"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

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MINHAS PÉROLAS

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Cultura da Usurpação e o Custo do Gratuito ("O passado é um retardatário, serve apenas de distração, atrasando as conquistas que estão na linha de chegada desta corrida chamada vida." — Anderson Alves)

 


A Cultura da Usurpação e o Custo do Gratuito ("O passado é um retardatário, serve apenas de distração, atrasando as conquistas que estão na linha de chegada desta corrida chamada vida." — Anderson Alves)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

No velho normal, a escola pública tinha ar condicionado instalado nas salas. Ali, com 30 alunos divididos em opinião: liga ou desliga durante a aula. Os desforradores dos bens públicos, com espírito de compensação por entenderem que pagam imposto, ligam o aparelho no 12, mesmo que esteja fazendo frio. O professor, falando com dificuldade de respirar, sabe que ai dele se pedir para desligá-lo: atrairá o ódio e a repulsa de muitos dos alunos. E a aula ainda será perturbada pelos que não querem o ar condicionado; insultam-se entre si e, fazendo pressão, gritam para o professor mandar desligar, como se o controle eletrônico estivesse na mão dele, quando na verdade está na mão do usurpador da liderança: o representante de classe que toma um dos partidos em questão.

O professor, sufocado entre a fumaça invisível da indisciplina e o ar gelado que lhe corta o peito, já não encontra fôlego para ensinar. Carrega nos olhos a exaustão de quem luta todos os dias contra forças que não estão apenas na sala, mas na cultura do desrespeito. Ele respira curto, quase pedindo socorro, e percebe que cada palavra sua é disputada pelo barulho da desordem. Não é apenas o corpo que se curva diante do frio artificial, mas a alma que se inclina sob a certeza de que sua autoridade foi leiloada ao menor lance da vaidade estudantil.

Eis o retrato cruel: a sala de aula, que deveria ser espaço de aprendizado, transforma-se em arena onde o professor, vencido pela fadiga, deixa de ser mestre para tornar-se alvo. Se a educação tivesse a coragem de enfrentar seus próprios vícios — o comodismo, a falta de limites, a crença de que tudo é devido sem esforço — talvez o cansaço desse homem não fosse tão devastador. A verdadeira reforma não está em instalar máquinas ou distribuir benefícios, mas em cultivar disciplina, respeito e responsabilidade. Sem isso, qualquer recurso tecnológico será apenas um luxo inútil, uma ferramenta de discórdia em mãos imaturas.

Pois é, colocar os aparelhos de ar condicionado e não usar não tem sentido, né? E o que é mais importante? Assim como o limoeiro da calçada tem que suportar o peso do marmanjo viciado na alegria da gratuidade, tirando o limão ainda verde, mesmo que não o sirva, ele quer ser o primeiro beneficiado. E nem se importa com o cachorro daquela residência espumando de tanto latir, já que também nem se importa com os olhares de reprovação dos transeuntes daquela rua. Pessoas viciadas no gratuito não sabem votar no melhor candidato, elas estão à venda. Como lembrou o escritor Orson Scott Card, ao ironizar a natureza da escolha coletiva: “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre, não importa quantos porcos ele já tenha abatido no recinto ao lado.” São esses "porcos" que nos dão a péssima liderança que temos. Uns atrasando os outros.


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O texto que acabamos de ler nos apresenta uma reflexão poderosa sobre as dinâmicas sociais dentro e fora da sala de aula. Ele levanta questões importantes sobre o uso de bens públicos, a autoridade do professor e a relação entre o comportamento individual e a qualidade da liderança política. Como bons sociólogos, vamos analisar as camadas mais profundas dessas observações. Preparem-se para responder as questões a seguir, utilizando os conceitos trabalhados em nossas aulas.


1. Bem Público e Conflito de Interesses:

O texto descreve alunos que ligam o ar-condicionado no grau máximo, justificando a atitude por "entenderem que pagam imposto". Como a Sociologia define o conceito de Bem Público? Explique como a atitude descrita no texto representa um conflito entre o interesse individual e o bem-estar coletivo dentro de um espaço social.

2. Autoridade e Desordem Social:

O professor, na sala de aula, tem sua autoridade desafiada e usurpada pelo representante de classe. Analise a crise da autoridade do professor sob a ótica da cultura do desrespeito mencionada no texto. Que impacto essa desordem tem sobre o papel da Instituição Escolar como agente de socialização e transmissão de valores?

3. A Cultura da Gratuidade e o Comportamento Cívico:

O texto traça um paralelo entre o uso irresponsável do ar-condicionado, o roubo do "limão ainda verde" e a incapacidade de "votar no melhor candidato". Utilizando o conceito de Comportamento Cívico e Responsabilidade Social, explique a crítica do autor: por que o "vício no gratuito" estaria ligado à péssima qualidade da liderança política?

4. O Professor como Vítima de Estruturas Sociais:

O professor é retratado como "sufocado" e com sua "alma inclinada" diante da desordem. O cansaço dele é atribuído não só à falta de disciplina dos alunos, mas a "forças que não estão apenas na sala, mas na cultura do desrespeito". Com base na sua leitura do texto, quais são as estruturas sociais mais amplas (como comodismo, falta de limites, etc.) que minam a sua atuação, transformando a sala de aula em uma "arena"?

5. Metáfora Política e Racionalidade da Escolha:

A citação de Orson Scott Card (“Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de comida seria eleito sempre...”) é usada como analogia para explicar a liderança que temos. Explique o que essa metáfora sugere sobre a Racionalidade da Escolha Política e o papel do benefício imediato e individual (o "balde de comida") no processo eleitoral, em detrimento do bem-estar social a longo prazo.

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A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

 


A Cegueira da Pandemia da Covid-19 ("A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente." — José Saramago)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

A leitura de José Saramago — Ensaio Sobre a Cegueira — revelou-me um paralelo estarrecedor: a pandemia da cegueira no romance espelha a pandemia da Covid-19, servindo como uma poderosa metáfora para a cegueira mental e suas devastadoras consequências em nossa sociedade.

O distanciamento imposto pela crise sanitária concedeu-me tempo para observar o boom dos vendedores de curso online. Estes profissionais oferecem, de modo abundante, “todo conhecimento do mundo”, chegando ao paradoxo de ensinar a vender o próprio curso! Na angústia e no “buraco negro” da situação, floresceram os chamados metacursos, que, ironicamente, mais cegam a mente do que a iluminam. Embora muitos chamem isso de trabalho e ganhem fortunas — pois sempre há quem se deixe iludir —, a validade é questionável. Um diploma obtido por correspondência ou via plataformas digitais não credencia da mesma forma que os métodos presenciais, onde a contemplação do exemplo vivo gera valores e credibilidade insubstituíveis.

Não falo apenas de abstrações: multiplicaram-se treinamentos para “ficar rico em 7 dias”, fórmulas mágicas de marketing digital, gurus prometendo a vida dos sonhos em lives cuidadosamente editadas. É verdade que a educação online, quando bem conduzida e aliada à prática, pode democratizar o acesso e oferecer oportunidades reais de crescimento. No entanto, a enxurrada de falsos atalhos fez a balança pender para a ilusão. Entre o diploma que exige convivência, suor e exemplo, e o certificado que se compra com cliques, abre-se um abismo. E é exatamente nesse hiato que a metáfora da cegueira começa a revelar sua força: não se trata apenas de não enxergar, mas de confundir brilho com luz, quantidade com conhecimento.

É justamente neste ponto que a metáfora da cegueira atinge sua profundidade máxima. Saramago a descreve como uma “cegueira branca, promissora brancura do leite”, tão inútil quanto a “cegueira preta da noite, faltando conhecimento.” A brancura representa o excesso de informação fácil e superficial que nos deslumbra, uma claridade que encandeia, mas não revela. O conhecimento abundante e fácil da internet torna-se barato e, consequentemente, deficiente nos cursos a distância.

A pandemia do Coronavírus, ao estimular o uso da internet, expôs a ironia da modernidade: uma de suas sequelas mais agravadas é o colapso da memória, e a prática mais comum ainda é o simples selecionar, copiar e colar. A mente, como a máquina, necessita de exercício constante: “Toda máquina parada enferruja, e bateria inativa descarrega, seca e se colam as placas.”

Em essência, a recusa em ver de fato leva à perda dos olhos, à perda da capacidade crítica. O problema não é o que nos falta, mas o que escolhemos não processar.

Assim, ecoa a pergunta atemporal que nos confronta com nossa própria inércia:

“Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem” SIC. (José Saramago).


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Discutindo o texto tão potente que liga literatura, pandemia e sociedade. Como seu professor de Sociologia, vejo neste ensaio uma excelente oportunidade para analisarmos criticamente as transformações sociais recentes, especialmente a forma como o conhecimento é produzido, distribuído e consumido. Preparem-se para refletir sobre as ideias centrais do texto! Abaixo, listo 5 questões discursivas e simples que servirão para orientar nossa discussão e aprofundar a compreensão dos fenômenos sociais abordados.


1 - Metáfora e Crise Social: O texto utiliza a cegueira do romance de Saramago como uma metáfora para a cegueira mental na pandemia da Covid-19. Explique, com base no texto, o que significa essa "cegueira mental" e como a crise sanitária contribuiu para expô-la.

2 - Mercantilização do Conhecimento: O autor critica o "boom dos vendedores de curso online" e os "metacursos". De que forma essa proliferação de cursos, muitas vezes vazios, pode ser vista como um reflexo da mercantilização do conhecimento na sociedade contemporânea?

3 - Valorização do Método Presencial: O texto afirma que o método presencial, com a "contemplação do exemplo vivo", gera "valores e credibilidade insubstituíveis". Do ponto de vista sociológico, qual é a importância da interação social direta e da experiência prática (citadas no texto como "convivência, suor e exemplo") para a formação de um indivíduo crítico?

4 - Informação Abundante vs. Conhecimento Crítico: O ensaio compara a "cegueira branca" de Saramago — o "excesso de informação fácil e superficial" — com a deficiência dos cursos a distância. Explique a diferença sociológica e educacional entre ter acesso à informação (abundância) e possuir conhecimento crítico (capacidade de processar e discernir a informação).

5 - Passividade Intelectual e Tecnologia: O autor menciona que a prática de "selecionar, copiar e colar" e o "colapso da memória" são sequelas da modernidade tecnológica. Relacione a metáfora da "máquina parada que enferruja" com o perigo da passividade intelectual e a perda da capacidade crítica na Era Digital.

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segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A Tirania da Burocracia e a Falência do Ensino ("Um bom exemplo é o melhor sermão." — (Benjamin Franklin)

 


domingo, 25 de setembro de 2022

A Farsa do "Autor Desconhecido" ("Quando se rouba de um autor, chama-se plágio; quando se rouba de muitos, chama-se pesquisa." — (Wilson Mizner)


 

A Farsa do "Autor Desconhecido" ("Quando se rouba de um autor, chama-se plágio; quando se rouba de muitos, chama-se pesquisa." — (Wilson Mizner)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

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A COVID-19 SÓ MATA ÍMPIO ("A pandemia penetra somente em corpos incompatíveis com a vibração do amor ao próximo." — Melissa Tobias.)

 


A COVID-19 SÓ MATA ÍMPIO ("A pandemia penetra somente em corpos incompatíveis com a vibração do amor ao próximo." — Melissa Tobias.)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Se a COVID-19 é uma praga destinada ao fim dos tempos, por que vi pessoas boas morrendo? No julgamento imediato, elas eram, sim, boas. Mas, como advertiu Georges Bernanos: "Que Deus nos proteja dos santos!". Ao refletir sobre Êxodo 20:5, recordo: "Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam...". Esse versículo reforça em mim a certeza de que o critério divino é, de fato, compreensivo e justo.

Pessoas não mudam o próprio caráter. O apóstolo Paulo se converteu? Jeremias 13:23 já questionava: "Pode o etíope mudar a sua pele? Pode o leopardo alterar as suas pintas? Assim também, podereis vós fazer o bem, estando tão habituados à prática do mal?" Se o salário do pecado é a morte, a progressão da impiedade se interrompe na punição última. Em Romanos 9:22-23, Paulo fala em “vasos de ira, preparados para a perdição” e “vasos de misericórdia, preparados de antemão para a glória”. Não seria isso uma dupla predestinação — uns para a salvação, outros para a perdição? Não sei se Paulo era bom fingindo-se de mau sem Cristo ou mau fingindo-se de bom com Cristo. O que sei é que existem pessoas más fingindo-se de boas, muitas vezes descendentes de inimigos de Deus. Provérbios 16:4 confirma: "O SENHOR criou tudo o que existe com um propósito definido; até mesmo os ímpios para o dia do castigo."

Assim como as pragas do Egito atingiram apenas os egípcios, poupando os israelitas, a COVID-19 parece mirar os ímpios. Aqueles que, embora considerados maus, não sucumbiram ao vírus, talvez tenham sobrevivido pelo crédito dos pais e avós, amigos de Deus e obedientes aos Seus mandamentos. Êxodo 20:6 ilumina essa questão: "Mas que também ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos." Eis por que a praga não mata algumas pessoas que julgamos ruins.

Quando falo de “ímpios”, refiro-me a ladrões, perseguidores e usurários. A praga veio para "detonar o deus 'Mamom'", e ainda se agravará para destruir todos os adoradores dos "bezerros de ouro", silenciando a idolatria da ganância. A advertência de Isaías 3:11 é inequívoca: "Mas ai do ímpio! Do homem que pratica o mal. Tudo lhe irá mal. Eis que será tratado na mesma medida de suas ações malignas." Deus abrevia os dias daqueles que sofrem a ponto de perder a capacidade de amar. Estaria isso acontecendo com os viciados no pecado?

Melissa Tobias, em A Realidade de Madlu, descreve uma visão que ecoa esse raciocínio: “Em 2020, quando a Terceira Realidade terminou de envolver todo o planeta Terra, uma pandemia global matou mais de três bilhões de terráqueos. Foi um momento muito caótico que durou dois anos. Foi uma pandemia viral psicossomática que penetrava somente em corpos incompatíveis com a vibração de amor ao próximo. Não havia para onde fugir”.

A vacina não é remédio; é prevenção. O irônico é que essa prevenção também traz efeitos colaterais, semelhantes aos da própria doença. Mas a ciência já aponta para outra forma de imunidade: "Pesquisas indicam que trabalhos voluntários altruístas estimulam a alegria, aliviam as tristezas e aumentam a imunidade, evitando doenças." Eis a oportunidade de transformar a dor em caminho, o sofrimento em cura, ajudando uns aos outros. A verdadeira vacina talvez seja essa: a que nasce do amor e da caridade, e não apenas da seringa.


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Com base no texto que lemos, que nos convida a pensar sobre a pandemia da COVID-19 sob uma perspectiva bastante peculiar, preparei 5 questões para a nossa próxima aula. Quero que vocês reflitam sobre como as ideias apresentadas se conectam com os conceitos que estudamos em Sociologia. A ideia é que vocês explorem, com suas próprias palavras, as relações entre os fenômenos sociais, as crenças e os valores que estruturam a nossa sociedade.


1 - O texto sugere que a COVID-19 pode ser vista como uma "praga" que atinge principalmente os "ímpios". A partir de uma análise sociológica, como podemos interpretar a busca por explicações religiosas para um evento de saúde pública, como uma pandemia?

2 - A passagem bíblica de Êxodo 20:5, citada no texto, fala sobre a "iniquidade dos pais" que é punida nos filhos. Discuta como essa ideia de uma punição hereditária se choca ou se alinha com o conceito de responsabilidade individual, tão valorizado na sociedade moderna.

3 - O autor do texto se refere aos "ímpios" como "ladrões, perseguidores e usurários", e à praga como uma forma de "detonar o deus 'Mamom'". Explique como o texto utiliza a religião para fazer uma crítica ao consumismo e à ganância, que são características de nossa sociedade.

4 - O texto questiona a ideia de que "pessoas não mudam o próprio caráter". Em sua opinião, o que a Sociologia nos diz sobre a possibilidade de mudança no comportamento humano e nas estruturas sociais?

5 - No final do texto, a prática do trabalho voluntário e do altruísmo é apontada como uma forma de "aumentar a imunidade". Relacione essa afirmação com o conceito de solidariedade social, proposto por Émile Durkheim, e discuta a importância das ações coletivas para o bem-estar de uma comunidade.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

COM ARBÍTRIO OU SEM ARBÍTRIO ("De que vale o livre-arbítrio se somos forçados a ser igual." (Samara Cirino)

 


COM ARBÍTRIO OU SEM ARBÍTRIO ("De que vale o livre-arbítrio se somos forçados a ser igual." (Samara Cirino)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Eu queria ter, de fato, o tal livre-arbítrio que a igreja insiste em me vender, como se fosse um presente divino. Dizem que posso escolher o caminho, mas não vejo trilhas paralelas nem bifurcações. A estrada é única, e nela caminhamos na mesma direção. O bem e o mal não se opõem em rotas separadas; eles se intercalam, como as listras de uma zebra que fazem sombras e claridades no caminho. O ponto final pode chegar a qualquer momento. Uns encerram a jornada no branco, outros, no preto: céu ou inferno. A vida, afinal, é como uma roleta: ninguém escolhe nem o início, nem o fim. O dono da banca roda, e o destino decide onde a sorte vai parar.

Essa via única é cruel, mas também instrutiva. Nela, ninguém caminha apenas na claridade ou somente nas trevas. Todos atravessam zonas mistas, uma tessitura irregular que ora se ilumina, ora se apaga. A igreja, mesmo que minta ao me oferecer um livre-arbítrio ilusório, entrega símbolos que ajudam a decifrar essa jornada, ainda que o custo seja alto. Mas os novos inquisidores repetem a mesma soberba do púlpito, impondo-me bandeiras que não escolhi.

E, no entanto, querem me arrastar para as disputas da ideologia de gênero. Pergunto-me por que precisam me rotular como racista, homofóbico ou discriminador, apoiados apenas em seus próprios referenciais. Argumentos sociais da moda tentam me seduzir, e temo não agradá-los. Forçam-me a negar a mim mesmo, sob acusações contraditórias: se sou "velho pra frente", desejam que eu seja também gagá, embalado pelos ventos de suas impressões.

Sem ter para onde correr, resta-me aceitar, a contragosto, suas facções esquerdistas para conviver em paz. Eles se tornaram maioria quando se uniram, esmagando os princípios que eu guardava. Rendo-me, por vezes, como Caetano Veloso: "Já fui mulher eu sei", e também ouço, em eco, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Entre um verso e outro, tento inventar um sulco próprio, que não se curve nem ao determinismo religioso, nem à coerção progressista. Meu objetivo é caminhar com lucidez, resistindo às roletas que giram por mim, mas sem renunciar à estrada que, embora coletiva, ainda me pertence.


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O texto que acabamos de ler é uma reflexão pessoal e crítica sobre liberdade, determinismo e as pressões sociais que enfrentamos. Ele nos convida a pensar sobre como as instituições — sejam elas religiosas ou políticas — moldam nossas escolhas e a nossa própria identidade. Como sociólogos em formação, é nosso papel analisar essas ideias de forma crítica, identificando os conceitos e as tensões que o autor apresenta. Vamos às questões:


1 - O autor questiona a ideia de livre-arbítrio e sugere que a vida é uma "via única". Analise essa metáfora à luz da sociologia do determinismo social. Em que medida o nosso percurso de vida é realmente livre ou é moldado por forças sociais que não controlamos?

2 - A crônica contrapõe o determinismo religioso à coerção progressista. Explique, com base no texto, como o autor se sente pressionado por esses dois lados. Quais são os "novos inquisidores" e as "bandeiras" que o forçam a tomar posições que ele não escolheu?

3 - O texto aborda a dificuldade de ser rotulado com base em "referenciais" de "argumentos sociais da moda". Discuta como os rótulos sociais (como racista, homofóbico, etc.) funcionam como uma forma de controle social e como eles podem ser usados para "esmagar os princípios" de um indivíduo.

4 - A frase "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" é citada no texto. Utilizando-a como ponto de partida, analise a tensão entre a identidade individual e as identidades coletivas. Como o autor tenta "inventar um sulco próprio" em meio a essas pressões?

5 - O autor expressa seu sentimento de ter que "aceitar, a contragosto, suas facções esquerdistas para conviver em paz". Essa resignação pode ser vista como uma forma de conformismo social. Explique como o conformismo pode ser uma estratégia para o indivíduo lidar com a pressão de grupos que se tornaram "maioria".

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