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MINHAS PÉROLAS

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

O Espetáculo da Denúncia e a Crise Moral na Educação ("Um homem não denuncia o outro se não sentir raiva, mas uma mulher faz isso simplesmente por fazer". — Daniela Godoi)

 


O Espetáculo da Denúncia e a Crise Moral na Educação ("Um homem não denuncia o outro se não sentir raiva, mas uma mulher faz isso simplesmente por fazer". — Daniela Godoi)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Sempre me surpreendeu a facilidade com que alguns me rotulavam de "velho tarado". Bastava um elogio ou um olhar mais atento para que interpretassem tudo como pretensão ou ameaça, numa leviandade comparável à injustiça de chamarem o presidente Bolsonaro de pedófilo. Eu apenas buscava ser aceito; contudo, provocava o ciúme de indivíduos que, sob máscaras de falso moralismo, cultivavam a falsa alegria do "ficar" e alimentavam a própria insegurança. Eram guardiões de uma cortina de fumaça, incapazes de enganar a si mesmos, cujo interesse pelo ensino ou pela aprendizagem jamais ultrapassava o nível das aparências.

Com o tempo, compreendi melhor a lógica desse cenário: para muitos da "geração mimimi", apenas denunciar já não basta — é preciso escandalizar. O microscópio moral que carregam amplia irrelevâncias, mas os cega para o essencial, como sugeriu Philip Chesterfield. Denunciam não por zelo, mas por vingança, ressentimento ou pura malícia, num ciclo em que pais e alunos repetem o gesto com a mesma sede de acusação.

Pais que deveriam ser parceiros tornam-se juízes parciais: eles filtram pequenas falhas e engolem grandes absurdos, devolvendo aos professores um veneno que depois será realimentado. Antes, delatores eram punidos por sua covardia; hoje, a delação tornou-se hábito institucional, exigência burocrática e combustível para ódios silenciosos. É uma forma de ferir a alma alheia sob o pretexto de justiça.

Nesse ambiente distorcido, muitos órgãos públicos só se movem ao som de uma denúncia, como se a acusação fosse a principal engrenagem do trabalho. O resultado é um sistema onde a ética se confunde com espetáculo, e a culpa recai sempre sobre quem tenta manter alguma integridade. O delator, ao espalhar rumores e histórias maliciosas, comete um assassinato moral motivado pelo ódio. Embora a sociedade pareça ter esquecido esse pecado, ele permanece vivo nos efeitos que produz e que jamais são esquecidos por quem os sofre.

Não surpreende, portanto, que orientadores educacionais insistam em atacar moinhos de vento, transferindo ao professor a responsabilidade pelo fracasso de um sistema que desmorona pelas mãos de pais descrentes e de alunos indiferentes.

Lembro-me do indeferimento da minha aposentadoria: um processo engavetado e julgado sob critérios movidos por ressentimento, como se minha saída digna fosse incômoda demais para ser permitida. Permaneci trabalhando, aguardando a próxima denúncia que justificaria a inércia de quem deveria apenas cumprir seu dever. No fundo, todo esse cenário revela uma verdade incômoda: não há pecado maior do que trair a confiança de quem acredita em você — e a educação tem sido repetidamente traída por aqueles que deveriam defendê-la.


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Sou o professor de Sociologia e, com base nesta crônica, vamos refletir sobre como as relações sociais e a moralidade pública se manifestam e se distorcem no ambiente escolar. Preparei 5 questões discursivas para estimular a análise crítica dos conceitos presentes no texto.

Questão 1: Estigma e Rótulos Sociais

O autor relata ter sido rotulado de “velho tarado” com base em interpretações superficiais. Na Sociologia, o que é estigma social? Explique como a facilidade com que esses rótulos são aplicados na escola afeta a identidade profissional do professor e as interações sociais.

Questão 2: A Denúncia como Espetáculo e Institucionalização

O texto afirma que, hoje, a delacão se tornou “hábito institucional” e que a ética se confunde com “espetáculo”. Discuta o conceito de moralidade pública e cultura do espetáculo na sociedade contemporânea. De que forma a transformação da denúncia em uma "exigência burocrática" e "espetáculo" fragiliza a busca real pela justiça e fomenta o "assassinato moral"?

Questão 3: Desvio de Foco e Burocratização da Culpa

O autor critica que órgãos públicos só agem mediante a denúncia e que orientadores transferem ao professor a responsabilidade pelo fracasso do sistema. Analise essa prática à luz da Sociologia das Organizações. Por que o foco excessivo na denúncia externa e a transferência da culpa para o indivíduo (professor) funcionam como uma estratégia para encobrir as falhas sistêmicas e estruturais da própria instituição de ensino?

Questão 4: Relações de Poder e Falso Moralismo

O texto associa o comportamento acusatório de alguns indivíduos ao "falso moralismo" e ao ciúme, motivados por insegurança ou ressentimento. Explique como o moralismo pode ser utilizado como uma ferramenta de poder nas relações sociais (principalmente entre pais/alunos e professores), servindo para mascarar inseguranças e tentar impor uma posição hierárquica, em vez de buscar o diálogo construtivo sobre o aprendizado.

Questão 5: Consequências do Ressentimento no Sistema

O autor relaciona o indeferimento de sua aposentadoria a critérios movidos por ressentimento. Considerando as ideias de Max Weber sobre a administração burocrática e legal, explique como a interferência de emoções e ressentimentos pessoais (critérios irracionais) em decisões institucionais (como aposentadoria ou processos disciplinares) corrói a impessoalidade e a integridade do sistema de educação.

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