MEDO GERA MEDO! ("Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo." — Mark Twain)
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Fico admirado quando passo pelas ruas e os cachorros latem apenas para mim. Por que eles reagem a uns e não a outros? Tentando entender esse fenômeno, notei que, onde quer que eu esteja, se um bêbado ou um maltrapilho se aproxima, logo vem falar comigo. Tentei identificar o que nos conecta. E me surgiu uma pergunta incômoda: será que exalo o cheiro do medo ou são apenas minhas expressões corporais que os atraem? A eles cabe reagir aos próprios desconfortos: latem para se proteger ou me cumprimentam com um disfarce, tentando esconder um medo ainda maior que o meu? Talvez estejam tão aguçados que percebem em mim o que tento esconder — meu receio deles.
Somos todos células de um mesmo organismo, o organismo de Deus. Os mesmos fluidos circulam pelo espaço, abastecendo-nos de informações extrassensoriais. O sentido da vida, paradoxalmente, é caminhar em direção à morte. Todos que vivem, vivem com medo de morrer — e só continuam porque compreendem, ainda que intuitivamente, a interdependência entre o micro e o macrocosmo. Os medos preservam esta vida, mas, afinal, qual seria o verdadeiro significado da existência, senão morrer com dignidade?
Talvez tudo se resuma ao fato de que o medo é uma oração muda — e os cães, mais sensíveis do que nós, escutam aquilo que não verbalizamos. Meu corpo, sem perceber, revela uma alma trêmula, talvez espiritual demais para não ser farejada. E se a espiritualidade for justamente isso: um estado de desproteção consciente, onde não se reage com violência, mas com uma entrega assustada àquilo que é maior? Há latidos que são avisos, outros, pedidos. E há encontros, como o dos rejeitados da rua comigo, que parecem querer me dizer: “você também sente o que a gente sente, não é?” Há algo de sagrado nesse reconhecimento mútuo, como se o medo fosse a forma mais honesta de oração dos vivos.
Republiquei este pensamento porque um "abobalhado" acusou-me de comparar mendigos a cachorros. Disse-lhe que sou responsável pelo que digo — e ele, pelo que entende. A essência do texto, deixo claro, está em notar que tanto os cães quanto os excluídos da sociedade me enfrentam, e não sei por quê. O que lhes dá essa "coragem"? Talvez o fato de eu exalar o hormônio do medo, visível a ambos. Só falta agora aparecer algum protetor dos animais acusando-me de sugerir que os cachorros são socialmente marginalizados. Também não se trata disso. A questão permanece: por que os cachorros latem com uns e com outros não?
Não os comparei. Apenas apresentei duas classes que, diante de mim, comportam-se de maneira semelhante — indesejável, é verdade, mas reveladora. "Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo — quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação." — Clarice Lispector.
-/-/--/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-/-
O texto que acabamos de ler é fascinante para a Sociologia! Ele nos convida a olhar para as nossas interações mais cotidianas de uma forma diferente, questionando por que reagimos de certas maneiras e por que os outros reagem a nós. O autor nos leva a pensar sobre o medo, a vulnerabilidade e as conexões invisíveis que nos unem, mesmo quando não percebemos. Com base nesse texto, vamos refletir sobre alguns conceitos sociológicos importantes que nos ajudam a entender melhor o comportamento humano e as relações sociais.
1 - O autor se admira por cachorros e pessoas em situação de rua reagirem a ele de forma específica. A partir do conceito de interação social, como podemos analisar a troca de sinais (verbais e não-verbais) que ocorre nesses encontros e o que eles revelam sobre a percepção que temos uns dos outros?
2 - O texto sugere que o autor pode "exalar o cheiro do medo" ou que suas "expressões corporais" atraem certas pessoas. Discuta como a linguagem corporal e os sinais não-verbais são importantes na construção das interações sociais e como eles podem influenciar a forma como somos percebidos e abordados por diferentes grupos na sociedade.
3 - O autor defende-se de uma acusação de comparar mendigos a cachorros, afirmando que é responsável pelo que diz, mas o outro pelo que interpreta. Com base na construção social da realidade, explique como a interpretação de uma mensagem pode variar entre indivíduos e quais os desafios dessa diferença para a comunicação e o entendimento mútuo na sociedade.
4 - A crônica aborda a ideia de que "o medo é uma oração muda" e que há um reconhecimento mútuo entre o autor e os "rejeitados da rua". Sociologicamente, como as emoções compartilhadas (como o medo ou a vulnerabilidade) podem criar laços de solidariedade ou de identificação entre indivíduos, mesmo em contextos de exclusão social?
5 - O texto finaliza com uma citação de Clarice Lispector sobre o medo do novo e da desorientação. Relacione essa ideia com o conceito de anomia social (a ausência de normas ou a confusão de valores) e discuta como a incerteza e o desconhecido podem gerar medo e influenciar o comportamento dos indivíduos na sociedade contemporânea.
.jpg)

Nenhum comentário:
Postar um comentário