UM TOLO SÓ DIZ TOLICE ("O sábio fala porque tem alguma coisa a dizer; o tolo porque tem que dizer alguma coisa". Platão)
Hoje, mais uma vez, irritei-me contra Deus a ponto de Lhe dizer tolices: "Senhor, por que permitiste isto na minha vida?"
Naquela ocasião, sentia-me como Jó — o sofredor — cercado por meus “amigos”, mais preocupados em interpretar minha dor do que em acolhê-la. Eram homens aparentemente bem-sucedidos: um mecânico autônomo, um serralheiro próspero e outro que se proclamava profeta, íntimo de Deus. Reunidos, discutiam minha enfermidade com ares de julgamento, como se pudessem decifrar os desígnios divinos.
Ouvi-os em silêncio, suportando o peso da culpa que suas palavras insinuavam. Suas interpretações — ora dogmáticas, ora moralistas — fracassavam nas contradições que se atropelavam. Tentavam justificar minhas dores com certezas ocas, e eu, diante delas, me via mergulhado em perguntas para as quais nem eu tinha resposta.
Foi então que comecei a confirmar o que, no íntimo, já intuía: o juízo de Deus é justo, e o erro — seja qual for — não permanece impune para sempre. Mas, ali, percebia que eu não era o único sobre quem recaía o peso da expiação. Havia também o “bode para Azazel”, símbolo do mistério insondável que transcende nossa compreensão.
Sem uma resposta definitiva, oscilava entre três possibilidades: estaria sendo castigado pelos meus pecados, colhendo as consequências naturais de minha própria tolice? Estaria sendo testado, para que minha fé amadurecesse? Ou seria aquilo tudo uma forma de Deus manifestar Sua glória em minha vida?
Qualquer que fosse a razão, uma convicção se impunha: religião se discute, sim.
E talvez esse tenha sido o maior fruto daquela conversa: o impulso involuntário para um autoexame profundo, uma espécie de colheita espiritual feita no terreno pedregoso da dor. Aquele tempo não foi perdido — serviu para abrir, ou pelo menos não fechar, os sentidos que percebem os ensinamentos de Deus. Se aquilo tudo era, de fato, obra divina, que fosse então necessária e suficiente para me conduzir à humildade e ao regozijo diante de qualquer uma dessas possibilidades.
Mas como aceitar tudo isso, se minha conclusão final foi que Deus não precisa da fé de ninguém para realizar Sua obra a favor de quem Ele quiser? Afinal, estou bem — e, paradoxalmente, é justamente por isso que duvido de tudo.
E é precisamente nessa dúvida que descubro uma liberdade inesperada: se Deus age independentemente da minha crença, então minha responsabilidade no mundo não repousa no medo do castigo nem na esperança da recompensa, mas na dignidade intrínseca de cada ato humano.
Não preciso amar o próximo para merecer salvação — amo porque o amor, por si só, é uma resposta justa à existência. Não devo buscar a justiça para agradar ao divino — mas porque a injustiça desumaniza tanto o oprimido quanto o opressor.
Essa conclusão me liberta do utilitarismo espiritual e me conduz a uma ética mais essencial: agir bem não por cálculo transcendente, mas por discernimento consciente. Talvez seja isso a verdadeira maturidade da alma — perceber que a bondade não precisa de plateia celestial para ser autêntica.
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QUESTÕES DISCURSIVAS - SOCIOLOGIA
Tema: Religião, Sociedade e Construção de Valores Morais
QUESTÃO 1
O texto apresenta três personagens que tentam explicar o sofrimento do narrador: um mecânico, um serralheiro e um "profeta". Considerando o que estudamos sobre estratificação social, explique como a posição social e profissional de cada um influencia a forma como eles interpretam e julgam a situação do protagonista.
QUESTÃO 2
O autor questiona se deve "amar o próximo para merecer salvação" ou se deve amar "porque o amor, por si só, é uma resposta justa à existência". Baseando-se nos conceitos de solidariedade social, compare essas duas motivações e explique qual delas contribui mais para a coesão social em uma comunidade.
QUESTÃO 3
O texto menciona que "religião se discute, sim" e critica interpretações dogmáticas. Na sua opinião, como o debate aberto sobre questões religiosas pode contribuir para uma sociedade mais democrática e tolerante? Dê exemplos de situações onde o diálogo religioso é importante para a convivência social.
QUESTÃO 4
O narrador critica o "utilitarismo espiritual" - a ideia de fazer o bem apenas esperando recompensas divinas. Relacione essa crítica com o que aprendemos sobre comportamento social: como você acha que uma moral baseada apenas em "prêmios e castigos" afeta as relações entre as pessoas na sociedade?
QUESTÃO 5
O autor conclui que a "bondade não precisa de plateia celestial para ser autêntica". Considerando os conceitos de normas sociais e controle social, explique como uma sociedade pode manter valores éticos e morais mesmo quando as pessoas têm diferentes crenças religiosas ou não têm religião alguma.


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