À Beira do Esgotamento: Confissões de um Professor ("O reconhecimento é um banquete que se serve aos mortos." - Provérbio popular )
Hoje li uma notícia que me fez rir de nervoso: um estudo da Universidade Federal de São Paulo concluiu que um terço dos professores da Educação Básica sofre de Burnout. "Um terço?" Joguei a cabeça para trás numa gargalhada amarga que ecoou pelas paredes da sala vazia dos professores.
Quem são esses outros dois terços privilegiados? Na minha escola, parece que a proporção é inversa: a cada três, quatro já acendem velas para o próprio funeral profissional.
Fevereiro mal terminou e já vejo nos olhos dos meus colegas recém-chegados o cansaço que costumava aparecer só em novembro. Cadê aquele brilho de quem começa o ano letivo cheio de planos e expectativas? Evaporou como orvalho sob o sol inclemente da nossa realidade.
Esta manhã, enquanto tomava apressadamente meu café, me peguei estudando o calendário escolar não para planejar aulas, mas para mapear os próximos feriados como quem traça rotas de fuga. O Carnaval mal passou e já estou contando os dias para a próxima pausa — pequenos oásis num deserto, este que parece se estender infinitamente.
Curioso como meu corpo aprendeu a antecipar o cansaço. Programo meu esgotamento futuro com a mesma precisão que programo minhas aulas. "Aqui, nesta quinta-feira de março, terei uma crise de ansiedade; então entre a primeira e a segunda aula, reservarei três minutos no banheiro para me recompor."
Os carros têm luzes no painel que acendem quando algo não vai bem. Nós, professores, funcionamos sem esse sistema de alerta. Vamos rodando sem óleo, engasgando, superaquecendo, até que um dia simplesmente paramos de funcionar.
Não conheço pessoalmente esse tal de "Burnout", mas tenho certeza de que sou mais íntima do cansaço do que ele o é. Se tem algo que se espalha com mais eficiência que piolho nas escolas, é o desânimo e as dívidas de consignado. Ambos coçam, incomodam e parecem impossíveis de eliminar completamente.
A sala de aula é um vampiro energético. Suga nossas forças com uma voracidade impressionante. Um ano lecionando equivale a seis de vida normal — isso não é cálculo oficial, é percepção de quem sente na pele. Como aqueles aparelhos que medem a "idade biológica", deveríamos ter um que medisse a "idade docente". Tenho 65 anos no RG e uns 87 na alma professoral.
E a cada ano fica mais intenso. A inclusão aumenta (o que é maravilhoso), mas o suporte diminui (o que é trágico). Diretores cobram resultados, alunos desafiam limites, pais transferem responsabilidades e o governo? Ah, o governo apenas observa de longe, oferecendo palmas no Dia do Professor e migalhas no contracheque.
Não sou professor de matemática, mas até eu sei que essa conta não fecha. E para provar que não estou exagerando, basta olhar ao redor: vejo colegas engolindo ansiolíticos com o café da manhã, outros abandonando a profissão que escolheram com amor e alguns simplesmente existindo entre uma aula e outra, como fantasmas de quem um dia foram.
Enquanto escrevo estas linhas, pergunto-me quantos de nós sobreviverão até dezembro sem desabar. Somos equilibristas em uma corda bamba cada vez mais fina, carregando nas costas não apenas nossos fardos, mas o peso de um sistema que nos valoriza em discursos e nos abandona na prática.
Para quem lê esta crônica e não é professor: imagine trabalhar incansavelmente sabendo que, não importa o quanto se esforce, nunca será suficiente. Agora multiplique essa sensação por duzentos dias letivos.
Para meus colegas de profissão que estão lendo: vocês não estão sozinhos neste esgotamento. Estamos todos juntos neste barco que parece furar um pouco mais a cada onda.
E para mim mesmo: respire. Um dia após o outro. Um feriado após o outro. E talvez, apenas talvez, descubramos como pertencer àqueles misteriosos dois terços que, segundo a pesquisa, ainda não sucumbiram.
Por enquanto, sigo contando feriados e sonhando com julho.
Aqui estão 5 questões discursivas baseadas no texto, explorando as ideias principais e provocando reflexões sociológicas:
1. A Síndrome de Burnout e a precarização do trabalho docente: O texto aborda a alta incidência de Burnout entre professores da educação básica. Como a sociologia pode analisar a relação entre a precarização do trabalho docente (salários defasados, falta de suporte, etc.) e o desenvolvimento dessa síndrome?
2. O papel das instituições na saúde mental dos professores: O texto critica a falta de suporte e reconhecimento por parte das instituições (escola, governo, etc.). Como a sociologia pode analisar o papel das instituições na promoção da saúde mental dos professores e na prevenção do Burnout?
3. A naturalização do sofrimento e a cultura do esgotamento: O texto mostra como o sofrimento e o esgotamento são naturalizados no ambiente escolar. Como a sociologia pode analisar a construção social da "cultura do esgotamento" e seus impactos na saúde mental dos professores?
4. A relação entre inclusão e sobrecarga de trabalho: O texto aponta para a contradição entre o aumento da inclusão e a diminuição do suporte. Como a sociologia pode analisar os desafios da inclusão no contexto escolar e seus impactos na sobrecarga de trabalho dos professores?
5. O papel da sociedade na valorização do professor: O texto critica a falta de valorização do professor pela sociedade. Como a sociologia pode analisar o papel da sociedade na construção da imagem do professor e na promoção de uma cultura de valorização do trabalho docente?