"Se você tem uma missão Deus escreve na vocação"— Luiz Gasparetto

" A hipocrisia é a arma dos mercenários." — Alessandro de Oliveira Feitosa

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MINHAS PÉROLAS

terça-feira, 30 de junho de 2009

A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA) A Crise da Recepção e a Busca por Sentido




Crônica

A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA) A Crise da Recepção e a Busca por Sentido

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Escrevi, com grande esmero, a crônica “Gramática é sério” para incluí-la em um projeto de livro. Ansiava pela reação de terceiros — aprovação ou reprovação, comentários positivos ou negativos. Procedo assim com todos os meus textos: considero-os definidos apenas após leituras probatórias feitas por, no mínimo, três pessoas. Sou humilde o suficiente para aceitar sugestões de melhoria e uso as observações para enriquecer meus trabalhos.

Forneci uma cópia à chefe do departamento em que trabalhei (projetos da SME). A sala estava pouco movimentada, e pareceu-me o momento ideal. Ela fitou a página por quatro minutos, imóvel. Em seguida, largou a folha em cima da mesa, junto a uma enorme papelada, e disse:

— Tenho que ler mais uma vez para lhe falar alguma coisa sobre o texto.

Assim que ela virou as costas, recolhi a cópia preciosa, sentindo-me como um garimpeiro limpando suas pepitas. De repente, um vulto passou pela janela e reacendeu minhas esperanças: era a colega da sala ao lado, do departamento pedagógico. Chamei-a e pedi que lesse a crônica ainda naquela tarde e me desse seu parecer.

O retorno foi rápido: em menos de dez minutos, ela estava de volta à sala de projetos, sentou-se à minha frente e, com ar de suspense, fez caras e bicos. Eu estava apreensivo, mas esperei em silêncio. Finalmente, ela disse:

— Olha, a crônica está muito boa, gostei muito! Só esse final poderia ser mudado, pode desagradar alguns políticos.

Levantou-se e saiu. Não tive nenhum argumento imediato; naquele instante, ela apenas apontou o óbvio. Refleti pelo resto da tarde e parte da noite: como eu gostaria que meus leitores tivessem modos de ler tão amplos, capazes de realizar leituras extensivas e estabelecer vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural. Ou estaria exigindo demais?

O assunto é sério! Ontem, por exemplo, deixei um rascunho desta história em minha escrivaninha, com o título (Lei)tura Ex...amin(ativa). Minha esposa leu e perguntou:

— Como seria essa leitura "examinativa"?

Respondi que é o exame textual praticado por aquele que sabe, de fato, atingir o pensamento alheio e visualizar com amplitude o objeto do texto. É um processo vivo de apuração tão profundo que alcança os elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto, o conhecimento prévio do leitor e outros textos já lidos.

— E como adquirir essa leitura? — perguntou-me novamente.

Expliquei que a leitura competente faz parte da luta pela dignidade humana; é mais responsabilidade que privilégio. É uma técnica de leitura particular, ligada à criatividade de cada um. Não é difícil constatar que as manifestações mais substanciosas surgem daqueles que se aprofundam no conhecimento criterioso da realidade. É o que vemos na vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas, num empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas e dos seus próprios limites.

Se me compreenderam ou não, não sei; o importante é que, após essa experiência, nunca mais lerão este texto da mesma forma. Agora, sempre o farão em um nível mais profundo.


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Este texto oferece um excelente material para a discussão sociológica sobre a burocracia, o ambiente de trabalho e o papel social do intelectual e da leitura na contemporaneidade. Como professor de Sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas simples e diretas, focando nos conceitos de instituição, capital cultural e poder no ambiente de trabalho:

5 Questões Discursivas de Sociologia (Leitura, Poder e Burocracia)

Texto Base: A Crônica "Leitura Examinativa: A Crise da Recepção e a Busca por Sentido"

1. Burocracia e Relações de Poder no Trabalho:

A chefe de departamento demonstra desinteresse imediato pela crônica do autor, limitando-se a dizer que precisa "ler mais uma vez" antes de comentar. Analise essa interação sob a ótica das relações de poder e da burocracia no ambiente de trabalho (SME). Como a atitude da chefe pode ser interpretada como uma forma de exercer poder ou como um sintoma da rotina burocrática, onde o tempo para o "esmero" literário é inexistente?

2. A Leitura Superficial e a Cultura de Evitamento:

A colega do departamento pedagógico rapidamente retorna, elogia a crônica, mas sugere que o final "pode desagradar alguns políticos." O autor reflete sobre a ausência de "leituras extensivas" e "vínculos estreitos entre o texto e o conjunto cultural." Explique como essa leitura superficial, focada apenas na censura política, reflete uma cultura de evitamento de conflitos ou uma leitura instrumental (funcional) típica de certas instituições.

3. O Capital Cultural e a "Leitura Competente":

O autor define a "leitura competente" ou "examinativa" como uma luta pela "dignidade humana" e um "conhecimento criterioso da realidade." Na Sociologia de Pierre Bourdieu, o que é Capital Cultural? Discuta como a posse dessa "leitura competente" pode ser entendida como uma forma de capital cultural que distingue o autor da leitura superficial de seus colegas.

4. O Papel Social do Intelectual e a Crítica Implícita:

O autor, como cronista, busca produzir um texto que atinja elementos implícitos e gere reflexão profunda. Qual é o papel social do intelectual ou do crítico em uma sociedade, de acordo com as teorias sociológicas? Explique por que a sugestão de censura ("pode desagradar alguns políticos") é vista pelo autor como o oposto da finalidade da literatura e da leitura "examinativa".

5. Mérito e Superação Pessoal (Ideologia):

O autor associa a leitura competente à "vida de trabalho e esforço das pessoas comuns ou das especialmente dotadas" em um "empenho extraordinário que as leva à superação de si mesmas." Identifique a ideologia presente nessa afirmação (por exemplo, meritocracia, esforço individual). Discuta se essa visão, que valoriza o esforço individual extremo como chave para a competência, ignora ou minimiza a importância das condições sociais e do acesso a recursos educacionais de qualidade.

ALCANÇANDO AS VITÓRIAS (Dobradinha brasileira)




Crônica

ALCANÇANDO AS VITÓRIAS  (Dobradinha brasileira)

Claudeci Ferreira de Andrade

          Já era sabido que nosso Personagem Atleta tinha uma pergunta favorita nos locais de inscrição:

          — A Vitória vai correr?

           Tratava-se de uma cobiçada jovem. A princípio, ninguém entendia qual era sua preocupação, pois somava condições físicas superiores, por ter mais tempo de atletismo, e, também, porque nessa modalidade, mulher não disputa o mesmo prêmio com homem, mas ele não conseguia imprimir uma velocidade superior a da Vitória. Ele a tinha como uma espécie de puxadora. Mas, por que ele preferia ser puxado num correr tão lenta? E o pior, ele não reagia a nenhum incentivo dos espectadores, corria sempre bem concentrado. Em quê? Não sabemos, quero dizer, não sabíamos até que, de tão manso, no final de uma dessas “provas de rua”, foi flagrado numa fotografia, na qual apareciam o Personagem Atleta e a Vitória; pela disposição das imagens, percebeu-se claramente que ele não fora convidado para posar, estava um pouco desajeitado, porém seu olhar estava bem direcionado nas partes inferiores da moça. Agora as peças do quebra-cabeça começaram a se organizar. É verdade, ela corre sempre com esse shortinho de lycra rosa, curtinho! Desse jeito, ele nem precisava de muita imaginação para ficar preso por alguns momentos de devaneios. Ainda, passando a fotografia de mão em mão e em meio comentários maldosos, alguém concebeu uma ideia brilhante para ajudar o Personagem Atleta, era um teste de atração fatal.

          — Mas, que ideia brilhante é esta? — perguntou um dos que ali estavam em meio às gargalhadas.

           O outro explicou o plano que era convidá-la, com os mesmos trajes, para na próxima competição, fazer o percurso no "carro madrinha". Assim o fizemos, e ela aceitou, nem precisou muito dinheiro! O carro foi preparado de forma que ela ficasse bem exposta como quem ia apontando o caminho. Estava com o pé direito enfaixado para dissimular, ou melhor, adotava um comportamento de fachada. É chegada a hora, e o carro “isca” estava diante do pelotão pronto para a largada. Quem estava bem na frente, logo atrás do carro isca, era o Personagem Atleta! Parecia-nos sedento para mordê-la.

          Foi dada a largada, para a prova de 10 km, que contava com a participação de 400 atletas. Era o aniversário de uma das cidades satélite de Goiânia. Por ser feriado, o beirado de todo percurso estava repleto de muitas pessoas. Todos os demais atletas tinham motivação suficiente para fazer uma boa corrida. Porém, o nosso Personagem Atleta tinha motivação extra. Depois de alguns minutos, ele foi visto no km 5 de boca aberta, babando, todavia liderando a prova, pois o carro o puxava e controlava a sua velocidade, de maneira alguma ele queria perder o objeto de vista. E com essa mesma obsessão, tivemos de aplaudi-lo! Ganhou uma competição pela primeira vez. Campeão! A Vitória e a vitória foram conquistadas!
Como ajudar alguém alcançar a vitória quando esse alguém só quer a Vitória?
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 18/08/2009
Código do texto: T1760423


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (autoria de Claudeci Ferreira de Andrade,http://claudeko-claudeko.blogspot.com). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

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CONFISSÃO DE UM ANJO (A consequência do pecado de um anjo da guarda)





Crônica

CONFISSÃO DE UM ANJO: A Reunião Hostil (A consequência do pecado de um anjo da guarda)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Acompanhei o professor-tutor Ci ao departamento pedagógico da subsecretaria. Ele havia sido convocado para entregar um levantamento sobre alunos, salas e capacidade, essencial para o reordenamento da rede escolar.

Ci procurou a senhora Li, coordenadora do grupo de técnicos auxiliares ("dupla pedagógica, tutores") dessa regional, esperando ser recebido com as "boas-vindas como um servo bom e fiel". Contudo, a coordenadora estava visivelmente mal-humorada. Ci, apreensivo por ter recebido uma ordem truncada e não um documento formal (ofício), sentou-se à mesa em que Li o atendia e tentou quebrar o gelo:

— "Bom dia! Aqui estão as informações."

— "Onde estão os Gestores das escolas de sua responsabilidade?" – perguntou Li, confrontando-o diretamente.

Ele respondeu exatamente o que ela não esperava ouvir, já que nenhum gestor estava presente:

— "Foram convocados e até assinaram meu relatório de visitas, aqui está (eram três folhas abordando o objetivo das visitas do tutor). Se não compareceram, é porque julgaram não ser tão importante assim!"

Vi Ci colocar à mesa o relatório de três folhas, devidamente assinado, visto que a coordenadora sequer estendeu a mão para pegá-lo. Após um minuto de silêncio embaraçoso, Li concordou:

— "Então, vamos fazer o que dá para fazer já que eles não vieram."

Percebi que Li estava estressada, parecendo indisposta. Ela organizou seus formulários e deu início ao que se assemelhava a um interrogatório policial, buscando criar "armadilhas para pegar o culpado".

— "Quais as medidas das salas? Por onde começa a numeração das salas? Quantas salas são? Que escola é essa? Quais turmas funcionam na sala nº. 1 nos três turnos? Blá blá blá...?"

Entre um telefonema e outro, ela retornava à mesa para mais uma rodada de perguntas. Embora eu sentisse a obrigação de intervir para auxiliar Ci, ele conseguiu reagir ao que parecia ser o golpe final:

— "Você não me pediu quais turmas funcionam em tais e tais salas, nos três turnos, mas posso telefonar para as escolas e providenciar essas informações que deseja, agora."

Foi nesse momento que Li desferiu o ataque, com palavras agressivas e desorganizadas:

— "Eu estou cheia desses tutores e, se depender de mim, não vou escolher você para o próximo ano (2004)."

Eu desconhecia o que motivava sua mente, pois o anjo que a assistia era outro, mas via aquela "competição" como desleal. Nesse instante, justifiquei-me e retirei apressadamente as folhas de relatório da mesa.

Durante o recesso de final de ano, vi Ci, por várias vezes, recorrendo ao Pai, pedindo ajuda para decidir entre continuar na função de tutor ou retornar à regência em sala de aula. Eu, no entanto, estava impedido de auxiliá-lo: cometi um pecado, e por isso o Pai não me promoveu. "Agora sou o anjo dela."

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Como seu professor de Sociologia, vejo neste texto um excelente material para analisarmos as dinâmicas de poder e as relações interpessoais no ambiente burocrático. O trecho descreve um micro-ambiente de trabalho na área da educação, onde a hierarquia, a comunicação e o estresse moldam as interações. As seguintes questões discursivas simples ajudarão a conectar a narrativa com os conceitos sociológicos que estudamos:

1. Hierarquia e Expectativas

O professor Ci esperava ser recebido com as "boas-vindas como um servo bom e fiel" pela coordenadora Li. Explique, a partir da Sociologia, o que essa frase revela sobre a hierarquia e as expectativas de subordinação que permeiam as relações profissionais em ambientes burocráticos como o departamento pedagógico.

2. Comunicação Burocrática

O texto menciona que Ci ficou apreensivo porque recebeu a ordem para a tarefa de forma "truncada" e "não um documento formal (ofício)". Qual é a importância dos procedimentos formais (como o ofício) em uma burocracia, segundo Max Weber, e como a ausência desse formalismo afetou a relação de trabalho entre Ci e Li?

3. Conflito de Papéis

O questionamento de Li sobre a ausência dos gestores ("Onde estão os Gestores das escolas de sua responsabilidade?") e a resposta de Ci ("Se não compareceram, é porque julgaram não ser tão importante assim!") evidenciam um conflito. Analise esse trecho sob a ótica da "autoridade" e da "responsabilidade" na gestão escolar. Por que a ausência dos gestores se torna um ponto de tensão entre o tutor e a coordenadora?

4. Micro-Poderes e Assédio

O comportamento da coordenadora Li é descrito como um "interrogatório policial", com "armadilhas para pegar o culpado", e culmina em uma ameaça explícita ("não vou escolher você para o próximo ano"). Como a Sociologia do Trabalho ou das Relações de Poder pode interpretar a atitude de Li? Identifique um conceito sociológico (como poder disciplinar, dominação, ou assédio moral, por exemplo) que ajude a explicar essa dinâmica.

5. Cultura da Cobrança e Estresse

A narrativa indica que Li estava "visivelmente mal-humorada" e "estressada", enquanto Ci estava "apreensivo". Relacione o estresse e a pressão no ambiente de trabalho burocrático, conforme retratado no texto, com a cultura de cobrança de resultados ou com a rigidez institucional. De que maneira essa pressão interfere na fluidez e na qualidade das interações humanas?

SER CRISTÃO OU "CRISTUDO", EIS A QUESTÃO! (O homem de palavra fácil e personalidade agradável raras vezes é homem de bem. — Confúcio )





Crônica

SER CRISTÃO OU "CRISTUDO", EIS A QUESTÃO! (O homem de palavra fácil e personalidade agradável raras vezes é homem de bem. — Confúcio )

Claudeci Ferreira de Andrade

           Era uma manhã comum, quando o chamado à sala da diretora transformou o corredor em um caminho interminável. Cada passo ressoava como um tambor em minha mente, prenunciando a repreensão que eu sabia que viria. Assim que me sentei, a porta se abriu e um homem de aspecto distinto entrou, empunhando uma Bíblia. Tive a impressão de que estavam combinados.
           — "Eu sou o pastor fulano de tal" — ele começou, — "da igreja aqui perto. Minha filha [a fulana], estuda neste colégio há três anos. Ela tem apenas dezesseis anos e já é funcionária pública no Programa Jovem Cidadão. Cursa o primeiro ano do Ensino Médio no turno matutino; esta semana, ela faltou, por motivo de força maior."
            Ele fez uma pausa, como se estivesse reunindo forças para o que viria a seguir. — "Estou aqui para denunciar o professor dela que a reprovou no ano passado. Agora ele anda dizendo umas coisas esquisitas que, acredito, vai reprová-la de novo. Ele disse, em sala de aula, que vai trabalhar para desenvolver as competências dos alunos. Então, ele está chamando minha filha de incompetente?" —Sua voz tremia de indignação. — "Ele falou que adota a filosofia educacional cujo centro é o aluno. Nisso também, eu queria saber se ele não dá importância à matéria de estudo, e as outras coisas? Minha filha falou que ele leu um texto na sala, afirmando que o homem nasce bom, e a sociedade o corrompe. Isso é antibíblico, absurdo!"
           Ele continuou, cada palavra sua estava carregada de emoção: — "A Bíblia ensina que desde a transgressão de Adão, as crianças nascem com uma tendência para o mal, que se fortalece, ainda mais, com o passar dos tempos. Em desafio a isso, cremos ser possível converter esta tendência para o bem, até a perfeição, somente quando o indivíduo aceita Jesus."
            Ele fez uma rápida pausa, olhando para a diretora. — "Uma educação que não preencha as necessidades e ajude o homem, tão dessemelhante de Deus, a cumprir o propósito para o qual foi destinado [amar, servir a Deus e a seu semelhante] não tem razão de ser. Ele também fica cantando as alunas com elogios, o incrível é que nenhuma delas quis testemunhar contra ele, deve ter alguma coisa por trás disso! Senhora gestora, estou fazendo esta denúncia não só por minha filha, mas também pelos outros. Ouvi dizer que ele é professor de Língua Portuguesa e fala muito errado, besteira até, na sala. Será que ele não sabe, a língua é um dom Divino que precisa ser trabalhado para promover o bem, pois além de expressar as ideias e os pensamentos, forma a consciência? Ele deve ensinar que cada um tem de prestar conta de cada palavra emitida. Também em uma outra aula, ele expôs um cartaz contendo os órgãos sexuais e falou de camisinha, isso é papel da família; ensinou para minha filha que o homem hoje é resultado do desenvolvimento evolutivo das associações humanas, com essas ideias do evolucionismo, extrapolou a vontade de Deus. Sabe, para mim, o aluno deveria aprender que as normas de seu ambiente deveriam ser aprovadas à luz da Palavra de Deus e que a instrução ideal provém quando se combina o natural com o sobrenatural. Será que a senhora diretora não conhece a extrema importância de um professor para a concretude de uma educação ideal! Pois, ninguém subestime a influência extraordinária que o bom professor exerce sobre a mente dos alunos. Por isso, mudanças profundas terão que acontecer aqui ou, então, eu vou à Secretaria de Educação Estadual, pedir um professor que possua ideais nobres, instintos generosos e normas éticas elevadas para que minha filha manifeste características tais. Sou membro do Conselho Escolar e tenho este direito."
            O pai saiu apressado sem, nem mesmo, ouvir o que eu tinha para lhe dizer e deixou-me a visão de que a escola é a "prostituta da sociedade". Depois, a gestora confirmou minhas impressões dizendo: — "Eu acho que ele estava falando de você! Não preciso lhe dizer mais nada."
           Ela aformoseou de boca torta um sorriso cínico e baixou a cabeça.

Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 16/08/2009
Código do texto: T1756883

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GRAMÁTICA É SÉRIO (O alfabetizado é escravo e o analfabeto é miserável e o semianalfabeto tolo)




Crônica

GRAMÁTICA É SÉRIO (O alfabetizado é escravo e o analfabeto é misirável e o semianalfabeto tolo)

terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade

          Era de costume, a professora pedagoga de formação parcelada, como "boa profissional" que era, sempre chegava mais cedo para escrever os recados da semana no quadro de avisos da sala dos professores. Apesar de serem recados úteis, ninguém os lia; um ou outro passava apenas os olhos e ria porque, quase sempre, estavam subscritos: à direção. Planejei usar, como desculpa, a crase mal empregada e dizer que o recado não era para mim, mas para a direção. Achei que os outros pensavam o mesmo. De tão cansada e desestimulada por não vê nada, do planejado acontecendo, ela então foi ao extremo quando, numa segunda-feira, ao me aproximar para ler os anúncios daquela semana, deparei-me com um forte apelo, em letras garrafais, colocado na parte superior do quadro, bem destacado: “LEIÃO”. Foi em um instante, enquanto fui ao bebedouro dos alunos tomar um copo d’água, que quando retornei, logo aquele quadro de avisos chamou-me a atenção novamente, agora com mais força. Um colega havia interpretado o então atrevido apelo, com uma boa pitada de humor, usando uma conjugação verbal um tanto estranha: “Se não puder leiar então leiam”. Disseram-me que a frase foi arte do professor Joaquim. Eu já tinha visto a conjugação do verbo Xerocar e, mais artisticamente, eu Tvjo que significa: ver televisão na primeira pessoa do presente do indicativo, mas naquele momento, tive que refletir um pouco mais sobre aquela locução verbal numa espécie de futuro do subjuntivo: “...puder leiar...”! Porém, para chegar alguma conclusão, precisei pensar em outra direção, não gramaticalmente. Questionei, para mim mesmo, a qualidade da formação acadêmica do profissional da educação, ou melhor, questionei minha qualidade profissional. Ao sair da sala dos professores, perguntei ao professor coordenador de turno Joaquim: Por que um bom número de profissionais da educação pública mantém seus filhos nas escolas particulares? Você não acha incoerente? Eu queria saber se esse comportamento tinha a ver com a qualidade de ensino público.
          — Eu colocaria minha filha para estudar numa escola pública sem receio algum! E você Rapelle?— pergunta ele para a coordenadora pedagógica em questão, na busca de apoio.
          — Meus filhos estudam em uma escola municipal e minha conclusão final é: não existe escola ruim e/ou professor ruim, mas, aluno ruim.
          Então me perguntei novamente: E o que é aluno ruim? Fui resmungando até a sala em que eu ia ministrar minha primeira aula daquela noite. Era uma turma de 8a série que tinha aluno cujo seu próprio nome não sabia escrever corretamente. Nessa turma, propus-me, com a ajuda da coordenadora pedagógica, ensinar os tipos de redação; no final do mês, então, pedi um texto dissertativo para somar nota àquele primeiro bimestre. Investi muito esforço e paciência para corrigir, folha por folha, os textos que me entregaram.
          No dia seguinte, ao devolvê-los corrigidos para que eles tomassem consciência das deficiências textuais, fui coroado com um abaixo assinado, contendo muitas assinaturas, reprovando-me como professor deles. Pelas conversas informais no pátio e pelas confidências até pensava que tinha alguns bons estudantes, ali! Fui traído!
          Passaram-se os dias; não pude me esquecer daquele dia, no qual, bem intencionado, havia decidido ensiná-los melhor, motivado pela reflexão feita sobre os erros ortográficos da professora coordenadora, responsável pelos os anúncios para os professores. E então, me perguntei quem era o ruim: eu, ou a escola, ou o aluno?
          Hoje depois de seis meses, retornei àquela escola para rever os amigos que ali deixei. O quadro de funcionários já não é o mesmo, mas o professor Joaquim continua lá com o mesmo espírito de humor, agora está lecionando matemática, contudo me contou um fato interessante, pareceu-me que ainda se lembrava da teoria de Rapelle: “... ruim é o aluno”.
           — Professor, tenho uma novidade para lhe contar, — disse-me ele entusiasmado — este ano vieram duas moças bonitas do colégio vizinho, ambas as moças acabaram de concluir o terceiro ano do Ensino Médio, magistério, foram colegas na mesma sala: uma veio para assistir aulas de reforço na 8a série porque se sentia fraca; a outra veio lecionar matemática para a mesma 8a série porque se achava muito forte.
          Não me convenceu. Ele, no final, se contradisse sem sentir. Já na saída, depois de termos cruzado com um senhor distinto.
          — Você viu esse senhor educado que passou aqui agora por nós! — disse Joaquim — É o pai da jovem professora de matemática da 8a série, minha colega. Ele é um político muito influente na cidade e consegue muitas coisas para nossa escola!
          Lamento pela evidente conclusão que o alfabetizado é escravo e o analfabeto é miserável e o semianalfabeto tolo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 15/08/2009
Código do texto: T1755025

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MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)




Crônica

MEU NOME, MINHA HONRA (O cara tinha o meu próprio nome!)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

           Em nome da beleza, faz-se de tudo até passar fome! Porém, existem pessoas que pensam que é “bonito ser feio” e se valem de seus traços naturais para tirar proveito em algumas situações da vida. Como se não bastasse sua feiura tridimensional, um determinado sujeito levantou-se da cadeira de espera, com um ar ríspido e nervoso, usando passadas largas e pisadas fortes, dirigiu-se ao balcão da clínica que estávamos há horas e perguntou à moça recepcionista:
          — Que hora vou ser atendido?
          — Já lhe falei, – disse a moça enfadadamente – o atendimento aqui é por ordem de chegada.
          — Pois é por isso mesmo, – retrucou ele – por ordem de minha “chegada”, pois mudo o critério de atendimento, agora é por grau de beleza, não vê que sou o mais bonito aqui! (risos).
           — Eu falei de chegada e não de sua “chegada” – brincou a moça, jogando com as palavras, mas ele não estava para brincadeira.
          Foi aí que olhei mais atentamente para o sujeito. Queria ver se algum traço, daquele que se dizia lindo, se assemelhava com algo em mim, queria me sentir bem as suas custas.  Mas que 
figura mal traçada! Olhei seus cabelos lambidos, nada! Sua cara avolumada, nada! Suas roupas mascadas, nada! Enfim, seu aspecto pipa, nada! Era mesmo desalinhado de cima a baixo! Desejei que ele se virasse de perfil, mais uma vez, para que eu pudesse confirmar minha estética superior, esguia. Todavia, o homem apesar de muito querer ser atendido rapidamente, não discutiu mais e fez finca-pé para sair, quando a moça esbofou em um grito:
            — Espere, seu Claudeci, nós vamos atendê-lo, agora é sua vez.
           Mexi-me na cadeira novamente para aquela direção, pois ouvi meu nome, a palavra mais doce que meus ouvidos já provaram, porém foi difícil digerir. Ele voltou ao balcão com rapidez, enquanto eu conferia seu andar gravemente cambaleante, porque puxava da perna direita. O cara tinha o meu próprio nome! Então comecei refletir melhor, como um artesão diante de uma porção de massa de modelar disforme, querendo construir uma obra perfeita. Agora era uma questão de honra ao nome. De repente um raio de luz convenceu-me; é verdade, o nome Claudeci tem o mesmo morfema lexical de Claudicar, que significa manquejar, por isso, este nome é mais dele que meu! Assim, nessa introspecção, esforcei-me para me desvencilha totalmente daquela figura mal educada, porém não pudia, uma força moral nos unia. E agora já consigo ver que seus olhos tinham o formato dos meus! Seus sapatos eram tão grandes quanto os meus! E não é que ele pisava um pouco para fora como faço quando caminho! O médico dele era exatamente o meu médico! O seu problema deveria ser semelhante ao meu! Ele demorou ali, ao meu alcance visual, por apenas mais dois minutos, mas o suficiente para eu perceber, também, que a sua camisa era do mesmo vermelho que a minha. Agora eu como um artista comecei a trabalhar sua própria imagem, e meu olhar salvador restaurou-me também a alma, porque já admitia sua lógica. Ele tinha razão quando disse que era o mais bonito, pois estava me elogiando também, por extensão. O que não entendi até hoje, é por que fui atendido só depois dele se cheguei primeiro, e o atendimento era por ordem de chegada?! Tudo se acomoda a um ponto de vista cativo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 14/08/2009
Código do texto: T1754328


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A BABILÔNIA DE BRANCO (O pecado justificado)




Crônica

A BABILÔNIA DE BRANCO (O pecado justificado)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

          Por que está assim impecável, toda no linho branco?!
          — Hoje sou a pregadora oficial em minha igreja, é santa ceia! Não estou bem assim?
          Claro, é que a última vez que vi alguém todo vestido de linho branco, fiquei impressionado, esse não poderia ser uma pessoa comum porque não era Réveillon; talvez um fantasma! Porque de longe me parecia muito estranho, mas era meio-dia, na porta de um dos restaurantes mais movimentados de Goiânia! O que um fantasma faria ali em pé, escorado no portal, olhando para a rua? Seria um pagodeiro! Não, pagodeiro geralmente é negro, ele era loiro de olhos claros!
          À medida que fui me aproximando, reconsiderei, pode ser um Anjo! Por que não? Hoje, nos tempos finais, os Anjos visitam nosso meio! Ou não é assim que diz a Bíblia? Mas, as asas que vi eram apenas os reflexos da luz da porta desajustada. Por um instante, subiu-me às narinas um cheiro de incenso, então, agora me pareceu um pai-de-santo! Não, não podia ser, era muito jovem para isso! O cheiro vinha do detergente da lavanderia ao lado, foi fácil descobrir. Um garçom? Também não seria, pois eles não gostam de sair à rua uniformizados! Era um marinheiro que havia deixado o quepe na mesa do almoço, enquanto dava uma olhadinha aqui fora? Não, não tinha nenhuma divisa nos ombros! Eu vi quando se virou para sair. Então, desceu em direção ao açougue, do mesmo lado da rua, um pouco abaixo, mas, também, não era açougueiro porque ele vestia linho, e os seus sapatos estavam polidos! Na outra quadra, do outro lado da rua, avistei a enfermaria do Hospital São Lucas, que ficava nos fundos, desta vez, pensei que poderia ser um enfermeiro ou médico, as chances diminuíram quando levei em conta sua maleta preta na mão direita e óculos pretos no rosto, e, por último, também não entrou lá. Ele tirou do bolso da camisa um cigarro e continuou descendo a rua fumando. Não, um agente de saúde fumante não é coerente! Lembrei-me que os cabeleireiros também usam branco, porém não era o caso aqui, apesar do homem ter uns movimentos bastante delicados, ele era alto.
          E agora?! Diminuiu os passos, eu já estava a quase três metros atrás dele, quando olhou para mim, tentei disfarçar, olhando para baixo, todavia entendi que ele, apenas, queria se certificar que não estava sendo observado, nada percebendo, entrou rapidamente em uma porta de vaivém e desapareceu.
          Entretanto, para mim, a identificação daquele homem seria uma confirmação que o branco significa pureza e transmite paz, podendo o uniforme ser coerente com a função do indivíduo. Sentei-me em um banco da praça, de onde pudesse ver quem entrava e saia daquela porta que não parava de abanar. O local era um motel com placa de hotel, isto é, um lugar de encontros amorosos camuflados. Entravam e saiam constantemente pessoas acompanhadas. Por que o homem de branco entrou sozinho e até agora ninguém saiu sozinho?
          Às quinze horas, duas horas depois, quando já me preparava para desistir, de repente, uma mulher alta, mais ou menos da mesma estatura do referido homem, saiu de lá, sozinha, usando óculos pretos no rosto e uma maleta preta na mão direita, e com a outra mão empurrava um carrinho de bebê, contudo, a moça trajava-se como babá de família rica, vestia-se de branco; mas era uma saia tão curta e transparente que julguei ser uma prostituta Moderna, ou melhor, como dizem na gíria delas, uma delivery girl! Seus cabelos curtinhos, como costumam usar os homens, completaram os itens que me confirmavam a impressão de que tudo aquilo não passava de um cuidadoso disfarce. Caminhou fazendo o percurso de volta, ela andou tão rapidamente que não tive condições de acompanhá-la de perto! Porém, consegui, de relance, avistá-la quando entrou no mesmo restaurante, ali se misturou às outras mulheres que se trajavam mais ou menos parecidas. A cor branca predominava.
          Agora, quando vejo alguém vestido de branco me pergunto: Quem era o homem de branco e qual a sua ocupação profissional? Neste mundo negro, ainda tem professor que veste jaleco branco para disfarçar o pó de giz, quem dera fosse a carapuça, pois o que é branco não é sujo.
Claudeko
Publicado no Recanto das Letras em 13/08/2009
Código do texto: T1752519


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