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MINHAS PÉROLAS

Dizem que o livro engessa o professor. Não devemos crer nas mentiras de invejosos que não sabem fazer do livro didático uma boa ferramenta de trabalho em classe.
Claudeci Ferreira de Andrade

domingo, 29 de dezembro de 2024

Entre Foliões e Saberes: A Luta Diária de um Professor ("Educar não é encher um balde, mas acender um fogo." — William Butler Yeats)

 Crônica 


Entre Foliões e Saberes: A Luta Diária de um Professor ("Educar não é encher um balde, mas acender um fogo." — William Butler Yeats)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Perco-me, muitas vezes, no labirinto da sala de aula. Em vez de ser o condutor de um aprendizado profundo e reflexivo, transformei-me em um mestre de malabares, equilibrando não apenas o conteúdo, mas também a disciplina, a atenção, a motivação e, claro, a paciência. O que deveria ser um espaço de troca de saberes, onde as ideias fluem e o espírito crítico se afia, se converteu em uma arena, onde o verdadeiro aprendizado fica ofuscado pelo caos do desinteresse e da indisciplina.

Era uma manhã comum, e o sino soou. Os alunos começaram a chegar, trazendo com eles um burburinho de vozes, risadas e telefonemas que interrompiam qualquer expectativa de tranquilidade. Eles, os foliões, a turma que parece se preparar para o carnaval da vida, mais interessados em deixar o tempo passar do que em aproveitá-lo de maneira construtiva. Como sempre, o ritual de tentar acalmar os ânimos começou. O quadro, que deveria ser o palco de palavras que iluminam mentes, transformou-se em um espaço onde eu me via usando as palavras para calar, corrigir e punir. Tudo isso antes mesmo de poder discutir um único conceito. E, à medida que o tempo passava, a sensação de estar falando para paredes de distração se intensificava.

No início, quando a indisciplina ainda era novidade, tentei, com a pureza da ingenuidade, buscar uma conexão, um fio de empatia que me ligasse a eles. Quem sabe, com isso, os olhos começassem a brilhar, ao menos por um momento? Mas, como o professor bem sabe, as intenções nem sempre chegam ao coração dos alunos da forma como imaginamos. O que eu sentia como um chamado para o aprendizado acabou se transformando em um eco: uma repetição sem fim das mesmas interrupções, do mesmo movimento de ignorância sobre o que estava sendo dito. Naquele ponto, a educação parecia mais um campo de batalha entre minha necessidade de ensinar e a resistência deles em aprender.

Eu me perguntava: o que está acontecendo? Onde está a educação que nós, professores, tanto buscamos oferecer? Onde ficou a inquietude saudável do aprender? O que aconteceu com o brilho nos olhos, com as perguntas e os desafios? Não, no lugar disso, o que vejo são máscaras de foliões, sempre prontos para mais uma piada, uma risada, uma distração. Eu só queria ser ouvido, entender o que se passava nas mentes daqueles jovens. Mas, ao invés de respostas, surgiam os ecos do desinteresse, os ritmos da rebeldia sem causa. O ensino transformou-se em um processo árido, um esforço sem fim para controlar, para disciplinar.

Lembro-me de um dia particularmente exaustivo. Eu falava sobre a importância do autoconhecimento, sobre o respeito à diversidade de ideias, enquanto, ao fundo, a sala se afundava em um turbilhão de risos e conversas sem sentido. Em algum momento, já sem fôlego, exclamei: "Isso aqui não é um circo! Estamos falando de uma construção intelectual!" Mas minhas palavras se perderam na confusão. Não havia mais como conciliar o desejo de ensinar com a realidade que se impunha diante de mim.

O que eu via ali era uma educação que parecia ter perdido o rumo. Porém, talvez o que eu estivesse diante fosse, na verdade, uma sociedade que perdeu o interesse genuíno pelo saber, pela reflexão. As escolas se tornaram, muitas vezes, campos de batalha, onde a luta por atenção é mais árdua do que qualquer aula que eu pudesse dar. E o que me resta, então, é tentar manter os poucos alunos que ainda buscam se conectar, aqueles que ainda tentam entender o mundo de forma profunda, enquanto enfrento o grande muro da indisciplina e da falta de interesse.

Em momentos de reflexão, lembro-me de uma citação que me guia em dias difíceis: "Nem todos podem tirar um curso superior, mas todos podem ter respeito, alta escala de valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer pessoa." Essas palavras, de Alfred Montapert, talvez sejam o único consolo que encontro em momentos de desânimo. A educação é mais do que apenas transmitir conhecimento. Ela é, antes de tudo, uma questão de valores. E, mesmo diante de tanto desinteresse, continuo a acreditar que, um dia, esses valores irão despertar nos corações dos jovens.

Agora, ao olhar para o futuro, percebo que o desafio de ser professor vai muito além da sala de aula. Ser professor é ser resiliente, é lutar pelo que acreditamos, mesmo quando o terreno parece ruir. No fim, o que importa é não desistir. Porque, enquanto houver um aluno disposto a ouvir, um pequeno espaço para o aprendizado, sempre haverá esperança. E isso é, de fato, o que me mantém firme.

1. Como o autor descreve a mudança de seu papel na sala de aula ao longo do tempo?

2. O que o texto sugere sobre a relação entre os alunos e a educação nos tempos atuais?

3. Qual é o impacto da indisciplina e do desinteresse dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, segundo o autor?

4. De que forma a citação de Alfred Montapert reflete a visão do autor sobre a educação e os valores essenciais para o aprendizado?

5. O que significa ser resiliente na profissão de professor, de acordo com o texto, e por que isso é importante?

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