando a violência atravessa seus muros, quando o professor é agredido por fazer seu trabalho?

Se o professor, aquele que se dedica à formação de cidadãos, é alvo de agressões, o que nos resta como sociedade? Como podemos esperar um futuro melhor para nossos filhos e para as futuras gerações, se quem educa é tratado com violência e desprezo?

E assim, a pergunta fica no ar: até quando vamos continuar assistindo, impotentes, a esse ciclo de violência, desrespeito e impunidade? A história de Dona Célia não é um caso isolado. Ela é a história de milhares de educadores que se levantam todos os dias para ensinar, para lutar pela educação, mas que, muitas vezes, se veem diante de uma realidade que, em vez de respeito, oferece agressões físicas e psicológicas.

Aos 65 anos, Célia carrega no corpo as marcas da violência, mas no espírito ainda arde a chama da educadora que acredita na transformação. Por isso compartilha sua história. Não para gerar indignação passageira, mas para provocar uma reflexão profunda sobre o que a sociedade está se tornando.

Talvez, ao final, o maior desafio seja este: o que fazer com a dor de ver um país que não cuida de quem cuida de seu futuro? O que fazer quando a educação, que deveria ser a chave para a transformação, se vê presa em um ciclo de violência e desesperança?

Que sua dor não seja em vão. Que sua voz, mesmo trêmula, ecoe além dessa narrativa, despertando consciências. Se nós, como sociedade, não começarmos a agir, temo que o destino de Dona Célia seja o de muitas outras pessoas que, como ela, já não sabem mais se é possível lutar ou se o medo, agora, tomou conta de todos nós.

Porque, apesar de tudo, ela ainda acredita que ensinar é um ato de amor e resistência. E amor e resistência são o que a mantêm de pé, mesmo quando sentar é a única posição que seu corpo machucado suporta.


https://noticias.r7.com/bahia/cidade-alerta-ba/professora-de-65-anos-e-espancada-por-familiares-de-aluno-em-salvador-ba-21032025/ (Acessado em 21/03/2025).


Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseadas nas ideias principais do meu texto, para estimular a reflexão e o debate:


1. A experiência de Dona Célia revela uma triste realidade para muitos educadores no Brasil. De acordo com o texto, quais são os principais desafios enfrentados pelos professores, além da violência física?

2. O texto menciona a filosofia de Paulo Freire sobre a educação. Como a agressão sofrida por Dona Célia se contrapõe à visão de "criar as possibilidades" para a construção do conhecimento no ambiente escolar?

3. A narrativa descreve a violência sofrida por Dona Célia como um sintoma de um "sistema falido". Quais elementos do texto sustentam essa afirmação?

4. A reação da mãe do aluno e a impunidade do padrasto são pontos cruciais na história. Como esses elementos podem ser analisados sob uma perspectiva sociológica em relação à violência e à justiça?

5. Ao final do texto, há uma reflexão sobre o papel da escola na construção de valores e civilidade. De que maneira a violência sofrida por Dona Célia impacta a capacidade da escola de cumprir esse papel na sociedade brasileira?

Estas questões visam incentivar os alunos a analisar o caso específico de Dona Célia à luz de conceitos sociológicos mais amplos, como violência, papel da educação, falhas do sistema social e a importância do respeito e da justiça.

quarta-feira, 19 de março de 2025

O Olhar da Secretaria: Quando os Pais Dão as Ordens ("Onde termina o direito de um, começa o do outro." - Provérbio popular)

 

O Olhar da Secretaria: Quando os Pais Dão as Ordens ("Onde termina o direito de um, começa o do outro." - Provérbio popular)

Por Claudeci Ferreira de Andrade


O sol nasceu como sempre, pontual e indiferente às inquietações do dia. No pátio da escola, as folhas secas dançavam ao sabor do vento, enquanto professores chegavam com seus planos de aula e olhares esperançosos. A rotina, no entanto, há muito deixara de ser previsível.


Mal havia tomado meu café quando fui surpreendido por uma mãe que adentrou a secretaria sem a menor cerimônia. Sem sequer um "bom dia", disparou: "Meu filho tem autismo. Vocês o colocaram no turno da manhã, mas ele tem o direito de escolher o horário. Ele não acorda cedo. Quero que ele estude à tarde."


Respirei fundo. Não havia turma disponível para ele naquele período. Expliquei com paciência a situação, mas a resposta veio imediata e peremptória: "Criem uma turma então. É direito dele." A diretora, ao meu lado, trocou um olhar de cansaço comigo. A escola, já sobrecarregada por inúmeras demandas e limitações, não tinha como criar uma sala do nada. Contudo, argumentar naquele momento parecia inútil.


E as exigências não paravam por aí. Outra mãe, imbuída de uma convicção inabalável sobre seus direitos, anunciou que assistiria às aulas do filho. Seu objetivo era avaliar de perto o trabalho da profissional de apoio e da professora, exigindo ainda um relatório diário detalhado sobre o progresso do menino. Para garantir que tudo estivesse de acordo com suas expectativas, determinou que fotos da criança fossem tiradas e enviadas diretamente para ela. "No início do ano, eu mesma vou estar presente na sala", afirmou, sem deixar qualquer margem para contestação. "Quero ter certeza de que ele está bem."


Se os desafios da educação inclusiva em um sistema já fragilizado não fossem suficientes, os corredores da escola pareciam se transformar em palcos de uma constante vigilância materna. Relatos de outros professores confirmavam essa nova tendência: mães que não se despediam na porta da escola, mas permaneciam na recepção, observando cada movimento, cochichando entre si e, por vezes, criticando abertamente a postura dos docentes. "Eu não gostei da professora!", ouvi uma delas proferir em tom de reprovação.


Ali estavam elas, oscilando entre o zelo excessivo e o autoritarismo, entre a proteção e uma intromissão que beirava o desrespeito. A escola, um espaço que deveria primordialmente fomentar o aprendizado e a autonomia dos alunos, parecia refém de uma nova geração de pais que, talvez por excesso de cuidado ou insegurança, não conseguiam soltar as rédeas.


Ao final daquele dia exaustivo, enquanto organizava minhas anotações, uma reflexão me assaltou a mente: onde precisamente termina o legítimo direito dos pais e onde começa o exagero prejudicial ao processo educativo? O desejo compreensível de garantir o melhor para um filho não deveria, em hipótese alguma, comprometer o funcionamento de uma instituição inteira. Na tênue fronteira entre direitos e deveres, uma certeza se consolidava: lecionar, nos dias de hoje, tornava-se cada vez menos sobre a transmissão de conhecimento e cada vez mais sobre a gestão de demandas parentais que pareciam não ter fim.


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:


1. A crônica descreve uma situação em que pais expressam demandas específicas e, por vezes, inflexíveis em relação à educação de seus filhos. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar essa crescente assertividade dos pais no ambiente escolar e quais fatores sociais podem estar contribuindo para essa mudança de comportamento?

2. O texto aborda a tensão entre os direitos individuais dos alunos (defendidos pelos pais) e as necessidades e possibilidades da instituição escolar como um todo. Do ponto de vista da sociologia das organizações, como podemos entender os desafios enfrentados pela escola ao tentar equilibrar as demandas particulares com o funcionamento coletivo e a equidade para todos os alunos?

3. A crônica menciona a "vigilância materna" e a crítica aberta ao trabalho dos professores. Sob uma perspectiva sociológica, como a relação de confiança entre pais e educadores está sendo afetada por essas dinâmicas? Quais as possíveis consequências dessa erosão da confiança para o processo de ensino-aprendizagem e para a própria imagem da profissão docente?

4. O autor reflete sobre o limite entre o legítimo direito dos pais de se envolverem na educação dos filhos e o exagero que pode prejudicar a autonomia da escola e o trabalho dos profissionais. Do ponto de vista da sociologia da família e da educação, como podemos definir e compreender essa fronteira? Quais princípios sociológicos podem nos ajudar a discernir entre um envolvimento parental saudável e uma interferência excessiva?

5. A conclusão da crônica aponta para a ideia de que lecionar hoje em dia envolve cada vez mais a gestão de demandas parentais. Sob uma perspectiva sociológica do trabalho e das profissões, como essa mudança no foco da atuação docente impacta a identidade profissional dos professores, sua motivação e a qualidade da educação oferecida?

terça-feira, 18 de março de 2025

A Agulha que os Uniu ( "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso.")

 

A Agulha que os Uniu ( "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso.")

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Há momentos em que a rotina escolar é interrompida por eventos que mudam tudo. Naquela sexta-feira, a atmosfera parecia ser a de sempre: o sol de março aquecendo as salas de aula em Laranja da Terra, o cheiro de giz no ar, o burburinho dos adolescentes nos corredores da escola estadual. Ninguém poderia imaginar que uma simples aula de ciências experimentais transformaria não apenas aquele dia, mas semanas inteiras de vida para todos na comunidade.

Foi no intervalo que a notícia começou a se espalhar. Grupos de alunos se aglomeravam, cochichando com expressões alarmadas. "Você fez o teste? Usou a mesma agulha?" As palavras flutuavam pelo pátio como pássaros agourentos. O professor de português notou algo estranho ao ver Mariana, uma aluna da 3ª série conhecida por sua seriedade, com o semblante preocupado.

"Professor, o senhor não ficou sabendo? Na aula de química, estávamos fazendo um experimento para descobrir nossos tipos sanguíneos e..." Ela hesitou, a voz embargada, "o professor usou a mesma agulha em todo mundo."

Um calafrio percorreu a espinha do professor. Mesmo sem ser da área da saúde, qualquer um compreenderia o risco. A imagem da mesma agulha perfurando dezenas de dedos adolescentes formou-se na mente de todos como um pesadelo em plena luz do dia.

Na sala dos professores, o caos reinava. A coordenadora pedagógica, sempre tão composta, gesticulava freneticamente ao telefone. "Sim, quarenta e três alunos. Todos precisam ser examinados imediatamente." Seu olhar cruzava com o dos colegas — medo, responsabilidade, culpa, tudo misturado nas pupilas dilatadas.

A notícia se espalhou rapidamente por Laranja da Terra, como fogo em palha seca. A cidade, normalmente tão pacata, foi tomada por um redemoinho de ansiedade coletiva. Pais chegaram desesperados à escola, alguns chorando, outros gritando por explicações. O professor de química, até então admirado por seu entusiasmo em tornar a ciência tangível, foi escoltado para fora do prédio, cabisbaixo, carregando uma caixa com seus pertences.

Alguns professores acompanharam os alunos ao hospital municipal. A sala de espera transbordava de adolescentes tentando disfarçar o medo com piadas nervosas. Carlos, um garoto tímido da 2ª série, sentava sozinho num canto. O professor de português se aproximou dele.

"Está tudo bem?"

O menino levantou os olhos marejados. "Professor, minha mãe tem HIV. Ela não me contaminou porque os médicos cuidaram de tudo quando nasci. E agora... agora pode ter sido tudo em vão."

O peso daquelas palavras atingiu o educador como um golpe físico. Não se tratava apenas de exames e procedimentos — eram vidas, sonhos, futuros que tremiam diante do desconhecido.

Nos dias seguintes, uma sucessão de reuniões tumultuadas tomou conta da cidade. A secretária de educação, normalmente tão protocolar, chorou durante uma videoconferência. Pais abraçavam seus filhos no estacionamento da escola como se pudessem protegê-los retroativamente. A solidariedade nasceu em meio ao caos — famílias oferecendo apoio umas às outras, médicos voluntariando-se para esclarecer dúvidas após o expediente.

O pior, no entanto, foi o estigma. Uma aluna soluçava no banheiro: "Ninguém quer sentar comigo no ônibus." Mesmo com os primeiros resultados negativos, o medo havia criado fronteiras invisíveis entre os adolescentes.

Durante uma aula extraordinária sobre empatia e saúde, organizada pelo professor de português, um dos alunos levantou a mão.

"Professor, por que isso aconteceu? Não ensinaram ao professor de química que não se compartilha agulhas?"

Houve um silêncio por alguns segundos. O professor buscava as palavras certas.

"Às vezes," respondeu finalmente, "mesmo pessoas inteligentes cometem erros graves. É preciso mais que conhecimento para sermos responsáveis — é preciso consciência. E talvez este seja o aprendizado mais importante que levaremos desta experiência."

Um mês depois, os alunos entraram em sala de aula, diferentes. Havia uma sobriedade em seus olhares que não existia antes. Os resultados dos segundos testes chegaram no dia anterior — todos negativos, para alívio de toda a comunidade. Mas algo havia mudado para sempre naquela escola.

O professor percebeu isso ao passar pela sala de ciências e ver um novo cartaz feito pelos próprios alunos: "O conhecimento sem responsabilidade é perigoso." Abaixo, as assinaturas de todos os quarenta e três estudantes envolvidos no incidente.

Uma única agulha os feriu. Mas também os uniu em uma lição que nenhum currículo escolar poderia ensinar — sobre fragilidade, responsabilidade, e o valor da saúde que tão facilmente tomamos por garantida. E, principalmente, sobre como ações, mesmo as aparentemente pequenas, podem ter consequências que se espalham como ondas em um lago tranquilo.

Laranja da Terra continuava a mesma, com o sol ainda brilhando sobre os telhados coloridos, o sino da escola tocando nos mesmos horários. Mas algo sutil e profundo havia mudado em cada um deles. Como uma cicatriz invisível que, mesmo curada, nunca os deixaria esquecer.


https://g1.globo.com/es/espirito-santo/sul-es/noticia/2025/03/18/mais-de-40-alunos-vao-parar-no-hospital-apos-usarem-agulha-compartilhada-em-aula-no-es.ghtml (Acessado em 18/03/2025)


Como seu professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais desta crônica:

1. A crônica narra um evento inesperado que gerou grande comoção na comunidade escolar de Laranja da Terra. Sob uma perspectiva sociológica, como podemos analisar a reação da comunidade (alunos, professores, pais) diante desse acontecimento e quais elementos sociais contribuíram para a disseminação da notícia e do sentimento de apreensão?

2. O texto destaca o medo e a preocupação dos alunos, especialmente no relato do menino Carlos sobre o histórico de HIV na família. Do ponto de vista da sociologia da saúde, como o estigma associado a doenças como o HIV pode impactar as relações sociais e a experiência individual em situações de vulnerabilidade como a descrita na crônica?

3. A crônica descreve a reação da coordenadora, do professor de química e da secretária de educação diante do ocorrido. Analisando o papel da escola como uma instituição social, como podemos interpretar as diferentes manifestações de responsabilidade, culpa e solidariedade por parte desses atores sociais?

4. O texto relata que, apesar dos resultados negativos dos exames, houve um estigma em relação aos alunos envolvidos. Sob uma perspectiva sociológica, como o medo e a falta de informação podem levar à criação de fronteiras sociais e à discriminação dentro de um grupo, mesmo diante da ausência de uma ameaça real comprovada?

5. A reflexão final do professor sobre a importância da consciência e da responsabilidade, além do conhecimento técnico, para evitar erros graves, pode ser analisada sob o prisma da sociologia da moralidade e dos valores sociais. De que maneira a internalização de valores como responsabilidade e cuidado com o outro contribui para a manutenção da ordem social e para a prevenção de eventos como o narrado na crônica?