Lições de Truco: Memórias de um Professor Resiliente ("O professor medíocre conta. O bom professor explica. O professor superior demonstra. O grande professor inspira." — William Arthur Ward)
Outro dia, enquanto explicava a importância dos verbos irregulares, vi-me fazendo malabarismos com o giz numa mão e gesticulando energicamente com a outra, tal qual um maestro tentando reger uma orquestra desafinada. Na sala 616, o cenário era previsível: João dobrava aviõezinhos de papel, Maria postava selfies no Instagram, e um grupo ao fundo transformava a aula de português em um animado campeonato de truco.
Duas décadas de magistério não me prepararam para essa metamorfose da educação. Se antes me dedicava à transmissão do conhecimento, hoje me tornei especialista em gestão de crises. Meu doutorado em Literatura converteu-se em um curso intensivo de negociação com adolescentes que transformam cada aula num festival de variedades.
"Professor, só mais uma partidinha!", implora Pedro, suas cartas mal escondidas sob o caderno. Respiro fundo, recordando as palavras de Montapert sobre respeito e valores. Como, porém, falar de valores quando a própria sala de aula se tornou palco de resistência ao aprendizado?
A cada tentativa de manter a ordem, equilibro-me na corda bamba do sistema educacional. De um lado, o compromisso com o conteúdo programático; do outro, uma geração aparentemente alérgica a qualquer estímulo que não brilhe numa tela de celular.
Ontem, durante uma explicação sobre Machado de Assis, tive uma epifania: não estamos apenas perdendo a batalha contra a indisciplina - perdemos a guerra pela atenção e pelo interesse genuíno no conhecimento. Enquanto me equilibro entre educador e entertainer, vejo o verdadeiro propósito da educação escorrendo por entre os dedos como grãos de areia.
Talvez, reflito ao contemplar as carteiras vazias após o sinal, a verdadeira lição não resida nos livros didáticos. Encontra-se na persistência diária de semear conhecimento em solo cada vez mais árido. Afinal, ser professor hoje transcende o ensino de conteúdo - é uma luta para manter acesa a chama da curiosidade num mundo onde o instantâneo e o superficial reinam absolutos.
E amanhã? Bem, retornarei com meu giz e minha esperança teimosa, pois ainda acredito que, em algum momento, entre uma partida de truco e outra, redescobriremos juntos o valor transformador da educação.
1. Como as mudanças tecnológicas e comportamentais das últimas décadas têm impactado a relação entre professor e aluno no ambiente escolar?
2. De que maneira a valorização do imediatismo e do entretenimento pela sociedade contemporânea afeta o processo de ensino-aprendizagem?
3. Analise criticamente como a transformação do papel do professor - de transmissor de conhecimento para gestor de crises - reflete mudanças sociais mais amplas em nossa sociedade.
4. Em que medida a resistência ao aprendizado observada em sala de aula pode ser considerada um reflexo de valores sociais contemporâneos?
5. Como o conflito entre o compromisso com o conteúdo programático e as novas demandas comportamentais dos alunos representa um desafio para o sistema educacional brasileiro?
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