Em uma simbólica sexta-feira, 13 de agosto de 2021, recebi a visita de duas pessoas, ambas em bicicletas. A primeira foi o carteiro, em sua tradicional bicicleta amarela. A segunda, em uma bicicleta vermelha, retornou mais tarde, configurando três momentos distintos. Por ser supersticioso, não pude ignorar o simbolismo: as visitas, embora agradáveis, soavam como um presságio. A primeira entrega era uma encomenda; a segunda, a da faxineira, revelava a bagunça de minha casa, que, confesso, já beirava o caos.
Intrigado, pesquisei o significado das cores. O vermelho remete à paixão e ao desejo, mas também à violência, à vergonha e à rejeição. O amarelo, por sua vez, representa a autoconfiança e o entusiasmo, mas carrega o paradoxo da expectativa de oposição. Essas descobertas me levaram a questionar minhas atitudes recentes: teria eu agido tolamente?
Essa pergunta me trouxe uma imagem intensa: a tolice como uma prostituta, vestida de escarlate, sempre pronta a atender a um chamado. Em contraste, a sabedoria, que caminha com a prudência, exige esforço e tem seus favores adornados em amarelo, com dignidade. Nesse dilema, eu me defini como laranja: uma fusão entre os impulsos do vermelho e as ponderações do amarelo.
"Eu, a sabedoria, habito com a prudência, e acho o conhecimento dos conselhos." — diz o livro de Provérbios (8:12), e essa citação ressoou em mim como um chamado para reorganizar a minha vida. Decidi que, a partir de então, atenderia minhas "visitas" — não apenas as físicas, mas também as simbólicas, que chegam para me alertar e orientar. Comecei a delimitar o papel de cada presença em minha vida, como quem organiza os móveis da alma.
A inquietação que me consumia era resultado de uma batalha interna entre ação impetuosa e cautela excessiva. Antes de reconhecer o amarelo e o vermelho em mim, vivia sob a sombra de um cinza melancólico, uma depressão que esvaziava a vida de suas cores. Essa estagnação, que ecoava na desordem de minha casa e mente, clamava por mudança. Foi preciso essa experiência para que eu percebesse que a paz não é a ausência de conflito, mas a harmonização das minhas próprias contradições.
Descobri, então, que um pouco de vermelho no amarelo não faz mal a ninguém. O equilíbrio entre os dois me permite ser mais inteiro. A paz me chegou como que por "cromoterapia", e a intertextualidade entre as cores sagradas dos cavalos do Apocalipse e as bicicletas do meu dia a dia me revelou algo maior: a coincidência, às vezes, é apenas o nome que damos à providência.
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O texto que acabamos de ler nos convida a uma reflexão sobre a nossa vida interior e as formas como interpretamos o mundo ao nosso redor. Com base nas ideias apresentadas, preparei cinco questões para que possamos analisar os temas sob uma perspectiva sociológica.
1 - O autor atribui um simbolismo pessoal às cores das bicicletas (vermelho e amarelo). Explique como, na Sociologia, o ato de dar significados a símbolos pode ser relacionado à forma como construímos nossa realidade social.
2 - O texto menciona a decisão de "delimitar o papel de cada pessoa e de cada presença em minha vida". Discuta como essa atitude se conecta com o conceito de papéis sociais e por que eles são importantes para a organização da vida em sociedade.
3 - A narrativa mostra uma "batalha interna" entre a tolice (impulsos) e a sabedoria (ponderações). Como esse conflito interno do autor pode ser interpretado como um reflexo da tensão entre as nossas emoções e as normas sociais que tentam organizar nosso comportamento?
4 - O autor usa citações bíblicas para dar sentido à sua experiência. Analise como a cultura — representada por livros e símbolos religiosos — pode servir como um repertório de significados que os indivíduos utilizam para interpretar eventos em suas vidas.
5 - O texto descreve um estado de "inquietação silenciosa" e "caos" na vida do autor. Relacione essa condição com o conceito de anomia na Sociologia e discuta como a ausência de normas claras ou a desordem podem afetar o bem-estar do indivíduo.