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MINHAS PÉROLAS

sábado, 8 de março de 2025

À Beira do Esgotamento: Confissões de um Professor ("O reconhecimento é um banquete que se serve aos mortos." - Provérbio popular )

 

À Beira do Esgotamento: Confissões de um Professor ("O reconhecimento é um banquete que se serve aos mortos." - Provérbio popular )

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Hoje li uma notícia que me fez rir de nervoso: um estudo da Universidade Federal de São Paulo concluiu que um terço dos professores da Educação Básica sofre de Burnout. "Um terço?" Joguei a cabeça para trás numa gargalhada amarga que ecoou pelas paredes da sala vazia dos professores.

Quem são esses outros dois terços privilegiados? Na minha escola, parece que a proporção é inversa: a cada três, quatro já acendem velas para o próprio funeral profissional.

Fevereiro mal terminou e já vejo nos olhos dos meus colegas recém-chegados o cansaço que costumava aparecer só em novembro. Cadê aquele brilho de quem começa o ano letivo cheio de planos e expectativas? Evaporou como orvalho sob o sol inclemente da nossa realidade.

Esta manhã, enquanto tomava apressadamente meu café, me peguei estudando o calendário escolar não para planejar aulas, mas para mapear os próximos feriados como quem traça rotas de fuga. O Carnaval mal passou e já estou contando os dias para a próxima pausa — pequenos oásis num deserto, este que parece se estender infinitamente.

Curioso como meu corpo aprendeu a antecipar o cansaço. Programo meu esgotamento futuro com a mesma precisão que programo minhas aulas. "Aqui, nesta quinta-feira de março, terei uma crise de ansiedade; então entre a primeira e a segunda aula, reservarei três minutos no banheiro para me recompor."

Os carros têm luzes no painel que acendem quando algo não vai bem. Nós, professores, funcionamos sem esse sistema de alerta. Vamos rodando sem óleo, engasgando, superaquecendo, até que um dia simplesmente paramos de funcionar.

Não conheço pessoalmente esse tal de "Burnout", mas tenho certeza de que sou mais íntima do cansaço do que ele o é. Se tem algo que se espalha com mais eficiência que piolho nas escolas, é o desânimo e as dívidas de consignado. Ambos coçam, incomodam e parecem impossíveis de eliminar completamente.

A sala de aula é um vampiro energético. Suga nossas forças com uma voracidade impressionante. Um ano lecionando equivale a seis de vida normal — isso não é cálculo oficial, é percepção de quem sente na pele. Como aqueles aparelhos que medem a "idade biológica", deveríamos ter um que medisse a "idade docente". Tenho 65 anos no RG e uns 87 na alma professoral.

E a cada ano fica mais intenso. A inclusão aumenta (o que é maravilhoso), mas o suporte diminui (o que é trágico). Diretores cobram resultados, alunos desafiam limites, pais transferem responsabilidades e o governo? Ah, o governo apenas observa de longe, oferecendo palmas no Dia do Professor e migalhas no contracheque.

Não sou professor de matemática, mas até eu sei que essa conta não fecha. E para provar que não estou exagerando, basta olhar ao redor: vejo colegas engolindo ansiolíticos com o café da manhã, outros abandonando a profissão que escolheram com amor e alguns simplesmente existindo entre uma aula e outra, como fantasmas de quem um dia foram.

Enquanto escrevo estas linhas, pergunto-me quantos de nós sobreviverão até dezembro sem desabar. Somos equilibristas em uma corda bamba cada vez mais fina, carregando nas costas não apenas nossos fardos, mas o peso de um sistema que nos valoriza em discursos e nos abandona na prática.

Para quem lê esta crônica e não é professor: imagine trabalhar incansavelmente sabendo que, não importa o quanto se esforce, nunca será suficiente. Agora multiplique essa sensação por duzentos dias letivos.

Para meus colegas de profissão que estão lendo: vocês não estão sozinhos neste esgotamento. Estamos todos juntos neste barco que parece furar um pouco mais a cada onda.

E para mim mesmo: respire. Um dia após o outro. Um feriado após o outro. E talvez, apenas talvez, descubramos como pertencer àqueles misteriosos dois terços que, segundo a pesquisa, ainda não sucumbiram.

Por enquanto, sigo contando feriados e sonhando com julho.


Aqui estão 5 questões discursivas baseadas no texto, explorando as ideias principais e provocando reflexões sociológicas:


1. A Síndrome de Burnout e a precarização do trabalho docente: O texto aborda a alta incidência de Burnout entre professores da educação básica. Como a sociologia pode analisar a relação entre a precarização do trabalho docente (salários defasados, falta de suporte, etc.) e o desenvolvimento dessa síndrome?

2. O papel das instituições na saúde mental dos professores: O texto critica a falta de suporte e reconhecimento por parte das instituições (escola, governo, etc.). Como a sociologia pode analisar o papel das instituições na promoção da saúde mental dos professores e na prevenção do Burnout?

3. A naturalização do sofrimento e a cultura do esgotamento: O texto mostra como o sofrimento e o esgotamento são naturalizados no ambiente escolar. Como a sociologia pode analisar a construção social da "cultura do esgotamento" e seus impactos na saúde mental dos professores?

4. A relação entre inclusão e sobrecarga de trabalho: O texto aponta para a contradição entre o aumento da inclusão e a diminuição do suporte. Como a sociologia pode analisar os desafios da inclusão no contexto escolar e seus impactos na sobrecarga de trabalho dos professores?

5. O papel da sociedade na valorização do professor: O texto critica a falta de valorização do professor pela sociedade. Como a sociologia pode analisar o papel da sociedade na construção da imagem do professor e na promoção de uma cultura de valorização do trabalho docente?

quinta-feira, 6 de março de 2025

Café, Papel e Outras Contribuições "Voluntárias" ("Não se pode esperar construir um mundo melhor com pessoas piores." - Madre Teresa de Calcutá)

 Crônica 



Café, Papel e Outras Contribuições "Voluntárias" ("Não se pode esperar construir um mundo melhor com pessoas piores." - Madre Teresa de Calcutá)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Foi numa terça-feira comum que notei o celular de Maria vibrar insistentemente sobre a mesa da sala dos professores. Ela olhou para a tela, suspirou profundamente e guardou o aparelho no bolso do jaleco azul-marinho que usávamos como uniforme na escola prisional onde lecionávamos.

— "Mais uma vaquinha?", — perguntei, enquanto tentava organizar as provas que precisava corrigir antes do fim da semana.

— "Vinte e cinco reais este mês" — respondeu ela com um sorriso amarelo. — "Para material escolar dos alunos."

Trabalhar numa escola dentro de uma unidade prisional já trazia desafios próprios: alunos com histórias complexas, segurança reforçada e a constante sensação de estar fazendo algo significativo, ainda que dentro de circunstâncias difíceis. Mas havia um detalhe que não constava nas descrições oficiais do cargo: as contribuições "voluntárias".

O grupo de WhatsApp dos professores se transformava, mês após mês, em um mural de cobranças disfarçadas de pedidos. Primeiro foi o café – afinal, quem aguenta dar aulas às sete da manhã sem uma dose generosa de cafeína? Depois, o papel sulfite, que misteriosamente acabava antes que as remessas oficiais chegassem. E agora, material escolar para os alunos.

"Voluntário, mas necessário", dizia sempre a mensagem da coordenação, acompanhada de um emoji sorridente que só aumentava nossa indignação silenciosa.

Naquela tarde, enquanto observava Maria transferir os vinte e cinco reais via Pix, lembrei-me da reunião pedagógica da semana anterior, onde o diretor exibiu slides impressionantes sobre os recursos recebidos pela escola. Falou do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo da Educação Básica, das verbas estaduais complementares. Números que somavam muito mais do que algumas resmas de papel e lápis de cor.

"Você não acha estranho?", perguntei a Maria enquanto saíamos para o intervalo. "Tanta verba específica e a gente precisa fazer vaquinha para comprar o básico?"

—"Acho" — ela respondeu, olhando para os lados como quem verifica se não está sendo observada. — "Mas quem vai ser o primeiro a questionar? Lembra do Carlos? Questionou as vaquinhas no semestre passado e, coincidentemente, perdeu as aulas extras que complementavam seu salário."

O medo era real e palpável como as grades que separavam a escola do restante da prisão. Não era apenas o valor – cinco, dez, vinte e cinco reais escorregando de nossos bolsos já apertados por salários defasados. Era o princípio da coisa, a contradição evidente entre os recursos anunciados e a realidade que vivíamos.

Na semana seguinte, a notícia estampou os jornais locais. Um vereador havia levado a denúncia ao plenário da Câmara Municipal. Prints das nossas conversas no WhatsApp circulavam como provas do que, para nós, era apenas o cotidiano naturalizado.

De repente, aquilo que discutíamos em sussurros na sala dos professores estava sendo debatido abertamente por políticos. Um vereador ligado ao magistério duvidava da veracidade das denúncias – "diretores prestam contas de todo recurso" — dizia ele com a convicção de quem conhece as regras, mas não o jogo.

Quando retornamos à escola após a repercussão do caso, um novo aviso no quadro da sala dos professores informava que "todas as contribuições estavam suspensas até segunda ordem" e que "uma sindicância interna apuraria os fatos".

Observei Maria sorrir genuinamente pela primeira vez em semanas.

— "Sabe o que é mais irônico?" — ela me disse enquanto servíamos café – agora fornecido oficialmente pela escola. "Não precisava de vereador, de jornal, de escândalo. Bastava seguir as regras que já existem."

Naquela tarde, percebi que, às vezes, a educação acontece também fora das salas de aula. Entre professores que precisam aprender a dizer não a pequenas injustiças, gestores que precisam reaprender o significado de transparência e um sistema que precisa ser constantemente vigiado para funcionar como deveria.

As vaquinhas para café e papel sulfite podem parecer insignificantes diante dos grandes problemas da educação brasileira. Mas são nesses pequenos desvios que começamos a normalizar o inaceitável. E talvez seja justamente aí – no café servido e no papel distribuído – que possamos começar a construir uma escola onde os recursos cheguem realmente a quem deles necessita: alunos e professores. https://www.feiradesantana.ba.leg.br/vereador-pede-apuracao-de-denuncia-sobre-contribuicao-de-professor-para-compra-de-material-de-alunos-em-escola-do-estado (Acessado em 6/3/2025)


Questões discursivas baseadas no texto, explorando as ideias principais e provocando reflexões sociológicas:


1. A cultura da "vaquinha" e a precarização do trabalho docente: O texto revela a prática das "vaquinhas" como uma forma de suprir a falta de recursos na escola prisional. Como a sociologia pode analisar essa prática sob a ótica da precarização do trabalho docente e da cultura da "vaquinha" no contexto educacional brasileiro?

2. O papel da burocracia e da gestão escolar: O texto critica a falta de transparência na gestão dos recursos e a inércia da burocracia diante da falta de materiais básicos. Como a sociologia pode analisar o papel da burocracia e da gestão escolar na perpetuação de desigualdades e na falta de recursos nas escolas?

3. A naturalização da injustiça e o medo da represália: O texto mostra como a prática das "vaquinhas" é naturalizada pelos professores, que temem represálias caso questionem a situação. Como a sociologia pode analisar o papel do medo e da naturalização da injustiça na manutenção de práticas abusivas no ambiente de trabalho?

4. A relação entre educação e sistema prisional: O texto se passa em uma escola dentro de uma unidade prisional, o que traz desafios específicos para o trabalho docente. Como a sociologia pode analisar a relação entre educação e sistema prisional, considerando o papel da escola na ressocialização dos detentos e os desafios enfrentados pelos professores nesse contexto?

5. O papel da mídia e da sociedade civil na luta por uma educação de qualidade: O texto mostra como a denúncia das "vaquinhas" na mídia levou à suspensão da prática e à abertura de uma sindicância. Como a sociologia pode analisar o papel da mídia e da sociedade civil na luta por uma educação de qualidade, considerando a importância da transparência e da fiscalização dos recursos públicos?

quarta-feira, 5 de março de 2025

Cicatrizes Invisíveis: Uma Crônica sobre Dignidade e Dor ("A sombra da tecnologia cai sombriamente sobre o futuro." - Don DeLillo)

 

Cicatrizes Invisíveis: Uma Crônica sobre Dignidade e Dor ("A sombra da tecnologia cai sombriamente sobre o futuro." - Don DeLillo)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Na penumbra da tela, o terror se materializa. Não se trata de monstros fantásticos ou ameaças palpáveis, mas da perversão da tecnologia, da crueldade anônima que se esconde por trás de pixels e algoritmos. Professoras, baluartes da sabedoria e da dedicação, são transformadas em mercadoria pornográfica, vítimas de uma obscenidade virtual que lhes rouba a dignidade e a paz. Na Coreia do Sul, terra da inovação tecnológica, floresce também a barbárie digital, ceifando sonhos e carreiras.

Lee Ga-eun, nome fictício escolhido para se proteger ainda mais, vivenciou essa tragédia. Por dez anos, o magistério pulsou em suas veias, a sala de aula era seu palco, o aprendizado, sua paixão. Até que, em um março fatídico, o pesadelo se instaurou. Um aluno, um rosto familiar, apresentou-lhe a ignomínia: seu rosto angelical, colado a um corpo ultrajante, uma montagem repulsiva urdida nas profundezas da internet. O *deepfake*, a fraude perfeita, escancarava a fragilidade da honra, a vulnerabilidade da alma.

A imagem, viralizada em canais sombrios do Telegram, onde a infâmia era celebrada sob a "hashtag" "humilhando professores", atingiu em cheio o coração de Ga-eun. A sala de aula, antes refúgio e deleite, transmutou-se em palco de suplício. "A cada olhar dos alunos", confessou com a voz embargada, "torturava-a a dúvida: teriam visto? Estariam a esquadrinhando em busca daquela imagem vil?". O fardo da suspeita, o peso do escárnio imaginado, tornaram insuportável a missão de educar. A licença médica, remédio amargo para a alma ferida, tornou-se refúgio, mas não alívio. O sonho de outrora, nutrido desde a infância, agoniza sob o peso da depressão e da ansiedade. Cinco comprimidos diários, uma rotina medicamentosa para aplacar a dor lancinante, a impotência que teima em não se dissipar.

Park Sehee, outra professora, viveu martírio semelhante. Em Gyeonggi, a professora de inglês viu sua imagem profanada em um site abjeto, o Dcinside. Uma foto extraída de um aplicativo escolar, instrumento de comunicação com os alunos, foi transformada em pastiche pornográfico. Seu rosto, o rosto de um homem qualquer, foram colados em corpos de macacos em cópula. A legenda, sórdida e cruel, dizia: "Park Sehee fazendo AQUILO com o filho". O choque, o asco, a fúria a invadiram. Noites em claro, o travesseiro como saco de pancadas, a raiva latejante, a impotência corrosiva. E a pergunta que martelava em sua mente: como? Como alunos, antes tão queridos, tão próximos, seriam capazes de tamanha atrocidade? A busca pelo culpado esbarrou na inércia policial, na burocracia insensível, na impunidade ululante. A desistência foi o único caminho para evitar o abismo da loucura.

A Coreia do Sul, palco dessa tragédia moderna, registra um alarmante surto de pornografia *deepfake* nas escolas. Centenas de instituições foram maculadas pela infâmia digital, milhares de vítimas silenciosas, entre alunos e professores, submergiram em um mar de vergonha e dor. Os números, frios e cruéis, escancaram a epidemia: denúncias policiais multiplicam-se exponencialmente, adolescentes e crianças engrossam as fileiras dos criminosos virtuais, escudados na impunidade etária, na falta de leis eficazes, na leniência de um sistema educacional que falha em proteger seus mestres.

Jihee, professora em Incheon, experimentou a frustração da denúncia ignorada, a revitimização institucional. Diante da inação policial, transformou-se em detetive, rastreando vestígios digitais, analisando ângulos de cadeiras, mergulhando no esgoto da própria infâmia para tentar encontrar um fio de esperança, um rastro do algoz. A saga investigativa, porém, esbarrou na burocracia, na falta de provas, na desilusão lancinante. A aluna suspeita, ao menos, respondeu por outro crime, uma migalha de justiça em meio ao oceano de impunidade.

O abandono, a solidão, o descaso. Professoras são compelidas a retornar às salas de aula, a encarar os algozes disfarçados de alunos, a conviver com o trauma, com a humilhação, com a ferida exposta. Licenças médicas são concedidas a conta-gotas, a burocracia kafkiana impera, revisões são intermináveis e indeferimentos cruéis. A transferência é uma miragem distante, utopia burocrática. "Não sei o que me consome mais", desabafou Ga-eun, "se o *deepfake* em si, ou a batalha inglória contra as autoridades educacionais".

A supervisora Kim Soon-mi, voz burocrática em meio ao caos, escancara a fragilidade do sistema: "Não há lei, não há manual, não há protocolo para amparar as vítimas, para punir os algozes, para estancar a sangria". A educação, mera formalidade, reduz-se a transferir o aluno para o fundo da sala, a sugerir o ensino domiciliar, medidas paliativas, ineficazes, irrisórias.

E a ignorância soma-se à crueldade. Pesquisas revelam a alarmante falta de consciência dos jovens sobre a gravidade da pornografia *deepfake*. Para 54% dos estudantes, é "apenas diversão", uma brincadeira macabra, um passatempo sádico, um crime banalizado. O assédio, multifacetado e perverso, espreita nos corredores, nas salas de aula, nos banheiros escolares. Câmeras espiãs, comentários lascivos, contatos físicos forçados: uma escalada de violência que se disfarça sob o manto da "brincadeira", da "inocência juvenil". A impunidade é, mais uma vez, o fermento da barbárie.

Yu Ji-woo, jovem aluna, voz dissonante em meio à algaravia da ignorância, indigna-se com a omissão do Estado, com a falta de campanhas educativas, com o silêncio ensurdecedor das autoridades. "Esperávamos educação nas escolas, conscientização nacional, mas o vazio ecoa", lamenta a adolescente, testemunha da dor da colega, vítima da sanha digital.

Chung Il-sun, burocrata do Ministério da Educação, em discurso oco e protocolar, afirma que o governo "trabalha arduamente" para combater o problema, que os alunos "agora entendem" a criminalidade do *deepfake*. Lee Yong-se, inspetor da Agência Nacional de Polícia, vangloria-se da "repressão", da "queda" no número de denúncias, como se estatísticas pudessem apagar o sofrimento das vítimas, estancar a hemorragia moral que assola as escolas sul-coreanas.

Jihee, em prantos, confessa o desejo de retroceder no tempo, de apagar a memória nefasta, de retornar à vida pregressa, à inocência roubada. Ga-eun, professora ferida, aguarda em vão o pedido de perdão dos algozes juvenis, sonha com o dia em que a justiça, tardia e claudicante, se fará presente. E o cronista, testemunha de um tempo sombrio, pergunta-se: quantas Ga-euns, quantas Sehees, quantas Jihees serão sacrificadas no altar da tecnologia descontrolada, da impunidade adolescente, da omissão estatal? Até quando a educação, instrumento de emancipação e luz, será maculada pela sombra nefasta da barbárie digital?


https://g1.globo.com/educacao/noticia/2025/03/05/um-aluno-fez-um-deepfake-porno-meu-e-minha-vida-virou-de-cabeca-para-baixo.ghtml (Acessado em 05/03/2025)


Questões discursivas baseadas no texto, explorando as ideias principais e provocando reflexões sociológicas:


1. A banalização da violência online: O texto retrata a pornografia deepfake como "apenas diversão" para muitos jovens. Como a sociologia pode explicar essa banalização da violência online? Discuta o papel da cultura digital, do anonimato e da falta de empatia nesse fenômeno.

2. O impacto da tecnologia na vida social: As professoras Ga-eun, Sehee e Jihee tiveram suas vidas profundamente afetadas pela tecnologia. Analise como a tecnologia, apesar de seus benefícios, pode gerar novas formas de violência e desigualdade na sociedade contemporânea.

3. A falha das instituições: O texto critica a inércia policial, a burocracia insensível e a omissão estatal diante dos crimes de deepfake. Como a sociologia pode explicar essa falha das instituições em proteger as vítimas? Discuta o papel do poder, da lei e da cultura organizacional nesse contexto.

4. A violência de gênero no ambiente escolar: As professoras são as principais vítimas dos crimes de deepfake no texto. Como a sociologia pode analisar a violência de gênero no ambiente escolar? Discuta o papel do machismo, da cultura do estupro e da falta de representatividade feminina nesse contexto.

5. A busca por justiça e reparação: As professoras Ga-eun, Sehee e Jihee buscam justiça e reparação após serem vítimas de crimes de deepfake. Quais são os desafios enfrentados por elas nessa busca? Discuta o papel do sistema jurídico, da mídia e da sociedade civil na luta contra a violência online.

terça-feira, 4 de março de 2025

Cipós e Memórias ("Pais permissivos produzem filhos tiranos." - Provérbio popular)

 

Cipós e Memórias ("Pais permissivos produzem filhos tiranos." - Provérbio popular)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Na vastidão do mundo, poucas coisas me entristecem tanto quanto presenciar pais amordaçados, impotentes diante de sua própria prole. Vejo-os hesitantes, temerosos de impor limites, como se a correção fosse um pecado capital, um ato de barbárie imperdoável. E, nesse abismo de frouxidão, nesse mar de condescendência, percebo a escola naufragar, o futuro se esvair pelos dedos.

Recordo-me, como se fosse ontem, das lapadas memoráveis de Dona Maria José. Não, não evoco a violência gratuita, mas a pedagogia ancestral daquela mulher de fibra, cujo método, embora rústico, era carregado de amor e propósito. Uma surra, sim, quando a ocasião clamava por rigor. E quem ousaria dizer que tais corretivos me causaram mazelas? Pelo contrário, forjaram em mim um caráter resiliente, uma bússola moral inabalável.

Jamais me esqueço daquele episódio pueril, quando meu tio José Gonçalo deu parte ao soldado Florêncio porque o filho de Dona Maria José estava atirando com garrucha, feita de pé de bicicleta, em sua privada de Duratex. Eu era o desobediente. A emoção do estampido, o buraco do chumbo no alvo e a fumaça da pólvora me cegaram, a ponto de não respeitar a propriedade alheia. Chegando em casa, o cipó de goiabeira cantou em minhas costas, não como vingança, mas como lição indelével. "Vergonha nunca matou", dizia ela, "mas a falta dela pode te levar à perdição." Ela me informou que o Soldado Florêncio tinha visitado a nossa casa por minha causa.

E assim, entre dores e ensinamentos, fui moldado. Aprendi a refrear os impulsos, a respeitar o próximo, a discernir o lícito do proibido. Lições que a rua, em sua crueza implacável, jamais ensinaria com tamanha precisão. Hoje, observo pais reféns dos próprios filhos, justificando a leniência com discursos modernosos, ignorando que a ausência de limites pavimenta o caminho para a delinquência, para o caos social.

A correção firme, temperada pela justiça e pelo afeto, sempre foi e sempre será o alicerce da formação humana. O que se esvai não é apenas a autoridade parental, mas a compreensão de que o limite, longe de ser um grilhão, é o leme que orienta a embarcação da vida. No tempo de outrora, um olhar reprovador bastava, pois o respeito era moeda corrente. Hoje, o excesso de zelo descamba para a omissão, para o abandono disfarçado de proteção. Se a família abdica de educar, a rua assume o bastão, com métodos brutais e sequelas profundas. Urge, portanto, uma reflexão coletiva: estamos, de fato, protegendo nossas crianças, ou apenas lhes legando um futuro de incertezas e ilusões?

E o povo, na sabedoria ancestral das ruas, conclama: "Antigamente, meu amigo, era cipó de marmeleiro e pronto! Menino aprendia na carne o que era respeito. Hoje, qualquer coisinha é 'trauma', 'bullying', 'agressão'. Mas me diga, a bandidagem lá na frente vai ter paciência de dar sermão? A rua educa sem manual, e a conta chega, amarga e salgada. O mundo virou de pernas pro ar mesmo!"

E eu, testemunha ocular dessa metamorfose social, pergunto-me: até quando insistiremos nesse equívoco? Até quando trocaremos a bússola da disciplina pela deriva da permissividade? A rua, lócus da barbárie travestida de liberdade, aguarda faminta, pronta a engolir os filhos que a escola e a família, em conluio silencioso, se recusam a educar. Urge resgatarmos a coragem de corrigir, de orientar, de amar com firmeza, pois o futuro de nossos jovens, e da sociedade que almejamos construir, depende dessa urgente e inadiável retomada de responsabilidade.


Preparei 5 questões discursivas e simples para você refletir sobre a temática da disciplina e da educação sob a perspectiva da sociologia:


1. A crônica descreve uma mudança nas práticas parentais, contrastando a "frouxidão" e "condescendência" atuais com a "pedagogia ancestral" baseada na correção firme. Sob a perspectiva da sociologia da educação, como podemos analisar essa transformação nas abordagens disciplinares ao longo do tempo? Quais fatores sociais, culturais e históricos podem ter contribuído para essa mudança nas práticas de criação de filhos?

2. O autor da crônica valoriza a disciplina como "alicerce da formação humana" e critica a ausência de limites como um caminho para a "delinquência" e o "caos social". De que maneira a sociologia do desvio e da criminalidade pode nos ajudar a analisar a relação entre disciplina, socialização e comportamento desviante? A ausência de disciplina familiar e escolar pode ser considerada um fator determinante para o aumento da criminalidade e da desordem social?

3. O texto evoca a figura de "Dona Maria José" e o uso do "cipó de goiabeira" como métodos de correção, associando-os à formação de um "caráter resiliente" e uma "bússola moral inabalável". Sob a ótica da sociologia da família e da infância, como podemos analisar o papel da disciplina física na educação? Quais os possíveis impactos da violência física na formação da personalidade e no desenvolvimento social das crianças, considerando diferentes perspectivas teóricas e evidências empíricas?

4. A crônica apresenta um contraste entre a educação familiar e a "educação da rua", sugerindo que, na ausência da primeira, a segunda se impõe de forma "brutal" e com "sequelas profundas". De que maneira a sociologia urbana pode nos ajudar a compreender a "rua" como um espaço de socialização e educação? Quais os diferentes papéis e influências da família, da escola e da rua na formação dos jovens em diferentes contextos sociais e urbanos?

5. Em suma, o texto conclama a "resgatarmos a coragem de corrigir, de orientar, de amar com firmeza", argumentando que o futuro da sociedade depende dessa "retomada de responsabilidade". Em sua opinião, quais seriam os desafios e as possibilidades de se promover uma "retomada da responsabilidade" na educação contemporânea, conciliando a necessidade de disciplina e limites com os princípios de respeito, diálogo e autonomia na formação das novas gerações? Como a sociologia pode contribuir para repensarmos as práticas educativas e construirmos sociedades mais justas e equilibradas?

domingo, 2 de março de 2025

ANTIFARISEU — Ensaio Teológico VIII(5) “A Mente Aberta: O Caminho para a Verdadeira Sabedoria”

 Ensaio 



ANTIFARISEU — Ensaio Teológico VIII(5) “A Mente Aberta: O Caminho para a Verdadeira Sabedoria”

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A sabedoria, conquistada por meio do conhecimento e da experiência, não pode ser imposta. O discurso evangélico fanático propõe uma visão unilateral desse conceito, baseando-se exclusivamente em preceitos religiosos e citações bíblicas. No entanto, essa abordagem carece de uma perspectiva mais ampla e atualizada. Como afirma Provérbios 1:7, "O temor do Senhor é o princípio do conhecimento, mas os insensatos desprezam a sabedoria e a instrução."

Bertrand Russell, um dos mais notáveis filósofos do século XX, observou que "O todo é algo além da parte, e na mais absoluta confiança há sempre uma parcela de ceticismo." Sua reflexão destaca a importância de questionar crenças estabelecidas e buscar a verdade por meio do pensamento crítico e do ceticismo saudável.

O conhecimento contemporâneo se sustenta sobre os alicerces do passado, mas também se renova com descobertas e reflexões do presente. Carl Sagan, renomado cientista e divulgador da ciência, afirmou que "A sabedoria é filha das desilusões, não do princípio da autoridade." Essa perspectiva reforça a necessidade de aprender com os erros e superar as limitações do pensamento dogmático.

A verdadeira sabedoria não está na aceitação cega de preceitos religiosos ou na mera repetição de citações de autoridades, mas na capacidade de cultivar uma mente aberta e inquisitiva. Albert Einstein, um dos maiores gênios da física, afirmou: "A mente é como um pára-quedas. Ela só funciona quando está aberta." Sua metáfora ilustra a importância de estar receptivo ao novo e ao desconhecido.

Além disso, a sabedoria não é um destino final, mas uma jornada contínua de aprendizado e transformação. Como Sócrates afirmou: "Só sei que nada sei." Essa humildade intelectual reconhece os limites do conhecimento humano e a necessidade de estar sempre disposto a aprender e evoluir.

Em suma, a busca pela sabedoria deve ser guiada pelo ceticismo saudável, pela mente aberta e pela humildade intelectual. Ao contrário da visão imposta pelas igrejas, a sabedoria não é uma verdade absoluta e imutável, mas um processo dinâmico de questionamento, aprendizado e crescimento contínuo. Como nos lembra Tiago 1:5, "Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não censura, e ser-lhe-á dada."


Preparei 5 questões discursivas e simples para estimular a reflexão sociológica sobre a natureza da sabedoria e do conhecimento em diferentes contextos sociais:


1. O texto contrasta uma visão religiosa dogmática da sabedoria com uma perspectiva mais laica e crítica, baseada no ceticismo e na abertura intelectual. Sob a ótica da sociologia do conhecimento, como podemos analisar essa tensão entre diferentes formas de conceber e buscar a sabedoria? Quais os papéis da religião, da ciência e da filosofia na construção de diferentes regimes de verdade e sabedoria em sociedades diversas?

2. A crônica argumenta que "a sabedoria, conquistada por meio do conhecimento e da experiência, não pode ser imposta", criticando a visão "unilateral" do discurso evangélico fanático. De que maneira a sociologia do poder e da cultura pode nos ajudar a compreender como diferentes grupos sociais e instituições disputam a autoridade na definição e imposição de determinadas formas de "sabedoria"? Como a imposição de uma visão única de sabedoria pode gerar exclusão e conflitos sociais?

3. O texto valoriza o "pensamento crítico", o "ceticismo saudável" e a "mente aberta" como elementos essenciais na busca pela sabedoria, contrapondo-se à "aceitação cega de preceitos religiosos ou à mera repetição de citações de autoridades". Como a sociologia da educação pode analisar o papel da escola e de outras instituições na promoção do pensamento crítico e da autonomia intelectual dos indivíduos? Quais os desafios e obstáculos sociais e culturais para o desenvolvimento de uma cultura de questionamento e abertura ao novo?

4. A crônica cita diversos autores, como Bertrand Russell, Carl Sagan, Albert Einstein e Sócrates, para sustentar sua visão de sabedoria como um processo dinâmico e aberto. De que maneira a sociologia da ciência e da cultura pode nos ajudar a compreender como diferentes figuras de autoridade intelectual (filósofos, cientistas, líderes religiosos, etc.) influenciam a construção e a disseminação de diferentes concepções de sabedoria e conhecimento na sociedade? Como o reconhecimento da pluralidade de autoridades intelectuais pode enriquecer o debate público sobre temas complexos e controversos?

5. Em suma, o texto defende que "a verdadeira sabedoria não é um destino final, mas uma jornada contínua de aprendizado e transformação", citando a humildade socrática ("Só sei que nada sei"). Na sua perspectiva sociológica, como podemos analisar a importância da humildade intelectual e do reconhecimento dos limites do conhecimento humano na busca por uma sabedoria mais ampla e inclusiva? De que maneira a valorização da dúvida e da incerteza pode contribuir para o diálogo intercultural e para a construção de sociedades mais tolerantes e abertas à diversidade de saberes e visões de mundo?