Entre o Dever e o Medo ("Professor agride aluno ao tentar separar briga" - A culpa é do professor por não ter antecipado e evitado o conflito!)
Naquela terça-feira, o sol de março invadia as frestas das cortinas da sala 9B como quem pede licença para participar da aula. Eu explicava sobre os tipos de violência quando percebi o movimento suspeito nas carteiras da frente. Pedro empinava sua cadeira, apoiando as mãos na mesa de Lucas para equilibrar-se. O olhar irritado de Lucas denunciava o incômodo que crescia a cada minuto.
— "Professor, ele não para de mexer na minha mesa!", - reclamou Lucas enquanto eu tentava manter o fio da explicação sobre violência física e violência simbólica que, ironicamente, oscilavam na mesma frequência da minha crescente preocupação.
Respirei fundo. Em vinte anos de magistério, aprendi a reconhecer os sinais de uma tempestade iminente. — "Pedro, por favor, sente-se corretamente", - pedi com a voz controlada que desenvolvi ao longo dos anos, aquela que tenta soar firme sem ser intimidadora.
Pedro sorriu debochado. Lucas pediu novamente, agora com a voz mais alta. Considerei intervir fisicamente, posicionar-me entre eles, mas as palavras da última reunião pedagógica ecoaram em minha mente: — "Lembrem-se, professores: contato físico com alunos pode gerar processos administrativos e até criminais. Temos o caso do professor Silva, da escola vizinha, que quebrou o braço ao tentar separar uma briga e acabou sendo processado pela família do agressor."
Hesitei. Adolescentes de 14, 15 anos já têm força considerável – alguns até mais altos que eu. Um empurrão mal calculado, uma queda acidental, e eu poderia ser acusado de agressão. Naquele momento de indecisão, vi a cena desenrolar-se como em câmera lenta: Lucas puxou sua mesa bruscamente, Pedro perdeu o equilíbrio e caiu. Antes que eu pudesse alcançá-los, Pedro já estava de pé, o punho cerrado dirigindo-se ao rosto de Lucas com uma força desproporcional.
O som do impacto silenciou a sala. Vi o sangue escorrer pelo nariz de Lucas enquanto os outros alunos observavam em estado de choque, alguns já com celulares em punho, prontos para registrar o que eu faria a seguir. Qualquer movimento meu seria julgado: se segurasse Pedro com força, poderia ser acusado de excesso; se apenas me colocasse na frente, arriscava levar um golpe eu mesmo.
— "Lucas, vamos à diretoria", - disse automaticamente, seguindo o que mandava o regimento, aquele mesmo que nos orienta a "nunca tocar em um aluno em situação de conflito". No corredor, o menino cambaleava levemente, a camisa do uniforme já não era mais branca. Na diretoria, Dona Marta, a diretora, disse apenas que ele poderia ir para casa, que moravam ali perto mesmo. Tentei argumentar sobre chamar os pais ou uma ambulância, mas ela assegurou que "era só um sangramento nasal" e me lembrou dos "riscos jurídicos de assumir responsabilidade médica sem formação adequada".
—Vi Lucas sair pelo portão, sozinho, a mão tentando conter o sangue que ainda escorria. Voltei para a sala e tentei retomar a aula, como se nada tivesse acontecido, como se não houvesse um vazio na terceira carteira da segunda fileira, como se não houvesse sangue no chão.
Na manhã seguinte, a mãe de Lucas estava na entrada da escola, os olhos inchados, a voz embargada narrando para a imprensa local como seu filho chegou em casa "quase desmaiando". A notícia se espalhou rapidamente: "Aluno agredido dentro da sala de aula, escola não presta socorro". Vi meu nome nos comentários das redes sociais: "E o professor, não fez nada?" Ninguém mencionava que, no ano anterior, um colega de outra escola havia sido afastado por "uso desproporcional de força" ao separar dois alunos que brigavam.
E o que poderia eu ter feito? Intervido fisicamente e arriscado não só meu emprego, mas também um processo criminal? Imaginem o título: "Professor agride aluno ao tentar separar briga". Desobedecido o protocolo e chamado uma ambulância por conta própria? Confrontado a diretora? As perguntas não me deixaram dormir por dias.
Nas semanas que se seguiram, participei de reuniões administrativas, ouvi sermões sobre "manutenção da ordem em sala de aula" e recebi uma advertência por "não ter antecipado e evitado o conflito". Pedro recebeu três dias de suspensão. Lucas mudou de escola. E eu fui chamado para uma capacitação sobre "mediação não violenta de conflitos em sala de aula" – um curso teórico que não abordava a realidade de adolescentes do nono ano, com hormônios à flor da pele e quase do meu tamanho.
E eu? Permaneço aqui, entre o quadro e as carteiras, dividido entre a responsabilidade de zelar pelos alunos e o receio de ultrapassar fronteiras delicadas, entre os conceitos de Moral e Ética que consigo ensinar e os dilemas reais para os quais não há respostas prontas. A cada indício de tensão entre estudantes, meu coração dispara e um frio percorre minha espinha. Estou encurralado nesse território indefinido onde agir pode resultar em punição, e não agir pode ser visto como negligência.
Por vezes, quando o sol invade novamente as frestas das cortinas da sala 9B, olho para a carteira vazia que Lucas ocupava e me pergunto se algum dia encontraremos o equilíbrio entre proteger nossos alunos e proteger nossas carreiras. Enquanto isso, sigo ensinando como combater as violências física, psicológica e simbólica, carregando a consciência pesada por aquele dia em que, entre o dever e o medo, escolhi seguir o protocolo – porque, no final das contas, quem protege o professor?
Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado, para estimular a reflexão sobre os aspectos sociais envolvidos na situação vivenciada pelo professor:
1. De que maneira o relato do professor ilustra as tensões e os desafios enfrentados pelos educadores no que se refere à manutenção da disciplina e à segurança dos alunos em sala de aula? (Esta questão visa explorar as dificuldades práticas e éticas do papel do professor no contexto escolar.)
2. O texto destaca o conflito entre o dever de intervir e o medo de sofrer consequências legais ou administrativas. Como essa situação reflete as mudanças nas dinâmicas de poder e nas expectativas sociais em relação à figura do professor? (Esta questão busca analisar as transformações na autoridade docente e nas relações sociais no ambiente escolar.)
3. A reação da diretora e a ênfase nos "riscos jurídicos" revelam uma possível priorização de aspectos burocráticos em detrimento do bem-estar imediato do aluno agredido. Como essa postura institucional pode ser analisada sob a perspectiva sociológica das organizações e suas prioridades? (Esta questão pretende estimular a reflexão sobre a cultura organizacional da escola e suas possíveis implicações sociais.)
4. O professor menciona a repercussão do caso na mídia e nas redes sociais, com comentários questionando sua atuação. De que forma a opinião pública e a mídia podem influenciar a percepção e o julgamento de eventos ocorridos no ambiente escolar? (Esta questão busca analisar o papel da mídia e da opinião pública na construção de narrativas sobre questões sociais.)
5. Ao final do texto, o professor questiona quem protege o professor. Como essa pergunta evidencia as vulnerabilidades e a falta de suporte que, por vezes, podem caracterizar a profissão docente na sociedade contemporânea? (Esta questão visa incentivar a reflexão sobre as condições de trabalho e o reconhecimento social dos professores.)
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