Quando João Parou de Pular ("Morrer é nada; horrível é não viver." — Victor Hugo)
Naquela manhã abafada, enquanto os ventiladores antigos se esforçavam para empurrar o calor para fora da sala, ele saltava de uma mesa a outra como se fosse dono do espaço e do tempo. Carregava a leveza de quem ainda não conhecia o peso das regras e a urgência dos que vivem como se o amanhã estivesse sempre prestes a ser roubado.
João Vitor era desses que ocupam todo o ambiente, apesar do corpo pequeno para a idade. De camisa vermelha e olhar inquieto, trazia no rosto uma mistura de desafio e sobrevivência. Chamavam-no de Barroto — talvez por ironia, talvez por carinho, talvez por medo. Ninguém jamais explicou. E ele, por sua vez, nunca se importou em se corrigir.
A professora hesitava diante dele. Sua autoridade vacilava, não apenas por conta da indisciplina escancarada, mas por algo mais profundo — talvez o medo de tocar numa ferida que nem ela saberia nomear. João não respeitava os limites da sala, da escola, do corpo. E ninguém ousava repreendê-lo com firmeza. Não porque fosse forte, mas porque trazia no semblante um tipo de fúria que não se aprende na infância: se herda.
Via-o em vídeos que circulavam entre os grupos de professores: pulando janelas, rindo alto, provocando os colegas, desafiando a lógica dos cadernos e das carteiras alinhadas. E agora me pergunto: onde começa a culpa? Será que ele era mesmo o problema? (Há que diga que a culpa é da professora!).
Os noticiários sensacionalistas o mostraram em close — óculos escuros, camisa chamativa — o retrato de um “menor problema”, como gostam de dizer. Mas, na legenda fria, uma sentença definitiva: *executado com oito tiros enquanto dormia*. O que me engasga não é a quantidade dos disparos, mas a ironia brutal de um descanso interrompido. Dormia — justo ele, que nunca parava.
João vivia com a mãe — dizem que envolvida com o tráfico. Dizem também que o menino, desde cedo, já conhecia o valor da rua, dos esquemas, das moedas trocadas no escuro. Dizem muita coisa. Mas, ninguém diz o que lhe faltou. Ninguém fala das vezes em que, talvez, ele só quisesse ser ouvido sem precisar gritar. (Agora há quem diga que a culpa é da sociedade).
Neste momento, cá estou eu, refletindo entre pilhas de provas e planejamentos, tentando ensinar ética a adolescentes que vivem à margem de um mundo em ruínas. Às vezes, me pergunto se temos dado a eles algo além de regras e avaliações.
João parou. Parou de pular, de provocar, de viver. E com ele, foi-se mais uma chance de corrigirmos o que está errado — antes que seja tarde. A escola perdeu. A rua venceu. E, como sempre, quem paga a conta é a infância. (Também há quem diga que a lei da causa e efeito é injusta).
https://www.instagram.com/reel/DI0kunXOtn7/?utm_source=ig_web_copy_link (Acessado em 24/04/2025)
Olá! Com base na crônica acima, que nos traz reflexões importantes sobre infância, violência, educação e sociedade, elaborei 5 questões discursivas simples, como um professor de sociologia faria, para estimular o pensamento crítico sobre os temas abordados:
1. O texto descreve João Vitor como alguém que transitava entre a escola e a "rua", com comportamentos que desafiavam as normas escolares. Pensando sociologicamente, como os diferentes ambientes sociais (família, escola, rua) podem influenciar a formação e as escolhas de um jovem?
2. A crônica menciona a hesitação da professora e a dificuldade da escola em lidar com João Vitor. Qual o papel social da instituição escolar em comunidades vulneráveis, e quais são os desafios que ela enfrenta ao tentar educar e proteger crianças expostas a múltiplas dificuldades?
3. O narrador reflete sobre "ensinar ética a adolescentes que vivem à margem de um mundo em ruínas" e conclui que "a rua venceu". Como a desigualdade social e a falta de oportunidades podem contribuir para que jovens como João Vitor sigam trajetórias de risco e violência?
4. João Vitor foi retratado pela mídia como um "'menor problema'". Como a forma como a sociedade e os meios de comunicação rotulam (ou estigmatizam) jovens, especialmente os mais vulneráveis, pode impactar suas vidas e a maneira como são tratados?
5. O texto levanta repetidamente a questão da "culpa" pela trajetória e morte de João Vitor (professora, sociedade, causa e efeito). Do ponto de vista sociológico, como podemos analisar a responsabilidade por tragédias como essa, considerando tanto as ações individuais quanto as estruturas e condições sociais?
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