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segunda-feira, 24 de março de 2025

Reflexões de um Professor Desacreditado (Os professores incríveis se achando ruins, por conta de um sistema ruim que se acha incrível. — Professora Gesiane Ramalho)

 

Reflexões de um Professor Desacreditado (Os professores incríveis se achando ruins, por conta de um sistema ruim que se acha incrível. — Professora Gesiane Ramalho)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sempre achei curioso como a escola, esse espaço que deveria ser um celeiro de conhecimento e transformação, consegue muitas vezes funcionar como um moinho que tritura sonhos e expectativas. No início da carreira, acreditava que o trabalho de um professor era iluminar mentes, acender curiosidades, despertar reflexões. Com o tempo, percebi que, dentro desse sistema escolar, o papel do mestre é frequentemente o de um personagem invisível, esmagado por engrenagens que giram sem qualquer preocupação com quem as movimenta.


A caneta paira sobre o papel em branco, hesitante. Mais de trinta anos dedicados ao ensino, e a cada novo ciclo letivo, a mesma ponta de angústia me cutuca. Lembro-me daquele brilho nos olhos quando corrigia a primeira redação impecável, da euforia contagiante ao ver um aluno finalmente desvendar a lógica de um poema. Éramos faróis, incendiando mentes jovens com a chama do conhecimento. Éramos...
Hoje, sinto-me mais como uma vela quase apagada, tremulando sob a brasa de um sistema que insiste em se autoelogiar. Observo meus colegas, outrora mestres entusiasmados, arrastando os pés pelos corredores, o sorriso cansado, a voz embargada por um desânimo silencioso. A paixão que nos movia parece ter se esvaído, gota a gota, diante de metas irreais, burocracias sufocantes e a constante sensação de nadar contra a correnteza.
Lembro-me bem de uma colega brilhante. Suas aulas eram envolventes, sua presença em sala, magnética. Os alunos a respeitavam – ou pelo menos, era o que eu imaginava. Certo dia, encontrei-a cabisbaixa na sala dos professores. "O que houve?", perguntei. Ela suspirou, apontando para um bilhete amassado em sua mão. Era uma anotação da coordenação: uma reclamação formal sobre o seu método, supostamente rígido demais. Nenhuma menção ao impacto positivo que ela causava naqueles que realmente se importavam em aprender, nenhum elogio ao brilho que imprimia em cada explicação. Apenas uma advertência velada, uma tentativa de moldá-la ao formato padrão, insípido e previsível.
Começou sutilmente, talvez com a imposição de um currículo engessado, que parecia ignorar a diversidade dos nossos alunos e as particularidades de cada turma. Depois vieram as avaliações externas, números frios que não capturavam o calor da nossa dedicação nem o progresso individual de cada criança. Aos poucos, a autonomia em sala de aula foi sendo cerceada, as inovações desestimuladas, e a criatividade, essa ferramenta essencial do ensino, tornou-se um luxo raro.
A cada reunião pedagógica, a mesma ladainha: índices, metas, números, relatórios. Mas nunca, jamais, a pergunta essencial: como você está? Você ainda sente que vale a pena? Alguém já lhe disse que seu trabalho faz diferença? No silêncio dessa ausência de reconhecimento, muitos vão apagando a chama que um dia os fez acreditar que poderiam mudar o mundo.
Lembro-me daquele projeto sobre literatura brasileira que desenvolvi com tanto afinco, culminando em uma apresentação teatral emocionante feita pelos alunos. O diretor, na época, elogiou a iniciativa, mas logo em seguida, mandou a coordenadora me orientar a parar com execução do plano, pois os colegas reclamaram que a movimentação atrapalhava as aulas deles. Então, a prioridade passou a ser o cumprimento rigoroso de planilhas e relatórios, como se a alma da educação pudesse ser quantificada em gráficos e tabelas. E assim, fomos nos tornando meros executores de um plano pré-fabricado, peças substituíveis em uma engrenagem que se vangloriava da própria eficiência, enquanto nós, os artesãos do saber, sentíamos nossas mãos cada vez mais atadas.
A ironia é que os professores incríveis, aqueles que desafiam o comodismo e buscam transformar a educação em algo real e pulsante, acabam muitas vezes se sentindo pequenos e desacreditados. Não por incompetência, mas porque operam dentro de um sistema que se vangloria de sua própria eficácia, mesmo quando falha estrondosamente. A escola se acha grandiosa enquanto seus mestres, exaustos, se convencem de que são insuficientes.
Vejo o reflexo dessa insatisfação nos rostos dos meus alunos, que percebem o nosso desânimo, a falta daquele entusiasmo contagiante. Como inspirá-los a sonhar, a ir além, se nós mesmos nos sentimos presos em um ciclo vicioso? A ironia cruel reside justamente aí: nós, que nos dedicamos a construir futuros, nos sentimos impotentes diante de um presente que nos asfixia.
Talvez a maior tragédia não seja a nossa sensação de inadequação, mas o potencial desperdiçado, os talentos sufocados, a energia criativa que poderia transformar a educação, mas que se perde na engrenagem desse sistema que se julga impecável. E enquanto a máquina burocrática continua rodando, alheia ao nosso desgaste, resta-nos a silenciosa constatação de que, por trás de cada professor desmotivado, há um mar de possibilidades inexploradas, um universo de aprendizado que jamais será plenamente descoberto. A pergunta que ecoa em minha mente é: até quando permitiremos que essa engrenagem continue triturando o coração da educação?


Como um bom professor de sociologia, preparei 5 questões discursivas e simples, baseando-me nas ideias principais do texto apresentado:


1. O autor inicia o texto contrastando a visão idealizada da escola como um "celeiro de conhecimento e transformação" com a realidade percebida como um "moinho que tritura sonhos e expectativas". De que maneira essa metáfora inicial reflete as tensões e desafios enfrentados pelos professores no sistema educacional descrito no texto?

2. O cronista relata a perda de entusiasmo e paixão entre os professores, atribuindo isso a fatores como "metas irreais, burocracias sufocantes e a constante sensação de nadar contra a correnteza". Como a sociologia pode analisar o impacto das condições de trabalho e das estruturas organizacionais na motivação e no bem-estar dos profissionais da educação?

3. A narrativa destaca a falta de reconhecimento e apoio aos professores, evidenciada pela ausência de perguntas sobre seu bem-estar nas reuniões pedagógicas e pela valorização excessiva de métricas e relatórios. De que forma a sociologia aborda a importância do reconhecimento social e profissional para a manutenção da qualidade do trabalho e da saúde mental dos indivíduos?

4. O autor descreve a ironia de "professores incríveis" se sentirem "pequenos e desacreditados" dentro de um sistema que se vangloria de sua eficácia. Como a sociologia explica as dinâmicas de poder e as relações hierárquicas dentro das instituições educacionais, e como essas dinâmicas podem afetar a percepção que os profissionais têm de seu próprio valor?

5. Ao final do texto, o cronista expressa preocupação com o "potencial desperdiçado" e os "talentos sufocados" dentro do sistema educacional. De que maneira a sociologia analisa o papel da educação na promoção do desenvolvimento individual e social, e quais são as possíveis consequências para a sociedade quando o potencial dos educadores e dos alunos não é plenamente realizado?

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