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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

TIRADORES DE COURO ("Os homens prudentes sabem sempre tirar proveito dos atos a que a necessidade os constrangeu." — Maquiavel)


CRÔNICA


TIRADORES DE COURO ("Os homens prudentes sabem sempre tirar proveito dos atos a que a necessidade os constrangeu." — Maquiavel)

Por Claudeci Ferreira de Andrade

Era um sábado de manhã, e o silêncio ainda dominava as ruas da cidade. Enquanto muitos aproveitavam o começo preguiçoso do fim de semana, eu estava em uma sala fria, participando de um curso de capacitação para professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Senador Canedo. O ambiente era impessoal, as cadeiras desconfortáveis, mas o tema despertava curiosidade: a realidade dos nossos alunos.

A palestrante iniciou com firmeza, projetando no telão um quadro estatístico. “A maioria dos alunos da EJA trabalha como tiradores de couro”, afirmou, mas queria dizer que eles trabalhavam no Polo Coureiro - Senador Canedo - GO. O impacto de sua declaração ecoou na sala, gerando reações silenciosas e olhares curiosos. Aquela expressão, “tiradores de couro”, ficou reverberando em minha mente. Não era apenas uma profissão; era um retrato. Imaginei mãos calejadas, corpos exaustos e espíritos que, apesar de tudo, ainda buscavam mais: conhecimento, oportunidade, transformação.

Enquanto ela falava, me perdi em divagações, pensando na vida dura desses alunos e no esforço exigido para “arrancar” o que a existência teimava em lhes negar. Havia ali uma metáfora poderosa, e minha mente buscou um paralelo nas histórias bíblicas de Moisés, Sansão e Davi. Moisés separou mares com uma vara; Sansão enfrentou exércitos com uma queixada; Davi derrotou um gigante com uma pedra. Cada um utilizou objetos simples para realizar feitos extraordinários.

Não somos diferentes, pensei. Nós, professores, também somos desafiados a operar milagres. Mas, em vez de varas, queixadas ou pedras, temos pedaços de giz, quadros desgastados e o peso de expectativas alheias. Como transformar esses instrumentos banais em ferramentas de mudança? Como inspirar nossos alunos, que já chegam “esfolados” pela vida?

Naquela próxima segunda-feira, decidi levar essa reflexão para a sala de aula. Comecei com um exercício simples de conjugação verbal: “Eu esfolo, tu esfolas, ele esfola, nós esfolamos…” As risadas foram imediatas, quebrando o gelo. Então, lancei a pergunta: “Será que estamos tirando o couro de quem já está esfolado?” O silêncio que se seguiu foi mais profundo do que qualquer explicação.

Ali, diante de mim, estavam homens e mulheres que trabalhavam duro, “tirando o couro” no sentido literal e figurado. Eles se dedicavam a algo que talvez nunca lhes devolvesse tudo o que tomara. Mas ali estavam, tentando mudar suas vidas por meio do conhecimento. Eu, por outro lado, percebia que meu papel não era apenas ensinar, mas também reconhecer e valorizar as histórias que carregavam em suas mãos calejadas.

Aquela aula me transformou. Aprendi que o verdadeiro desafio na EJA não é apenas ensinar, mas acreditar no potencial escondido em cada aluno. Somos todos, de certa forma, “tiradores de couro”. Mas, quando temos a coragem de enxergar além, descobrimos que, assim como Moisés, Sansão e Davi, podemos realizar pequenos milagres. No final, percebi que a grande lição não está no giz ou no quadro, mas no encontro entre a persistência de quem ensina e a resiliência de quem aprende. E talvez o maior milagre de todos seja reconhecer que, juntos, somos capazes de transformar até mesmo os instrumentos mais simples em algo extraordinário.


Como um bom professor de sociologia do Ensino Médio, preparei 5 questões discursivas no formato de pergunta simples sobre os temas principais do texto:


1. De que maneira a profissão de “tirador de couro”, exercida pela maioria dos alunos da EJA, é utilizada no texto como uma metáfora para as dificuldades enfrentadas por esses estudantes?

2. Como o texto estabelece uma relação entre as histórias bíblicas de Moisés, Sansão e Davi e o papel do professor na EJA?

3. Qual a reflexão central proposta pelo autor ao questionar “Será que estamos tirando o couro de quem já está esfolado?”?

4. Segundo o texto, qual a importância de se reconhecer e valorizar as histórias dos alunos da EJA no processo de ensino-aprendizagem?

5. De acordo com o autor, qual o verdadeiro “milagre” que pode ser realizado no contexto da EJA?

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