Quem nunca caminhou por uma estrada conhecida, tentando guiar alguém que insiste em tropeçar nas pedras que já foram limpas? Ser professor, dizem, é vocação. Eu prefiro pensar que é sobrevivência: à burocracia, à hipocrisia, ao cansaço. Lembro sempre da frase do Dr. João Batista Oliveira: "As deficiências do sistema acabam punindo o professor." E, como se não bastasse, a Bíblia ainda arremata: "Acaso andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?" Pois é. No nosso caso, o professor conhece o caminho, mas o sistema insiste em mudar o trajeto, e o aluno, coitado, nem sempre quer sair do lugar.
A falta de qualidade na aprendizagem, para mim, é culpa de um aluno que não aprendeu a valorizar as convenções. Mas a má qualidade do ensino... ah, essa se perde nos labirintos, se enrosca nas teias de aranha de um sistema tóxico, pronto para enredar quem tem pouca força política. Nesses momentos, me pego perguntando, como na canção do grupo Planta e Raiz: “Eu não sei por que o homem faz o outro sofrer...”
A cada final de bimestre — e a coisa piora no fim do ano letivo — vem o temido, ou melhor, o entediante conselho de classe. Reúnem-nos em torno de uma mesa para, teoricamente, avaliar os alunos. Mas o que se vê é uma ladainha repetitiva e cansativa: nome por nome, nota por nota. A coordenadora joga o nome, e os professores respondem como em um jogo de tabuleiro desanimado: “Eva”, “Remo”, “Ficou comigo”, “Ok” ou, quando a paciência se esgota, algo ininteligível.
E que ninguém fale demais. O professor que diz muitos “ficou comigo” logo é rotulado de carrasco. Já o que diz muito “ok” é visto como o bonzinho conivente. Há ainda os sábios do silêncio, que preferem omitir-se para não manchar sua “reputação”. Afinal, tudo que se diz num conselho pode — e será — usado contra você. O ambiente, que deveria ser de análise séria e pedagógica, parece mais um tribunal mal disfarçado.
Se o conselho fosse, de fato, um espaço de reflexão, deveria cumprir sua função: analisar as reais condições de ensino, as interferências institucionais, o percurso individual de cada aluno com base nas metas escolares, e tornar o professor um agente protagonista da educação. Mas, convenhamos, do jeito que é conduzido, não passa de um ritual vazio. E a questão dos instrumentos de avaliação — formulários, questionários, registros técnicos — permanece sem resposta: quem deveria prepará-los? A secretaria? A coordenação? Ou o professor, que já mal respira em meio a tantos papéis?
Do jeito que está, se um professor faltar à reunião e enviar suas notas, ninguém notará a diferença. O que se faz ali de útil poderia ser feito tranquilamente na secretaria, longe daquele desfile de vaidades e repetições. Bastaria que os professores entregassem as notas abaixo da média de corte, e a secretaria, em contrapartida, fornecesse as atualizações necessárias. Porque, para buscar as notas dos recém-matriculados, é sempre a mesma correria atrás da coordenadora — corrida essa que não entra no diário de classe, mas entra na lista de desgastes.
E quando, a cada bimestre, os nomes dos alunos aparecem trocados no sistema, embaralhados como se fôssemos jogar bingo, o diário do professor vira um campo minado. Se os professores fossem levados a sério quanto à fidedignidade das notas, o conselho de classe perderia o sentido. Mas não. Precisamos fingir. Precisamos sentar. Precisamos repetir. Porque é isso que o sistema espera: que a gente finja que avalia, enquanto ele finge que educa.
Talvez ainda haja saídas, mesmo dentro desse cenário de desencanto. Um conselho de classe mais eficaz exigiria, antes de tudo, escuta genuína, planejamento prévio e menos burocracia. Bastaria que cada professor, com tempo adequado e ferramentas objetivas, pudesse apresentar o percurso real de seus alunos, sem medo de julgamentos. E se houvesse ali um espaço seguro para propor intervenções colaborativas — com metas claras e apoio institucional — talvez o ritual ganhasse novo sentido. O que falta, muitas vezes, não é vontade de melhorar, mas condições mínimas para que o diálogo supere o protocolo. Se o sistema não muda de cima, que ao menos se transforme onde ainda somos voz.
Ao final, saímos todos de lá mais cansados — e menos esperançosos. A sensação é de que participamos de um espetáculo sem plateia, onde os atores decoram falas que já não acreditam. E seguimos, como sempre, tentando guiar quem se recusa a caminhar, numa estrada que já não sabemos se leva a algum lugar. Porque, no fim das contas, talvez o maior erro da educação não seja ensinar pouco. Seja fingir que está tudo bem quando, claramente, não está.
A crônica que lemos nos faz refletir sobre os desafios do dia a dia na escola e, principalmente, sobre o papel do professor em meio a um sistema que muitas vezes parece não funcionar. Vamos usar essas ideias para pensar sociologicamente sobre o mundo da educação. Peguem seus cadernos e preparem-se para as perguntas!
1 - O texto menciona que ser professor é "sobrevivência: à burocracia, à hipocrisia, ao cansaço". Explique como a burocracia pode gerar desmotivação e ineficiência em instituições sociais como a escola, e de que forma isso afeta o trabalho dos professores.
2 - A crônica descreve o conselho de classe como um "ritual vazio" onde "tudo que se diz num conselho pode — e será — usado contra você". Discuta como as relações de poder se manifestam nesse ambiente e de que maneira a vigilância e o controle podem inibir a liberdade de expressão e a ação dos profissionais da educação.
3 - O autor sugere que a "má qualidade do ensino... se perde nos labirintos, se enrosca nas teias de aranha de um sistema tóxico, pronto para enredar quem tem pouca força política". Analise essa afirmação, relacionando-a com o conceito de estrutura social e como ela pode criar desigualdades e desvantagens para alguns grupos dentro da escola.
4 - A crônica critica o fato de que "o sistema espera: que a gente finja que avalia, enquanto ele finge que educa". Explique como essa "encenação" ou ritualização de práticas pode comprometer a verdadeira função da educação e a autonomia profissional dos professores, transformando-os em meros executores de protocolos.
5 - No final, o texto propõe que um conselho de classe mais eficaz exigiria "escuta genuína, planejamento prévio e menos burocracia", buscando que o "diálogo supere o protocolo". Com base nessa ideia, discuta a importância da participação e do diálogo entre os atores sociais (professores, coordenação, direção) para construir uma cultura escolar mais colaborativa e transformadora.