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segunda-feira, 29 de junho de 2009

HIERARQUIA ÀS AVESSAS



 

 

 

 

 

 

 

 

HIERARQUIA ÀS AVESSAS

Por Claudeci Ferreira de Andrade


           Ouvi de minha coordenadora pedagógica, que ali, naquele colégio, havia professor que fazia um rascunho de suas provas com respostas, porque não as sabia e precisaria “colar” para corrigir as respostas dos seus alunos. Fiquei indignado. Seria essa uma forma pedagógica de orientar um professor!? Eu sempre fiz gabarito para facilitar a correção das provas de meus alunos, que são muitas. Minha preocupação foi tamanha, que me levou a entrevistar alguns colegas. Contei o incidente à professora de sociologia e perguntei se ela entendeu a observação da professora-coordenadora. Ela pensou e disse:
           — Eu a comparo com uma assistente social de uma grande cidade, que descobre um homem velho e andrajoso, vivendo na mais completa miséria, num escoadouro abandonado. Essa assistente resolve, então, fazer algo por esse ancião; ela lhe proporciona um banho e novas vestimentas, coloca-o num confortável lar para a velhice. Alguns dias depois, o velho desaparece. Volta para o seu abrigo anterior, alegando ter acostumado a viver naquele lugar. Assim é um professor de muitos anos de classe.
           Seria verdade que ela falou de mim! Sou um professor de um bom nível (Pós-graduado), cheio das titularidades, apesar de mergulhado numa rotina: é assim que sempre funcionou.
           Desta vez, fui ter com o professor de história. Contei o incidente, a comparação da socióloga e perguntei o que ele pensava disso:
           — Por isso penso que, na escola, ainda, estamos há alguns séculos, durante o feudalismo no Japão, quando era costume um homem carregar seus idosos pais ao alto de uma montanha e deixá-los ali, para morrerem de fome e frio. De acordo com esse costume, quando uma pessoa completava setenta anos de idade e não era mais produtiva, a sociedade não tinha mais nenhuma obrigação para com ela. O sistema vai lhe vomitar, é só uma questão de tempo.
           É, se bem que a coordenadora devia ter um pouco de paciência comigo. Vai ver, talvez, nem seja eu! Ela sempre fala a mesma coisa para muita gente. Até porque eu sou um professor tradicional e um tradicional gosta do outro!
           No dia seguinte, falei com o professor de ciências e contei o incidente, a comparação da socióloga, o comentário do historiador e perguntei o que ele pensava disso:
           — No meu tempo de aluno no colegial, conheci um mágico. Um de seus truques consistia em esvaziar reiteradas vezes um jarro de água sem acrescentar-lhe a menor quantidade desse líquido. Não sei exatamente como ele fazia isso com um jarro de vidro transparente; mas, se estou bem lembrado, toda vez que ele esvaziava o jarro, a quantidade de água despejada era menor do que na vez anterior. Esvaziar-se do próprio eu assemelha-se em alguns aspectos com o que o mágico fazia: você é o jarro do mágico; um velho profissional que se mostra cheio, mas oferece um conteúdo cada vez menor.
           Eu não sou egoísta, apenas não deprecio a mim mesmo e não estou centralizado no meu próprio eu. Será que minha própria pessoa não deve, portanto, receber a mínima consideração?
           Outra vez, falei com alguém; contei o incidente, a comparação da socióloga, o comentário do historiador, a ilustração do professor de ciências e perguntei o que ele pensava disso:
           —Acho que para um escultor deve ser um problema dificílimo pegar um pedaço de mármore recusado, há anos, por um outro escultor mais talentoso, com uma figura parcialmente acabada e transformá-lo naquela que ele tem em mente, uma perfeita estátua. Você veio de outras mãos que desistiram, depois de tanto tempo precisa-se de um milagre para fazê-lo um espetáculo.
           Não, não me acho intratável, além do mais, quero melhorar. Bastava ela dizer que era eu o tal professor e eu não faria mais gabarito.
           Naquela noite, falei com o Cristo e contei o incidente, a comparação da socióloga, o comentário do historiador, a ilustração do professor de ciências, a fala do alguém e perguntei o que Ele pensava disso:
           —Eu, com esse incidente, ampliei sua capacidade de amar, porque, tanto para ensinar quanto para aprender, precisa-se de amar. Ninguém jamais deu tão grande lição de amor como Eu: ao deixar sem condenação a mulher adúltera; ao fazer do ladrão um amigo crucificado ao Meu lado; ao perdoar alegremente a Pedro que Me negara; ao orar pelos que Me crucificaram. A minha norma de amor prefere um pecador que ama a um “santo” que não ama. O amor vem de outra demonstração de amor. Sua capacidade de amar a outrem está na medida em que deixe que Eu o ame, ou melhor, está na raiz de nosso relacionamento. Aprouve-Me redimi-lo a fim de torná-lo uma pessoa amorável. O Meu amor perdoa todos os seus pecados: triunfa sobre todo o egoísmo do coração, sobre sua impaciência, hostilidade, ressentimento, inveja, ciúmes. Eu sou o professor de todos os tempos. Também sou tradicional.
           Depois desse encontro, nunca mais falei sobre o incidente. Lembrei dele quando assisti ao retorno da coordenadora à regência em sala de aula. Posteriormente, soube que ela solicitou uma vaga para a coordenação novamente, pois não conseguia mais lecionar (Os coordenadores pedagógicos são assim, põem-nos na sala de aula, e eles contratam um substituto atrás do doutro) — A indisciplina estava demais.

 Encaminhamento de percepção

 1- Segundo a coordenadora pedagógica, o rascunho para colar é prática de quem não tem capacidade. Você concorda?
 2- Um professor com experiência de muitos anos em sala de aula(tradicional) está inadequado para “dar aulas” nos dias de hoje?
 3- A que se atribue a atual indisciplina em sala de aula e a falta de vontade do aluno para o aprendizado?
 4- Por que as ações de um coordenadora pedagógica transformam tanto sua unidade escolar, tornando-a obsoleta quando no futuro esta retorna à regência em sala?
5- Pedagogo lecionando para o Ensino Médio é leigo, e o Licenciado em outra área, exercendo função de coordenador pedagógico é o quê?
6- Se a escola existe para hierarquizar as pessoas na sociedade ascendentemente, por que um graduado em pedagogia coordena um doutor em linguística que está em sala de aula lecionando?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2009
Código do texto: T1713722

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